São Paulo, (AE) - José Tadeu Jorge é um engenheiro típico. Suas palavras prediletas derivam do verbo planejar. Na semana passada, em seu primeiro dia como reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concedeu entrevista ao jornal "O Estado" e usou boa parte dela para criticar o projeto de reforma universitária do governo federal. "Planejamento é a coisa mais importante quando se pensa em algo chamado reforma. E como reformar a sua casa. A primeira coisa que você faz é imaginar como vai ficar depois de pronta. Duvido que alguém consiga me descrever como é que vai ficar a universidade brasileira depois que esse projeto for implantado."
Já de seus planos ele sabe bem. Está terminando de elaborar o projeto de criação de um novo campus em Limeira, quer aumentar o número de patentes licenciadas da universidade e ampliar programas de formação de professores do ensino básico.
Aos 52 anos, Jorge foi escolhido reitor com 82,59% dos votos, uma quase unanimidade nunca vista na história da Unicamp. Mas transfere os méritos ao seu antecessor Carlos Henrique de Brito Cruz, de quem era vice, que conseguiu dar voz a todos os segmentos da universidade: professores, funcionários e alunos. Brito deixou o cargo antes da hora para assumir a diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Eis os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a idéia do novo campus em Limeira?
A Unicamp tem um terreno de 500 mil metros quadrados em Limeira. Havia a demanda para ampliação de vagas, olhamos para aquela área e levamos a idéia ao Conselho Universitário'. Um grupo de trabalho, presidido por mim, passou a montar o projeto. O projeto deve ser finalizado em dois meses. São 12 cursos, com possibilidade de ser 16. Não deveríamos duplicar os cursos que já existem em Campinas, mas resolvemos usar outro enfoque como um curso de Enfermagem com modalidades em UTI, centro cirúrgico, administração hospitalar, geriatria. Os outros 12 seriam: Ciências do Ambiente, Ciências do Esporte, Licenciatura em Ciências, Administração, Engenharia de Produção, Biologia Computacional, Educação Artística, Produção Cultural, Turismo Rural, Design, Patrimônio e Restauro, Publicidade e Propaganda. A idéia é que haja mil vagas, 250 por ano. Queremos entregar o projeto para o governa dor até o meio do ano, esperando que a construção física possa ser no começo de 2006.
Essa é uma idéia que surgiu durante a gestão Brito.
A sua gestão será apenas uma continuidade da dele?
Eu sempre disse que a gestão proposta era de consolidação do que o professor Brito conseguiu começar. Um exemplo é o museu de ciências, que a gente pretende fazer de forma interativa. Queremos colocá-lo na cidade, não na Unicamp, porque é importante aumentar a presença da universidade em Campi nas. Seria no Taquaral, que é um cartão-postal da cidade. Mas também terá exposições itinerantes. Fizemos já um evento com nanotecnologia, que pode ser um exemplo, com estrutura desmontáveis. Havia games de nanotecnologia que mostravam como você pode aprender os conceitos. Outro avanço é no Projeto Teia do Saber, que atualiza e qualifica professores do ensino médio e fundamental do Estado. Em 2004, atingimos 2.500 professores; neste ano, queremos 7.500. É preciso atingir agora áreas como Filosofia, História da África, qualificar diretores das escolas, professores de aldeias indígenas. Há ainda o licenciamento de patentes. A Agência de Inovação, criada na gestão Brito, conseguiu licenciar 26 patentes. Ter patente é só um mérito acadêmico, não produz muita coisa para a sociedade. Licenciar sim, você pega esse conhecimento que a universidade gerou e transforma num produto a serviço da população. A Unicamp está em segundo lugar no número de patentes registradas, só perde para a Petrobrás, com 320 patentes. O que precisamos é de divulgação mais agressiva, de fazer com que quem se interessa pelos assuntos patenteados da Unicamp saiba que isso existe.
Por que a Unicamp não participa do Enade (avaliação do ensino superior do MEC, que substituiu o Provão)?
Entre outras razões, a universidade achou que ele agredia o princípio de autonomia universitária, porque introduzia um elemento pedagógico novo, registrava isso no histórico do estudante. Então, com a USP, não aderimos.
Mas a Unicamp participava do Provão?
A Unicamp aderiu ao Provão, mas não me arriscaria a dizer que concordava com ele. Aderiu porque achou que era um instrumento de medida que poderia ajudar na sua avaliação. Mas sempre foi um negócio muito questionado.O então ministro Paulo Renato Souza, ex-reitor da Unicamp, ficaria muito decepcionado se a universidade não participasse. Ele ficaria decepcionado por ser uma universidade que ele dirigiu. Mas o fato de participar do Provão não tem como fator decisivo o professor Paulo Renato ser o ministro. No caso do Enade, o prazo para que a universidade decidisse se participava foi de algumas semanas. Tomar uma decisão dessa num tempo curto é um bom caminho para que a Unicamp não goste do que está sendo proposto.
Então existe a possibilidade de voltar atrás na decisão?
Existe, porque a decisão foi de não-adesão no ano passado. Mas eu acredito que não vá ser fácil porque tem um agente complicador chamado reforma universitária. O argumento da Unicamp para não aderir foi justamente que ele feria a autonomia. E a proposta da reforma universitária está vista pela comunidade como, de novo, uma agressão à autonomia.
Por quê?
Primeiro, porque tenta definir a autonomia. A autonomia está no artigo 207 da Constituição, que não pede regulamentação. Algo que não precisa de regulamentação e você se propõe a regulamentar, só pode ser para diminuir. As estaduais paulistas têm autonomia financeira vinculada ao ICMS, decisão que o governo estadual acordou com as universidades e foi respeitado nesses 16 anos. Esse recurso é utilizado em respeito à Constituição, nunca o governo falou você faz isso ou aquilo com o dinheiro. Não quero ser pretensioso, mas a única experiência de autonomia de verdade que existe no Brasil está nas estaduais paulistas. E a Unicamp nunca foi consultada pelo ministério. Outra questão é a definição de universidade que está no projeto de reforma: são 12 cursos de graduação, no mínimo, em quatro áreas do saber, todos bem avaliados pelo MEC. Que leitura fazemos disso? Bem avaliadas pelo MEC significa Enade. Hoje, a Unicamp e a USP, as duas melhores universidades do País, não teriam direito de ser universidades. Mais ainda: para ser universidade, precisa ter pesquisa. Isso não está na proposta. A Unicamp acha que ela tem a qualidade que tem porque faz da geração do conhecimento um elemento importante e qualificador da formação dos alunos. Outro aspecto é o conselho social. Isso é um erro. A universidade é um lugar de todo o conhecimento, não do conhecimento prioritário para algum grupo, alguma ideologia. Ninguém melhor que a universidade para analisar no que ela pode se envolver e onde não deve, porque não está preparada.
A reforma deixa de lado a qualidade do ensino?
De certa forma, sim. Mas a questão essencial é de conceito. E muito claro que nossa maior deficiência esta no ensino fundamental. Se temos um projeto de qualificação do ensino, tem de começar por ele. Não dá pra você consertar alguma coisa a partir do terceiro andar. Então, o caminho mais natural é um grande projeto e forte investimento no ensino fundamental. Em paralelo a isso, ensino médio e ensino técnico. Depois vem a universidade. O governo federal fala em um grande projeto de inclusão. Mas, se o ensino médio e fundamental continuam ruins, não vai adiantar a inclusão no superior. Falta planejamento. Falta um sistema que se debruce sobre um diagnóstico, tente identificar as necessidades e indique ações que resolvam o problema. Planejamento é a coisa mais importante quando se pensa em fazer algo chamado reforma. E como reformar a sua casa. A primeira coisa que você faz é imaginar como vai ficar depois de pronto. Duvido que alguém consiga me descrever como é que vai ficar a universidade brasileira depois que esse projeto for implantado.
Já de seus planos ele sabe bem. Está terminando de elaborar o projeto de criação de um novo campus em Limeira, quer aumentar o número de patentes licenciadas da universidade e ampliar programas de formação de professores do ensino básico.
Aos 52 anos, Jorge foi escolhido reitor com 82,59% dos votos, uma quase unanimidade nunca vista na história da Unicamp. Mas transfere os méritos ao seu antecessor Carlos Henrique de Brito Cruz, de quem era vice, que conseguiu dar voz a todos os segmentos da universidade: professores, funcionários e alunos. Brito deixou o cargo antes da hora para assumir a diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Eis os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a idéia do novo campus em Limeira?
A Unicamp tem um terreno de 500 mil metros quadrados em Limeira. Havia a demanda para ampliação de vagas, olhamos para aquela área e levamos a idéia ao Conselho Universitário'. Um grupo de trabalho, presidido por mim, passou a montar o projeto. O projeto deve ser finalizado em dois meses. São 12 cursos, com possibilidade de ser 16. Não deveríamos duplicar os cursos que já existem em Campinas, mas resolvemos usar outro enfoque como um curso de Enfermagem com modalidades em UTI, centro cirúrgico, administração hospitalar, geriatria. Os outros 12 seriam: Ciências do Ambiente, Ciências do Esporte, Licenciatura em Ciências, Administração, Engenharia de Produção, Biologia Computacional, Educação Artística, Produção Cultural, Turismo Rural, Design, Patrimônio e Restauro, Publicidade e Propaganda. A idéia é que haja mil vagas, 250 por ano. Queremos entregar o projeto para o governa dor até o meio do ano, esperando que a construção física possa ser no começo de 2006.
Essa é uma idéia que surgiu durante a gestão Brito.
A sua gestão será apenas uma continuidade da dele?
Eu sempre disse que a gestão proposta era de consolidação do que o professor Brito conseguiu começar. Um exemplo é o museu de ciências, que a gente pretende fazer de forma interativa. Queremos colocá-lo na cidade, não na Unicamp, porque é importante aumentar a presença da universidade em Campi nas. Seria no Taquaral, que é um cartão-postal da cidade. Mas também terá exposições itinerantes. Fizemos já um evento com nanotecnologia, que pode ser um exemplo, com estrutura desmontáveis. Havia games de nanotecnologia que mostravam como você pode aprender os conceitos. Outro avanço é no Projeto Teia do Saber, que atualiza e qualifica professores do ensino médio e fundamental do Estado. Em 2004, atingimos 2.500 professores; neste ano, queremos 7.500. É preciso atingir agora áreas como Filosofia, História da África, qualificar diretores das escolas, professores de aldeias indígenas. Há ainda o licenciamento de patentes. A Agência de Inovação, criada na gestão Brito, conseguiu licenciar 26 patentes. Ter patente é só um mérito acadêmico, não produz muita coisa para a sociedade. Licenciar sim, você pega esse conhecimento que a universidade gerou e transforma num produto a serviço da população. A Unicamp está em segundo lugar no número de patentes registradas, só perde para a Petrobrás, com 320 patentes. O que precisamos é de divulgação mais agressiva, de fazer com que quem se interessa pelos assuntos patenteados da Unicamp saiba que isso existe.
Por que a Unicamp não participa do Enade (avaliação do ensino superior do MEC, que substituiu o Provão)?
Entre outras razões, a universidade achou que ele agredia o princípio de autonomia universitária, porque introduzia um elemento pedagógico novo, registrava isso no histórico do estudante. Então, com a USP, não aderimos.
Mas a Unicamp participava do Provão?
A Unicamp aderiu ao Provão, mas não me arriscaria a dizer que concordava com ele. Aderiu porque achou que era um instrumento de medida que poderia ajudar na sua avaliação. Mas sempre foi um negócio muito questionado.O então ministro Paulo Renato Souza, ex-reitor da Unicamp, ficaria muito decepcionado se a universidade não participasse. Ele ficaria decepcionado por ser uma universidade que ele dirigiu. Mas o fato de participar do Provão não tem como fator decisivo o professor Paulo Renato ser o ministro. No caso do Enade, o prazo para que a universidade decidisse se participava foi de algumas semanas. Tomar uma decisão dessa num tempo curto é um bom caminho para que a Unicamp não goste do que está sendo proposto.
Então existe a possibilidade de voltar atrás na decisão?
Existe, porque a decisão foi de não-adesão no ano passado. Mas eu acredito que não vá ser fácil porque tem um agente complicador chamado reforma universitária. O argumento da Unicamp para não aderir foi justamente que ele feria a autonomia. E a proposta da reforma universitária está vista pela comunidade como, de novo, uma agressão à autonomia.
Por quê?
Primeiro, porque tenta definir a autonomia. A autonomia está no artigo 207 da Constituição, que não pede regulamentação. Algo que não precisa de regulamentação e você se propõe a regulamentar, só pode ser para diminuir. As estaduais paulistas têm autonomia financeira vinculada ao ICMS, decisão que o governo estadual acordou com as universidades e foi respeitado nesses 16 anos. Esse recurso é utilizado em respeito à Constituição, nunca o governo falou você faz isso ou aquilo com o dinheiro. Não quero ser pretensioso, mas a única experiência de autonomia de verdade que existe no Brasil está nas estaduais paulistas. E a Unicamp nunca foi consultada pelo ministério. Outra questão é a definição de universidade que está no projeto de reforma: são 12 cursos de graduação, no mínimo, em quatro áreas do saber, todos bem avaliados pelo MEC. Que leitura fazemos disso? Bem avaliadas pelo MEC significa Enade. Hoje, a Unicamp e a USP, as duas melhores universidades do País, não teriam direito de ser universidades. Mais ainda: para ser universidade, precisa ter pesquisa. Isso não está na proposta. A Unicamp acha que ela tem a qualidade que tem porque faz da geração do conhecimento um elemento importante e qualificador da formação dos alunos. Outro aspecto é o conselho social. Isso é um erro. A universidade é um lugar de todo o conhecimento, não do conhecimento prioritário para algum grupo, alguma ideologia. Ninguém melhor que a universidade para analisar no que ela pode se envolver e onde não deve, porque não está preparada.
A reforma deixa de lado a qualidade do ensino?
De certa forma, sim. Mas a questão essencial é de conceito. E muito claro que nossa maior deficiência esta no ensino fundamental. Se temos um projeto de qualificação do ensino, tem de começar por ele. Não dá pra você consertar alguma coisa a partir do terceiro andar. Então, o caminho mais natural é um grande projeto e forte investimento no ensino fundamental. Em paralelo a isso, ensino médio e ensino técnico. Depois vem a universidade. O governo federal fala em um grande projeto de inclusão. Mas, se o ensino médio e fundamental continuam ruins, não vai adiantar a inclusão no superior. Falta planejamento. Falta um sistema que se debruce sobre um diagnóstico, tente identificar as necessidades e indique ações que resolvam o problema. Planejamento é a coisa mais importante quando se pensa em fazer algo chamado reforma. E como reformar a sua casa. A primeira coisa que você faz é imaginar como vai ficar depois de pronto. Duvido que alguém consiga me descrever como é que vai ficar a universidade brasileira depois que esse projeto for implantado.