Com base nos dados fornecidos pelo "provão" de 1997, o próprio ministro da Educação admitiu: "Quem chega hoje à universidade é uma minoria, uma elite" (Folha de S.Paulo, 21-12-1997). De fato, 75% dos universitários em 1997 são de famílias com renda mensal superior a dez salários mínimos (R$ 1.200,00), sendo que essa faixa salarial responde por 17% das famílias, 38 a 51% dos universitários, dependendo do curso, pertencem ao grupo com renda familiar acima dos 20 salários mínimos (7% da população). Apenas 3% dos universitários pertencem a famílias com renda mensal de até 3 salários mínimos (42% da população). Esse desequilíbrio permanece quando se analisam apenas as universidade públicas.
Hoje, há consenso no País de que a todos devem ser dadas iguais oportunidades de ascensão social e econômica, apesar das evidentes desigualdades entre as famílias. As pesquisas do "provão", contudo, mostram que, na prática, as oportunidades de progresso pessoal pelo estudo superior estão ainda fora do alcance das maiorias de baixa renda. Vice-versa, o fato de pertencer à classe média ou alta constitui-se numa espécie de pré-requisito para o acesso à universidade e, conseqüentemente, a uma vida mais segura e abasta-, da. Cabe lembrar que, segundo 58% dos entrevistados, a educação é a melhor herança que uma família de classe média brasileira pode deixar a seus filhos, conforme recente pesquisa do Instituto Vox Populi.
O que está em discussão é a própria liberdade do cidadão, no sentido da possibilidade objetiva de mudar a sua situação através de oportunidades garantidas pela sociedade, em particular pelo sistema educacional.
Essa exclusão dos cidadãos de baixa renda torna-se possível por meio dos critérios de acesso ao ensino universitário, consolidados nos "vestibulares". Estes, longe de premiar apenas os méritos objetivos dos indivíduos, proporcionam - ao contrário - formas sutis e eficazes de discriminação social e econômica.
Esse tipo de preocupação está-se multiplicando também no exterior. Nos Estados Unidos, país do mito do "self-made man", a meritocracia, até ontem contestada apenas por excêntricos ou intolerantes, é hoje objeto de uma descrença cada vez mais generalizada ("The Economist", em GAZETA MERCANTIL, 19/7/97). Dois fenômenos são apontados como causas dessa mudança de avaliação: (a) o crescente abismo entre ricos e pobres, causado principalmente pelas diferenças de remuneração entre trabalho intelectual e braçal; e (b) o agravamento das condições dos despossuídos dos EUA.
Ora, todos percebem que esses fenômenos são bem mais graves no Brasil do que no Primeiro Mundo. Em particular, conforme pesquisa de 1995 da consultoria Towers Perrin, as diferenças salariais médias entre um operário e o presidente de uma grande empresa na indústria brasileira chegavam a 44 vezes, diante de 9 vezes da Suécia.
O principal aspirante ao ensino superior é a juventude, o futuro do País. Ela merece uma perspectiva que a motive em vista do melhor para si e para a sociedade. Não basta que essa chance seja teoricamente possível. Ela precisa de um mínimo de credibilidade, baseada em condições reais, que possam ser avaliadas e mensuradas. Ninguém é livre de atingir uma meta fora do alcance. Os jovens de famílias de baixa renda, em particular, devem ter a certeza de que o acesso, ao ensino superior está em seu poder, mesmo através de um caminho que exige esforço e dedicação. Infelizmente, essa não foi ainda a realidade em 1997, conforme a pesquisa do "provão".
Em 1998, então, além de melhorar o ensino público de 1° e 2° grau, é importante e urgente encontrar e implementar formas não-discriminatórias de seleção dos candidatos às limitadas vagas gratuitas das universidades públicas, de forma a tornar mais efetiva a liberdade, entendida como igualdade de oportunidade. Como já dizia o Tiradentes: "Liberdade, ainda que tardia".
Técnico do Dieese.
Notícia
Gazeta Mercantil