Terapias aprendidas pelas equipes de saúde para tratamento da Covid-19 vão de novas drogas a técnicas centenárias
Com o avançar da doença, profissionais de saúde têm descoberto como lidar melhor com a Covid-19. Mesmo que a vacina contra o Sars-CoV-2 não venha tão cedo, equipes médicas têm tido um melhor índice de salvamento dos pacientes infectados com o novo coronavírus por dois motivos.
Primeiro, o percentual de pessoas que pode contrair a doença se torna progressivamente menor à medida que a enfermidade avança e, mesmo que a reinfecção seja uma realidade, os sintomas apresentados pelos pacientes que contraem o vírus uma segunda vez são mais brandos.
Em segundo lugar, as terapias e tratamentos para doentes da Covid-19 estão mais apropriados, afirmam médicos. São diversas as armas de que infectologistas dispõem para tratar os sintomas em seu arsenal: plasma convalescente, anti-inflamatórios, anticoagulantes, técnicas não invasivas para a ventilação de pacientes entubados e até mesmo o uso de toxinas está em estudo na recuperação destes pacientes.
Enquanto a descoberta de novas drogas é dispendiosa de tempo e recursos, velhos medicamentos já aprovados para outras doenças podem ser reconvertidos para tratamento de uma nova mazela com relativa facilidade. Por isso, a maior parte das pesquisas se dá no sentido de verificar a eficácia de drogas para tratar os sintomas da Covid-19.
São medicamentos como a colchicina e dexametasona, anteriormente utilizados para tratar a doença da gota e inflamações oftalmológicas – entre outras – que passaram a integrar o protocolo de hospitais ao redor de todo o mundo.
Corticoide dexametasona, anteriormente utilizado para tratar outras doenças, passou a integrar o protocolo de hospitais | Foto: Ascom
A ativação descontrolada do sistema imunológico é responsável pela resposta inflamatória exacerbada à infecção causada pelo SARS-CoV-2. Incapaz de impedir a infecção das células pelo vírus, o organismo produz monócitos e neutrófilos que se infiltram nos infectados. Esse quadro leva a danos inflamatórios persistentes das paredes dos vasos que circundam múltiplos órgãos vitais, à lesão microvascular disseminada e à trombose, o que culmina na falência de múltiplos órgãos.
Ainda em junho deste ano, cientistas da Universidade de Oxford encontraram a primeira droga que, comprovadamente, reduz a incidência de mortes pela Covid-19. O corticoide dexametasona tem efeito anti-inflamatório, já era largamente utilizado e é de baixo custo. Hoje, a droga integra o protocolo de grande parte dos hospitais do País.
O estudo de Oxford mostrou os resultados para 2.104 pacientes selecionados aleatoriamente, que foram medicados com a dexametasona, por via oral ou intravenosa. Eles foram comparados a 4.321 pacientes tratados convencionalmente.
Os números mostram que a redução de mortes foi de 35% para pacientes que precisavam de tratamento com respiradores e 20% para os que necessitaram de suporte de oxigênio. Houve registro de que a droga pode ser eficiente em casos menos severos, com apenas 13%.
Conforme reportou Elton Alisson, da Agência Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), novos anti-inflamatórios são testados com o mesmo propósito. Dois estudos clínicos independentes – um conduzido por pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC), em Ribeirão Preto, com o anticorpo monoclonal eculizumabe e outro por cientistas da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos) com uma droga experimental chamada AMY-101 – observaram um efeito anti-inflamatório capaz de acelerar a recuperação de pacientes com Covid-19 em estado grave.
Os dois medicamentos foram administrados separadamente. O anticorpo monoclonal, que já é usado no tratamento de doenças hematológicas, foi testado em pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).
Já o candidato a fármaco desenvolvido pela farmacêutica norte-americana Amynda foi administrado a pacientes de um hospital em Milão, na Itália. Ambos apresentaram resultados promissores. Mas como a molécula AMY-101 é mais barata e teve um desempenho ainda melhor no teste clínico, os dois grupos de pesquisa consideram testá-la em uma quantidade maior de pacientes no Brasil.
Covid-19: Fiocruz amplia capacidade nacional de testagem | Foto: Peter Ilicciev/Fiocruz
A colchicina é uma toxina altamente venenosa, originalmente extraída das plantas Colchicum autumnale. Apesar de ser um alcaloide tóxico, seu uso é feito há décadas para tratar crises de gota e investiga-se seu potencial anticancerígeno. Um estudo clínico do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da USP, realizado no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), revelou que a droga é capaz de combater a infecção pulmonar e diminuir o tempo de hospitalização de pacientes com as formas moderada e grave de Covid-19.
Os resultados do estudo foram apresentados em agosto na plataforma MedxRiv, que disponibiliza artigos ainda não revisado por outros cientistas. A pesquisa foi conduzida com 35 pacientes internados no HC que necessitavam de oxigenação suplementar. Divididos em dois grupos em um estudo duplo-cego (em que os médicos e os pacientes não sabem a que grupo cada voluntário pertence), 18 foram tratados com um placebo e 17 com a colchicina.
“No grupo da colchicina, boa parte dos pacientes teve alta após seis dias de internação, contra oito dias no grupo placebo”, explica ao Jornal da USP Renê de Oliveira, pesquisador associado do CRID e coordenador da pesquisa. “Além disso, os voluntários tratados com a droga em teste necessitaram de apenas três dia de oxigenoterapia, contra até dez dias no grupo placebo.”
Mireille Guimarães afirma que os estudos envolvendo plasma convalescente são promissores | Foto: Reprodução/Ingoh
A transfusão do sangue dos curados para os doentes é uma técnica conhecida desde a pandemia de gripe espanhola. Mireille Guimarães, hematologista do Ingoh, afirmou que são promissores os estudos referentes à doação de plasma convalescente para doentes graves da Covid-19.
“O primeiro estudo do gênero é chinês, foi feito com cinco pacientes e revelou que todos os receptores deixaram de registrar o vírus em exames de RT-PCR após 30 dias da transfusão. O maior estudo, feito pela Mayo Clinic e FDA, teve 5 mil voluntários e registrou menos de 0,5% de complicações em decorrência do tratamento, o que indica que é seguro. Em outro, realizado com 40 voluntários em um hospital de Nova York, se registrou 12% de óbitos no grupo tratado com plasma convalescente, enquanto no grupo não tratado o número de mortes chegou a 24%. Tudo isso é preliminar, mas é promissor.”
Com base neste estudo preliminar, a Food and Drugs Administration (FDA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberaram o tratamento associado a protocolos de pesquisa. Isto é, desde que se realize o procedimento com a metodologia e que se publique os resultados, pode-se tratar pacientes com o plasma convalescente. Não é necessário autorização prévia da Anvisa, apenas que se siga políticas de segurança e de pesquisa.
O Médico Marcelo Rabahi, coordenador de pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), Organização Social (OS) que gere o Hemocentro, conduz estudo pioneiro para assegurar a eficiência do tratamento por plasma convalescente. O estudo é feito com 140 indivíduos: metade recebe transfusões e a outra metade não.
“Comparamos diversos critérios para avaliar se houve melhora do quadro clínico e em quais áreas. Só assim se pode saber se um tratamento novo traz benefícios”, afirmou Marcelo Rabahi. “Existem estudos de segurança. Sabemos que o tratamento é seguro. Agora, com estudos comparados placebos e randomizados, poderemos saber o índice de eficiência da terapia.”
O médico, vereador de Jaraguá e escritor Breno Leite foi de tratador a paciente da Covid-19 em setembro deste ano. O profissional, que foi internado no hospital Hospital Anis Rassi, em Goiânia, revela que utilizou de todos os tratamentos citados. Além disso, Breno Leite atribui sua rápida melhora aos três dias em que passou na UTI com ventilação não-invasiva. Isto é, respiração artificial, que não utiliza a tradicional cânula orotraqueal.
Breno Leite: fez um trabalho abnegado no apoio às vítimas da Covid-19 | Foto: Reprodução
“Muitos dos óbitos decorrem não da Covid-19, mas a infecções secundárias devidas ao acúmulo de pus e bactéria da cânula invasiva. A ventilação não-invasiva requer um fisioterapeuta o tempo todo ao lado, é mais cara e salva muitas vidas. Não é mais utilizada porque lança vírus no ambiente.”
O médico explica que o tratamento “só pôde ser utilizado porque grande parte da equipe do hospital em que fiquei internado já se contaminou e está imunizada”. A técnica não-invasiva utiliza uma cânula nasal de alto fluxo no tratamento da insuficiência respiratória aguda.