Essa rapidez tem sido possível porque as revistas científicas encurtaram o prazo de análise dos artigos sobre o novo vírus, publicando-os em alguns dias em vez de levar meses. Além disso, os pesquisadores podem usar repositórios de artigos ainda não aceitos para publicação em revistas científicas, os chamados preprints, que praticamente não existiam nos surtos virais anteriores
Em 28 de fevereiro, o Instituto Adolfo Lutz divulgou a sequência genética do vírus Sars-CoV-2 do primeiro paciente brasileiro, relatado dois dias antes. O trabalho reuniu pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e de Oxford, no Reino Unido, e comparou 127 genomas completos de 17 países em que o vírus já foi encontrado. De acordo com o relato publicado no Virological.org, um site para virologistas, a amostra do vírus chamada Brazil/SPBR1/2020 difere por apenas três mutações da Wuhan-Hu-1, tomada como referência. O sequenciamento ajuda a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo e pode ser útil para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.
“Ao sequenciar o genoma do vírus, ficamos mais perto de saber a origem da epidemia”, disse Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP, à Karina Toledo, da Agência Fapesp. “Sabemos que o único caso confirmado no Brasil veio da Itália, contudo, os italianos não sabem a origem do surto na região da Lombardia, pois ainda não fizeram o sequenciamento de suas amostras” (leia notícia em: http://agencia.fapesp.br/32637/).
Ao lado de Nuno Faria, da Universidade de Oxford, Sabino coordena o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde). O projeto, apoiado por FAPESP, Medical Research Council e Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido), tem como objetivo estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e zika. O sequenciamento do genoma viral foi conduzido pela equipe coordenada por Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz, e Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP com bolsa Fapesp.
Assim como ocorreu com o sequenciamento realizado no Instituto Adolfo Lutz, a publicação dos resultados de trabalhos científicos sobre o novo coronavírus tem sido bastante rápida. O surto emergiu em dezembro de 2019 na China, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e cientistas chineses anunciaram a descoberta de um coronavírus em 9 de janeiro e a base GenBank, dos Estados Unidos, publicou, dois dias depois, a primeira sequência genômica da nova variedade. Em 22 de janeiro um artigo na Journal of Medical Virology apresentou as primeiras análises genômicas do novo vírus, indicando que teria se originado provavelmente de morcegos. O número de artigos sobre o Sars-CoV-2 – a maioria de grupos de pesquisa da China – saltou de 36 no final de janeiro para 62, em 6 de fevereiro, e 155, 11 dias depois. No dia 28 de fevereiro, eram 216.
Esse processo foi mais lento em 2002, durante a epidemia de Sars, causada por outros coronavírus. O primeiro caso de Sars despontou na China em novembro daquele ano. A OMS emitiu um comunicado alertando para o surto em 12 de março de 2003, e em maio a revista científica New England Journal of Medicine (NEJM) publicou a primeira descrição do coronavírus, identificado pelos Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Essa rapidez tem sido possível porque as revistas científicas encurtaram o prazo de análise dos artigos sobre o novo vírus, publicando-os em alguns dias em vez de levar meses. Além disso, os pesquisadores podem usar repositórios de artigos ainda não aceitos para publicação em revistas científicas, os chamados preprints, que praticamente não existiam nos surtos virais anteriores (leia notícia em https://revistapesquisa.fapesp.br/2017/04/19/revisao-em-praca-publica/).
De acordo com uma reportagem da revista Science de 28 de fevereiro, os dois maiores repositórios de preprints, o bioRxiv e o medRxiv, recebem 10 novos artigos por semana sobre o novo coronavírus. Foi no bioRxiv que um grupo com pesquisadores da USP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) publicou um artigo sobre um fragmento de proteína que poderia ajudar no desenvolvimento de uma vacina contra o vírus.
O processo acelerado de publicação de artigos científicos não se mostrou imune a problemas. Em 30 de janeiro, a NEJM publicou um estudo de pesquisadores da Universidade de Munique sobre a aparente transmissão do vírus de uma mulher assintomática para outras quatro pessoas na Alemanha. A notícia se espalhou rapidamente na mídia, que acompanhava os desdobramentos do surto, mas na verdade não foi bem assim.
No mesmo dia, a revista recebeu e publicou uma carta de retratação assinada pelos autores do artigo, informando que a transmissão ocorrera quando a mulher já apresentava os sintomas da infecção. Os autores do artigo não conseguiram verificar melhor seu estado de saúde e concluíram que a retificação deveria ser comunicada imediatamente. Em épocas normais as retratações de revistas científicas podem demorar meses ou anos para vir a público.
Segundo caso de coronavírus
No sábado (29/02), a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e o Ministério da Saúde confirmaram o segundo caso de infecção pelo coronavírus Sars-CoV-2, em um homem de 32 anos, residente na cidade de São Paulo, que chegou da Itália no dia 27. No dia seguinte, com febre, dor muscular e dor de cabeça, procurou o Hospital Israelita Albert Einstein, que identificou o vírus. Com sintomas leves, o homem voltou para casa; sua mulher, seu único contato familiar, permanece assintomática. Até o dia 29, havia 182 casos suspeitos do novo coronavírus em todo o país, dos quais 91 em São Paulo.