Por Ricardo Muniz | Agência FAPESP - Testes rápidos, baratos e precisos continuam a ser essenciais para a vigilância epidemiológica e para que os serviços de saúde possam monitorizar e conter a propagação da SRA-CoV-2. Os cientistas brasileiros contribuíram para os esforços neste campo desenvolvendo um imunossensor electroquímico que detecta os anticorpos contra o vírus. A inovação é descrita num artigo publicado recentemente na revista ACS Biomaterials Science and Engineering.
Em busca de um novo método de diagnóstico, o grupo optou por um material frequentemente utilizado na metalurgia - óxido de zinco - e combinou-o pela primeira vez com o vidro de óxido de estanho (FTO) dopado com flúor, um material condutor utilizado em eléctrodos para fotovoltaicos e outras aplicações avançadas.
"Com esta combinação invulgar e a adição de uma biomolécula, a proteína do pico viral, desenvolvemos uma superfície capaz de detectar anticorpos contra o SARS-CoV-2. O resultado é apresentado como um sinal electroquímico captado por esta superfície", disse o químico Wendel Alves, autor principal do artigo. Alves é professor no Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC (UFABC), estado de São Paulo.
O eléctrodo fabricado pelos investigadores detectou anticorpos COVID-19 no soro em cerca de cinco minutos com 88,7% de sensibilidade e 100% de especificidade, superando mesmo o teste de imunoabsorção enzimática (ELISA), a actual ferramenta de diagnóstico clínico de padrão dourado.
A investigação foi apoiada pela FAPESP através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para a Bioanálise e de um Projecto Temático.
Segundo Alves, que dirige o Laboratório de Electroquímica e Materiais Nanoestruturados da UFABC, o conhecimento prévio das propriedades químicas, tais como o ponto isoeléctrico da proteína do pico do vírus (S), permitiu ao grupo desenvolver uma plataforma para a ligação electrostática de S a nanorodios de óxido de zinco. O óxido de zinco é cada vez mais utilizado para fabricar biosensores devido à sua versatilidade e propriedades químicas, ópticas e eléctricas únicas.
O imunossensor é fácil de fazer e utilizar, e o seu custo de produção é relativamente baixo. "O grupo conseguiu desenvolver o dispositivo graças ao seu forte conhecimento de novos materiais e síntese de nanorodios de óxido de zinco", disse Alves. Os nanorods formam uma película na superfície condutora do FTO, criando um microambiente molecular favorável à imobilização da proteína S e tornando a construção uma forma simples de detectar estes anticorpos.
Os investigadores irão agora adaptar a plataforma para torná-la portátil e conectável a dispositivos móveis para utilização no diagnóstico da COVID-19 e outras doenças infecciosas.
Análise e usos futuros
Foi analisado um total de 107 amostras de soro sanguíneo. Foram divididas em quatro grupos: pré-pandémicas (15), convalescentes COVID-19 (47), vacinadas sem resultados positivos anteriores para a doença (25), e vacinadas após um resultado positivo (20). A vacina foi administrada com duas doses de CoronaVac, com quatro semanas de intervalo. O CoronaVac é produzido pela empresa chinesa SinoVac em parceria com o Instituto Butantan (estado de São Paulo).
Os autores do artigo - investigadores afiliados à UFABC e ao Instituto do Coração (INCOR), que é dirigido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) - notam que o dispositivo detecta anticorpos produzidos em resposta tanto à infecção pelo vírus como à vacinação, e mostra um excelente potencial como instrumento de monitorização da seroconversão e da seroprevalência. A detecção da resposta à vacinação é importante para ajudar as autoridades de saúde pública a avaliar a eficácia das diferentes vacinas e das campanhas ou programas de imunização, sublinham elas.
O dispositivo foi validado para detectar a imunidade induzida pelo CoronaVac, mas o grupo planeia alargar a sua utilização aos testes de resposta às vacinas da Pfizer e da AstraZeneca.
Uma das vantagens do eléctrodo que desenvolveram é a sua arquitectura flexível, o que significa que pode ser facilmente personalizado para outras aplicações de diagnóstico e biomédicas, utilizando diferentes biomoléculas nos nanorods de óxido de zinco e outros analitos alvo.
"A tecnologia é uma plataforma de bioensensagem versátil. Tal como desenvolvida por nós, pode ser modificada e personalizada para a detecção serológica de outras doenças de interesse de saúde pública", disse Alves.
O artigo "Imunossensores electroquímicos baseados em nanorodios de óxido de zinco para a detecção de anticorpos contra a proteína spike SARS-CoV-2 em indivíduos convalescentes e vacinados" encontra-se em: pubs.acs.org/doi/10.1021/acsbiomaterials.2c00509.