O desenvolvimento da vacina da dengue do Instituto Butantan vem sendo observado com grande interesse. A investigação clínica dessa vacina, originalmente desenvolvida pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) e Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos como formulação TV003, está sendo feita no Brasil pelo Instituto Butantan, e ela deverá ser fabricada por aquela instituição depois de aprovada. Referida na literatura como Butantan-DV, acredita-se que vá ser a terceira vacina da dengue a ser comercializada mundialmente, depois da CYD-TDV (Dengvaxia, da Sanofi Pasteur) e da TAK-003 (Qdenga, da Takeda), aprovadas pela primeira vez, respectivamente, em 2015 e 2022. No Brasil, apenas a Qdenga, aqui registrada pela Anvisa em 2023, faz parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
A Butantan-DV é uma vacina tetravalente dos sorotipos DENV-1, DENV-3 e DENV-4, vivos, atenuados, mais uma quimera DENV-2-DENV-4, sendo que esta contém dois genes estruturais de DENV-2 no mesmo componente DENV-4. Em um ensaio clínico de fase 3 conduzido no Brasil em 16 centros distribuídos por todo o país, indivíduos sãos de 2 a 59 anos de idade receberam uma dose da Butantan-DV (10 259 participantes) ou placebo (5976 participantes) por via subcutânea entre fevereiro de 2016 e julho de 2019, e vêm sendo acompanhados desde então. Neste ano, em fevereiro e agosto, foram publicados os resultados do acompanhamento de, respectivamente, 2 anos e 3,7 anos (até julho de 2021) desse estudo, com estimativas de eficácia e segurança da vacina [1, 2].
Um comentário sobre os resultados de 3,7 anos de seguimento desse estudo, publicado na revista Lancet Infectious Diseases faz um balanço sobre os resultados até agora disponíveis, e fornece informações de interesse que podem ser úteis para subsidiar a futura aprovação dessa vacina pelas autoridades reguladoras, como a Anvisa [3].
O fato de a Butantan-DV exigir apenas uma dose para imunizar uma pessoa, enquanto a Qdenga requer duas, e a Dengvaxia, três, é uma vantagem importante dessa vacina do ponto de vista programático. A estimativa de eficácia contra qualquer tipo de dengue confirmado virologicamente no acompanhamento (médio) de 3,7 anos [67,3%; intervalo de confiança (IC) de 95% entre 59,4 e 73,9)] foi um pouco menor do que a constatada no acompanhamento de 2 anos (79,6%; IC95% entre 70,0 e 86,3%). Não obstante, a eficácia contra formas graves de dengue foi estimada em 89,0% (IC95% entre 62,5 e 97,3), o que os autores consideram encorajador.
Essas estimativas se baseiam em casos de DENV-1 e DENV-2 apenas, pois não houve circulação de DENV-3 e DENV-4 no Brasil nesse período. Os autores do comentário lamentam que, até o período analisado, não tenha sido possível se estimar a eficácia contra esses dois sorotipos, o que pode ser um entrave para a futura aprovação da Butantan-DV. Uma informação de interesse fornecida por eles é a existência de ensaios clínicos com as formulações TV003 e TV005, segundo eles quase idênticas à Butantan-DV, que estão em andamento em Bangladesh e outros países, e que talvez possam suprir a informação até agora inexistente sobre a eficácia da vacina contra esses dois sorotipos.
O comentário também faz referência a um estudo de desafio, em que voluntários imunizados com uma vacina TV005 desenvolvida pelos NIH não apresentaram viremia quando infectados com DENV-3, enquanto 85% dos participantes do grupo controle (não imunizado), que recebeu placebo, apresentaram viremia, e todos desenvolveram erupção cutânea [4].
Resta ver se as autoridades reguladoras considerarão aceitáveis os resultados obtidos nesses estudos com essas outras vacinas como evidência para a aprovação da Butantan-DV, caso o estudo conduzido no Brasil, quando concluído, não permita estimar a sua eficácia contra os sorotipos DENV-3 e DENV-4.
À exceção de erupção cutânea leve, observada nos ensaios clínicos em cerca de 23% de quem recebeu a vacina, esta tem se mostrado bastante segura. Até agora não foram observadas formas graves de dengue nos vacinados previamente soronegativos, o que é uma preocupação, pois isso ocorreu no caso da Dengvaxia e se tornou, na prática, um fator limitante para o seu uso. Os autores acharam alvissareiros os achados de segurança até agora, mas consideram prudente que se aguarde os dados de seguimento de 5 anos do estudo.
Interessante notar que eles, pelos motivos acima, não esperam a aprovação da Butantan-DV para logo, como no próximo ano, como se especula no Brasil.
Referências
[1] Kallas EG, Cintra MAT, Moreira JA, et al. Live, attenuated, tetravalent Butantan-dengue vaccine in children and adults. N Engl J Med 2024;390(5):397-408. DOI: https://doi.org/10.1056/NEJMoa2301790.
[2] Nogueira ML, Cintra MAT, Moreira JA, et al. Efficacy and safety of Butantan-DV in participants aged 2–59 years through an extended follow-up: results from a double-blind, randomised, placebo-controlled, phase 3, multicentre trial in Brazil. Lancet Infect Dis 2024. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(24)00376-1. (Publicado online em 5 de agosto de 2024).
[3] Wilder-Smith AB, Freedman DO, Wilder-Smith A. Edging towards a third dengue vaccine. Lancet Infect Dis 2024. DOI: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(24)00434-1. (Publicado online em 5 de agosto de 2024).
[4] Pierce KK, Durbin AP, Walsh MR, et al. TV005 dengue vaccine protects against dengue serotypes 2 and 3 in two controlled human infection studies. J Clin Invest 2024; 134(3):e173328. DOI: https://doi.org/10.1172/JCI173328.
Sérgio de Andrade Nishioka
Médico infectologista e Doutor em Epidemiologia
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