Para quem nasceu depois dos anos 2000 talvez seja um pouco difícil imaginar como era a vida sem a comodidade o telefone celular. Desde o surgimento dos primeiros celulares - aqueles “tijolos” dos meados da década de 1980 - a vida em sociedade se reorganizou e se adaptou perfeitamente à nova tecnologia. De lá para cá, os avanços não pararam, com a indústria lançando várias novas “gerações” de rede.
Os aparelhos enormes e analógicos dos anos 1980 deram lugar aos serviços 2G, que permitiam o envio de torpedos, na década de 1990. Na virada do milênio, o 3G passou a oferecer uma conectividade efetiva com a internet, até que 4G, já na década seguinte, trouxesse uma experiência de banda larga para a palma das nossas mãos.
Agora, é a vez da rede 5G, que ainda nem chegou ao mercado, mas já vem dando o que falar. Em alguns lugares do mundo, essa tecnologia pode começar a funcionar comercialmente já no próximo ano, trazendo uma promessa de conectividade sem limites. Mas o que há de tão especial nessa mudança?
Quinta geração das redes móveis, o 5G vem sendo promovido como a evolução que vai fazer com que possamos fazer o download de filmes em alta resolução em um minuto. A velocidade prometida pelo 5G deve ser superior até mesmo à que temos atualmente dentro de casa. De acordo com o professor Daniel Macêdo Batista, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (USP), não há um consenso sobre o quão mais rápida será a taxa de transmissão de dados, especialmente porque as faixas de frequência que as redes 5G vão usar sofrem influência de vários elementos, como a atmosfera, arquitetura das cidades e distância dos dispositivos das torres de transmissão.
“No geral, espera-se que [a velocidade] seja na faixa de dez gigabits por segundo, o que é muito alto”, diz o pesquisador. Ele aponta que, em sua sala na USP, em que usa um computador conectado à internet via cabo, a taxa de transmissão é de um gigabit por segundo. “Então, a gente está falando de uma rede de celular, que não vai precisar de um cabo e vai ter uma transmissão dez vezes mais rápida do que a que eu tenho institucionalmente”.
Outro avanço que deve ficar parente para o consumidor é a diminuição na latência - o tempo que leva para uma informação sair do dispositivo, chegar ao servidor, sair do servidor e voltar para o dispositivo. Atualmente, em redes móveis, esse atraso é de 50 milissegundos. No 5G, ele deve ser drasticamente reduzido, chegando a um milissegundo. Basicamente, vamos mudar nossa percepção do que é “instantâneo” quando falamos em conexão com a internet.
Cidades e cidadão conectados
Apesar das velocidades vertiginosas, limitar as possibilidades oferecidas pelo 5G a ver Netflix em altíssima qualidade sem precisar esperar carregar é bastante reducionista. O que tem empolgado tantos especialistas - e gerado tanta expectativa - é a potencialidade dessa tecnologia para as cidades inteligentes. Essa instantaneidade deve levar a Internet das Coisas a lugares que mal podemos imaginar agora, já que foi desenhada para conseguir conectar bilhões de máquinas e sensores a baixos custos e sem consumir toda a bateria desses dispositivos.
“A 5G é chamada de ‘a rede das redes’. Ela será uma plataforma em que outros tipos de rede, mais específicas, vão poder operar”, diz o gerente de Órbita, Espectro e Radiofrequência da Agência Nacional de Comunicações (Anatel), Agostinho Linhares. Além da otimização da banda larga móvel, o engenheiro lista a comunicação máquina- máquina massiva e a comunicação de alta confiabilidade e baixa latência como os três elementos do tripé que compõem o 5G.
A comunicação máquina- máquina massiva é um elemento chave para as cidades inteligentes. É a partir dela que será possível conectar um grande volume de sistemas e objetos para otimizar o funcionamento das cidades, abrangendo desde o monitoramento do trânsito até a coleta de lixo. A “perna” da alta confiabilidade e baixa latência, por sua vez, é o que fará com que, por exemplo, carros autônomos possam circular em segurança, já que esse sistema depende de uma transferência de dados segura e ágil. “Enquanto hoje a gente tem redes separadas para essas operações, o 5G consegue integrar todas essas redes”, explica Linhares.
Para o diretor de planejamento de redes da Vivo, Atila Branco, a implantação da rede está necessariamente aliada a uma grande transformação do setor, com novas possibilidades de negócios. “Vemos como grandes oportunidades o mercado de transportes inteligentes com carros, vias e sinalizações conectadas, compartilhando informações em tempo real, por exemplo. Além disso, o controle remoto de equipamentos, combinados com a realidade aumentada e realidade virtual, poderão alavancar grandes oportunidades para atividades de alta periculosidade”, aponta, acrescentando que as altíssimas velocidades também ampliarão as aplicações de realidade virtual e realidade aumentada.
E isso é apenas o que já conseguimos imaginar. Antes do 4G, sequer conseguiríamos imaginar serviços como o Uber, por exemplo, que depende desse tipo de conexão mais veloz e estável. Com a nova estrutura, também devem surgir novas aplicações e as possibilidades são inúmeras.
Olhando para um futuro em que não apenas nossos celulares, tablets e relógios estejam conectados à internet, mas também nossas roupas, automóveis e eletrodomésticos, o volume de dados enviados e recebidos deve aumentar exponencialmente. Assim, o atual modelo de cobrança das operadoras de celular (venda de pacotes de dados) parece anacrônico.
“As pessoas que vão desenvolver aplicações vão ter um playground fantástico para criar coisas novas e eu não acho que eles vão se limitar a essas quantidades de dados que os usuários têm [hoje] para pensar novas aplicações. Então, esse modelo pode ser um tiro no pé, se as operadoras continuarem com algo desse tipo, porque eles vão ter muitos clientes frustrados”, opina Batista.
Economia de energia e nova infraestrutura
Um avanço deste tamanho vai requerer um upgrade considerável na infraestrutura. Os usuários precisarão de aparelhos compatíveis com a nova tecnologia e as cidades também terão que trabalhar bastante para oferecer os serviços prometidos. Duas coisas serão essenciais: ampliar substancialmente a cobertura de fibra ótica e instalar muito mais antenas do que vemos atualmente. As duas coisas funcionarão juntas, sendo que as antenas distribuem a conexão para os usuários e dispositivos e as fibras óticas escoam esse volume de dados para os servidores.
Na prática, quanto mais alta a frequência, maior a velocidade que poderá ser oferecida por aquela rede, mas menor é a distância que precisa existir entre os aparelhos e as antenas. “Quando você opera nessas faixas vai ter estações rádio base com raios de cobertura da ordem de 100, 150 metros. Isso quer dizer que haverá um número muito maior de estações do que nós temos hoje - nos grandes centros, um número até dez vezes maior. São estações muito pequenas, mas que precisam estar naquele local para garantir a cobertura”, afirma Linhares.
Por isso, estamos olhando para um futuro com muitas antenas de transmissão ocupando o espaço público, sendo instaladas até mesmo em postes ou na lateral de prédios. “Uma vantagem é que essas antenas não precisam ser tão grandes, mas vão ocupar mais espaço: se antes tinha uma antena, agora vai ter cinco, sete, oito antenas para poder cobrir a mesma área. Então é necessário um investimento do ponto de vista do provedor, porque ele vai ter que construir mais antenas”, detalha Batista.
Outro aspecto das redes 5G que vem sendo aclamado é a economia de energia, tanto para o usuário quanto para as operadoras. Como serão muitos os dispositivos conectados, é essencial que haja eficiência energética. Do lado das empresas, as promessas variam muito, de baterias de celulares que durariam um dia inteiro até o utópico objetivo de durarem por um mês - na conferência Think 2018, da IBM, o CEO da operadora Verizon, Lowell McAdam, lançou essa aposta ousada, apontando que o que suga a bateria dos smartphones seria a latência da rede, que será notavelmente melhor no 5G.
Do lado das operadoras, o dinamismo da rede é o que possibilitará essa redução no consumo de energia. “Você consegue gerenciar essas antenas e faixas de frequência de um modo que sejam mais diretamente proporcionais ao uso que você está tendo da rede”, aponta o pesquisador do IME-USP. Em caso de eventos com grande concentração de pessoas usando a rede, um show ou mesmo um congestionamento em dias chuvosos, por exemplo, seria possível fazer com que a capacidade da rede seja concentrada em antenas que estão cobrindo aquele grande evento. “Mas, logo que o evento termina, você consegue ‘desligar’ de forma inteligente diversos dispositivos e recursos que estavam sendo usados”.
Corrida comercial
Não chega a ser surpreendente que tamanha mudança de paradigma em termos de telecomunicações esteja motivando uma corrida para ver quem irá implementar o 5G de forma generalizada primeiro. Empresas de países como Japão, Suécia e Coréia do Sul estão na competição, junto dos Estados Unidos, com a Qualcomm, e da China, com a Huawei.
“Acho que todas elas estão mais ou menos em pé de igualdade”, afirma o diretor de Estratégia da GSMA na América Latina, Fabio Moraes. A GSMA representa os interesses de quase 800 operadoras de telefonia e 300 companhias desenvolvedoras de tecnologia no mundo todo. “O 5G está sendo visto como uma tecnologia disruptiva e é por isso que os países buscam estar na ponta, para estar à frente da revolução”.
“De um modo geral, empresas da Coreia do Sul e da China têm chamado atenção nos últimos anos com relação a equipamentos de telecomunicações. Muitas dessas empresas começaram a competir fortemente num mercado que era dominado pelos EUA. E as características das redes 5G e dos equipamentos que vêm sendo produzidos nos últimos anos permitem muito isso porque começam a exigir recursos que são mais simples”, explica o professor da USP.
“A chinesa Huawei assumiu a liderança no desenvolvimento do 5G. Ela fez contribuições substanciais para o processo de desenvolvimento de padrões e tem estado entre as primeiras a fazer testes substanciais”, diz o professor de Engenharia das Telecomunicações Philip Branch, da Universidade de Tecnologia de Swinburne, na Austrália, em um artigo publicado. Vale notar, ainda, que o próprio mercado interno chinês, com 1,3 bilhão de habitantes, é enorme. “É esperado que a China seja o maior mercado global para o 5G, com algumas previsões de mais de 400 milhões de conexões até 2025”, escreve o cientista.
A aposta pessoal de Agostinho Linhares, gerente da Anatel, é de que tanto a companhia chinesa quanto a americana se destaquem como líderes do 5G. “A Huawei produz o equipamento todo. A Qualcomm produz processadores e uma série de coisas que outras empresas vão agregar no sistema”, opina. Assim, provavelmente teríamos celulares 5G da Huawei, mas os processadores da Qualcomm estariam dentro dos aparelhos de outras marcas, como as gigantes Apple ou Samsung.
O Brasil não deve esperar muito pela chegada do 5G a partir do momento que a tecnologia comece a ser implementada no restante do mundo, acredita Linhares. A Anatel já anunciou que o leilão da primeira faixa de 5G, de 3,5 GHz, acontecerá em março de 2020. “Realizado o leilão, a gente teria um arcabouço regulatório e as devidas autorizações de frequências para essas primeiras implementações”, explica, acrescentando que todos os pormenores serão decididos pelo conselho diretor da agência.