No dia 28 de agosto, o Núcleo de Estudos Avançados do IOC/Fiocruz realizou o webinário Diáspora científica: caminhos para a repatriação e retenção de cérebros, cujo tema principal foi o recente programa para repatriação de pesquisadores elaborado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em abril, o CNPq anunciou o Conhecimento Brasil, com investimento total de R$ 822,4 milhões, que oferece bolsas de R$ 10 mil a R$ 13 mil, por até 5 anos, para que pesquisadores brasileiros no exterior retornem ao país.
A proposta gerou polêmica por duas razões. Primeiro, os valores das bolsas são maiores até do que os salários de professores adjuntos e associados de universidades, e são muito superiores às bolsas federais nos mesmos níveis. Outro ponto é que os pesquisadores que voltam não tem garantias de emprego após a vigência das bolsas, e podem acabar simplesmente retornando para o exterior.
Para o físico Luiz Davidovich, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a proposta visa atacar um problema cuja resolução não será possível através de medidas pontuais. Ele argumenta que o valor, ao mesmo tempo que gera um sentimento de desvalorização nos pesquisadores que ficaram no Brasil, não consegue competir com os salários de pesquisadores consolidados lá fora, atraindo sobretudo jovens que ainda não se estabeleceram.
Para Davidovich, o país deveria se inspirar no programa de apoio à jovens pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que oferece valores semelhantes para seus talentos, incluindo contribuição previdenciária e direito à licença maternidade/paternidade. “É tentador querer resolver o problema da diáspora com um programa, mas esse é um problema estrutural de baixos recursos para a ciência brasileira que precisa ser enfrentado”, avaliou.
O Acadêmico também citou os programas de apoio a formação de redes com pesquisadores no exterior, do CNPq, e de atração e fixação de talentos em empresas, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), como estratégias mais efetivas para lidar com o problema. O primeiro oferece R$ 230 milhões para que 380 projetos com dois anos de duração se estabeleçam com a participação de pesquisadores no exterior, incluindo recursos para visitas técnicas. Já o segundo oferece R$ 500 milhões para incentivar que grandes e médias empresas do país contratem pesquisadores brasileiros atualmente trabalhando no exterior.
A também Acadêmica Mercedes Bustamante, ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), lembrou que a fuga de cérebros é uma questão de competição com os grandes centros produtores de ciência e que, mais interessante do que atrair com bolsas, seria estimular a formação de redes para que a diáspora brasileira contribua e sinta-se representando a comunidade brasileira.
Para isso, ela defende que é preciso fazer um mapeamento dos pesquisadores que estão fora do Brasil e também internacionalizar mais o nosso sistema, atraindo estrangeiros sobretudo da América Latina. Outro ponto crucial é fortalecer a pós-graduação, que vem perdendo bolsas e alunos nos últimos anos. “Até 2019 não chegávamos a ter 18 mil pós-doutorandos, é muito pouco para o Brasil. Essa etapa não resolve o problema da fuga de cérebros, mas é uma transição importante”, avaliou.
Para a professora Ana Lúcia Gazzola, ex-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o programa trata do sintoma sem atacar a causa. “Se a bolsa é maior que o salário dos professores é evidente que continuamos fomentando a diáspora. Enquanto não houver ações integradas, projetos específicos não trarão transformação”, sumarizou.
Assista ao debate na íntegra:
(Marcos Torres para ABC, 06/09/2024)