Dias depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia pelo coronavírus, em março de 2020, um estudo com pacientes na Itália já relatava a perda do olfato e do paladar como um dos sintomas de covid-19. Em abril do mesmo ano, foi publicado o primeiro estudo sobre o impacto neurológico da doença, com centenas de pessoas. Desde então, investigações sobre as consequências da covid-19 no cérebro têm sido realizadas, abordando desde os efeitos observados na fase aguda até as possíveis sequelas neurológicas — relatadas por cerca de 30% dos pacientes que se recuperaram.
“A covid-19 foi inicialmente descrita como uma infecção viral do trato respiratório, mas rapidamente fomos aprendendo que o cérebro é um dos vários órgãos afetados. Mas alguns aspectos da doença ainda permanecem obscuros. O impacto no cérebro não está completamente entendido. É muito importante estimular a troca de conhecimento e de experiências entre pesquisadores de todo o mundo”, disse Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, na abertura do seminário on-line “What does COVID-19 have to do with the brain?” (“O que a covid-19 tem a ver com o cérebro?”, em tradução livre).
Caminho Um dos estudos apresentados no seminário, conduzido na Charité Medicine University Berlin (Alemanha), demonstrou que o novo coronavírus utiliza a mucosa olfatória como porta de entrada para o cérebro. “Isso se dá devido à proximidade anatômica entre as células da mucosa, os vasos sanguíneos e as células nervosas na área. Uma vez instalado na mucosa olfatória, o vírus parece usar conexões neuroanatômicas, como o nervo olfatório, para chegar até o cérebro”, afirmou Helena Radbruch, que analisou amostras da mucosa olfatória e de outras quatro regiões do cérebro de 33 pacientes que tiveram a forma grave da doença e morreram.
A equipe de Radbruch acompanhou outros 180 pacientes desde a fase aguda da doença até meses após a recuperação. “A boa notícia, sobretudo para quem teve covid-19, é que o vírus não permanece por muito tempo no cérebro. Verificamos que somente em alguns pacientes o SARS-CoV-2 atinge esse órgão e, três semanas após a fase aguda, ele já não está mais lá”, contou. No Brasil, pesquisadores do Instituto D’Or e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conduziram uma série de experimentos e concluíram que, além da mucosa olfatória, existem diferentes formas de o vírus atingir o cérebro. Uma delas se daria conforme a doença vai progredindo para diferentes órgãos e a inflamação sistêmica a torna ainda mais grave, o que facilitaria a entrada do vírus no cérebro.