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Correio Popular (Campinas, SP)

Novo exame revela risco de recaída da leucemia (1 notícias)

Publicado em 13 de abril de 2008

Por Delma Medeiros, da Agência Anhangüera

Um novo protocolo nacional para o tratamento da leucemia linfóide aguda permite identificar com mais precisão os pacientes com alto risco de recaída da doença e melhorar os métodos de tratamento. A tecnologia, já utilizada em grandes centros norte-americanos e europeus, foi desenvolvida por uma equipe multidisciplinar coordenada pelo pesquisador do Centro Infantil Boldrini, José Andres Yunes, e incorpora novas técnicas de biologia molecular para o estudo da chamada doença residual mínima. "Os estudos mostram a importância de aumentar a sensibilização dos exames para diagnósticos mais precisos, com a detecção de quantidades mínimas de células leucêmicas", explica a presidente do Centro Infantil Boldrini e coordenadora do Grupo Brasileiro de Tratamento de Leucemia Linfóide Aguda (GBTLI), Sílvia Brandalise.

Segundo a médica, o número de casos de câncer infantil varia entre 10 e 15 a cada grupo de 100 mil crianças e adolescentes abaixo dos 15 anos. Desses, 30% são de leucemia linfóide aguda. De acordo com levantamento do grupo, apesar dos ótimos resultados alcançados pelos centros de referência no tratamento do câncer infantil, em média, 25% das crianças e adolescentes com leucemia linfóide aguda, têm recaída da doença após o tratamento (a chamada recidiva). "Esses são considerados casos de alto risco, que precisam de tratamento mais agressivos", diz a oncologista.

Yunes explica que a nova técnica alcança alta sensibilidade, ao ponto de detectar uma célula cancerosa entre 100 mil células normais. "Isso é quase como encontrar uma agulha num palheiro", compara. Assim, é possível fazer o diagnóstico da doença residual mínima (quando existem células cancerosas em quantidade não visível no microscópio) com 28 dias de tratamento. "Isso indica o paciente com mais chances de sofrer recaída", diz Yunes.

O diagnóstico pode direcionar outras terapêuticas. Além de exames periódicos mais freqüentes, esses pacientes são classificados como de alto risco e, portanto, candidatos a terapias alternativas como quimioterapia mais agressiva ou transplante de medula óssea.

Outra vantagem apontada pelo pesquisador é que a nova técnica também identifica pacientes que apresentam boa resposta logo no início do tratamento. "Esses podem ser enquadrados num programa de tratamento menos agressivo, reduzindo eventuais seqüelas da quimioterapia e permitindo uma economia estimada de aproximadamente US$ 2 mil, somando-se os custos de internação e remédios."

O estudo, de dois anos, envolveu equipe multicêntrica, com profissionais do Centro Boldrini, Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e Grupo de Apoio ao Adolescentes e à Criança com Câncer (Graacc), ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Foram analisados no período 100 casos em retrospectiva (pacientes já tratados), usando amostras congeladas, e outros 60 em estudo prospectivo (durante o tratamento).

Segundo Yunes, até a inclusão do método no protocolo de tratamento, a única medida preventiva é fazer um monitoramento mais efetivo, com exames mais freqüentes. "Por uma questão de ética, não podemos alterar o tratamento até a adoção do novo protocolo", completa. A inclusão, de acordo com Sílvia, deve ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano.

Objetivo é expandir nova técnica a todo o País

O pesquisador José Andres Yunes explica que, em princípio, a cura da leucemia requer a erradicação completa das células leucêmicas. Se, na prática, isso não for possível, a alternativa é reduzi-las até o ponto em que não ocorre mais a manifestação clínica e laboratorial da doença, estágio tecnicamente chamado de remissão clínica completa.

A leucemia é considerada em remissão quando, além da ausência de sinais e/ou sintomas decorrentes da doença, a medula óssea apresenta menos de 5% de células morfologicamente identificadas ao microscópio como cancerosas. "Mas, mesmo nessa situação, o paciente ainda pode apresentar células não detectadas pela análise ao microscópio", diz Yunes. Essas células cancerosas remanescentes caracterizam a doença residual mínima.

O pesquisador cita que a relevância clínica da presença de células leucêmicas residuais ainda não foi completamente estabelecida. "Mas, trabalhos científicos recentes, com grande número de casos e ênfase na quantificação da doença residual mínima, tem mostrado que o decréscimo com eventual desaparecimento da doença residual logo no início do tratamento está associado a uma evolução favorável, ao passo que a persistência ou aumento do número de células leucêmicas geralmente precedem a recaída."

O objetivo do estudo é começar com um método que possa ser implantado em todo o País, com custos mais acessíveis. Numa segunda etapa, o estudo envolverá métodos mais precisos de quantificação da doença residual mínima, que necessitam de equipamentos sofisticados, reagentes de alto custo e capacitação de técnicos. (DM/AAN)

Chances de cura saltaram de 5% para até 90%

O Grupo Brasileiro de Tratamento da Leucemia Linfóide Aguda iniciou seu primeiro protocolo de tratamento da doença em 1980, fato que foi um divisor de águas para a mudança da história do câncer infantil pediátrico no Brasil. Antes desse estudo clínico, as chances de cura eram inferiores a 5%. Com a introdução do protocolo GBTLI-LLA80, saltaram para 50%. Consecutivos estudos cooperativos foram desenvolvidos nessa área. No estudo de 1985, os resultados de tratamento alcançaram índices comparáveis aos do primeiro mundo: 70% de chances de cura. Atualmente, as chances de sobrevida são de 75% a 90%, essa última para os pacientes de baixo risco. O garoto Vítor (nome fictício), de 10 anos, conseguiu vencer a leucemia linfóide aguda. Ele teve a doença diagnosticada em janeiro do ano passado, depois de ficar três dias com um inchaço no rosto. Foi tratado no Centro Boldrini e passa bem. Outra vitoriosa é a menina Fernanda (nome fictício), de 8 anos, que teve a leucemia descoberta há pouco mais de um ano, depois de se queixar de dores nas pernas e nos braços. Ela passou por quimioterapia, perdeu todo o cabelo e precisou de diversas internações, mas se recuperou e passa bem. Vítor e Fernanda continuam em tratamento de manutenção no Boldrini, com consultas mensais.