Estima-se que até o ano de 2050 a população humana aumente mais de 30%. Nesse mesmo período, segundo projeções da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), o consumo de carne crescerá quase 73% e o de produtos derivados do leite, 58%.
Por outro lado, a área de terra arável aumentará apenas 5% e os produtores agrícolas terão de lidar com os desafios trazidos pelas mudanças climáticas e por regulações ambientais cada vez mais rígidas.
Na avaliação do professor Fábio Marin, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), o ganho de eficiência na agricultura é a única maneira de garantir a segurança alimentar da população humana no futuro e, ao mesmo tempo, proteger os ecossistemas naturais.
O tema foi destaque na manhã de segunda-feira (18/09) na FAPESP Week Nebraska-Texas, que tem como objetivo fomentar a colaboração entre cientistas do Brasil e dos Estados Unidos. O evento, que ocorre até 18 de setembro, é organizado pela FAPESP em parceria com a University of Nebraska – Lincoln e a Texas Tech University.
“A palavra-chave é intensificação [da agricultura]. Precisamos produzir mais, porém, o aumento de produção tem de vir do ganho em produtividade e não da expansão da área plantada. E a modelagem agrícola é uma ferramenta fundamental para isso”, disse Marin.
Diversos trabalhos desenvolvidos na Esalq com apoio da FAPESP foram apresentados por Marin durante a palestra. Entre eles, um modelo que permite quantificar, nas diversas regiões brasileiras, a eficiência na produção de cana-de-açúcar. A ferramenta, descrita este ano no Agronomy Journal, permite ainda calcular a produtividade máxima que pode ser alcançada em cada área.
“Esse modelo foi baseado em um experimento que conduzimos durante cinco anos em Piracicaba (SP) e um ano em Petrolina (PE). O que fizemos foi cultivar a cana-de-açúcar com todas as condições ideais para seu desenvolvimento. E observamos como, nessa situação ideal, ocorriam os diversos processos fisiológicos, entre eles a fotossíntese e o crescimento das raízes. Todos os dados foram colocados no modelo, para que ele se tornasse capaz de simular como a cana cresce”, explicou Marin à Agência FAPESP.
Com auxílio da ferramenta, os pesquisadores da Esalq fizeram um mapa da produtividade potencial das diversas regiões brasileiras em que há cultivo de cana. Em seguida, compararam esses resultados com os dados de produtividade real aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A conclusão é que nossa eficiência na produção de cana é de apenas 50%, ou seja, produzimos metade do que seria possível nas condições ideais”, explicou o pesquisador.
Segundo Marin, caso se atingisse os 100% de eficiência, seria possível atender a demanda por açúcar e bioenergia prevista pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para 2024 e ainda reduzir a área plantada. Porém, caso as coisas permaneçam como estão, serão necessários mais 2 milhões de hectares de cana para atender a demanda brasileira no futuro.
Eficiência na irrigação
Como a agricultura é a atividade econômica que mais consome água no mundo, e este insumo essencial para a vida humana está se tornando a cada dia mais escasso, o ganho de eficiência no setor agrícola necessariamente deve envolver novas tecnologias de irrigação.
O tema foi abordado na palestra de Christopher Neale, diretor do Water for Food Institute, da University of Nebraska. Seu grupo tem trabalhado no desenvolvimento de sistemas de irrigação variada, ou seja, tecnologias capazes de “prescrever” a quantidade ideal que deve ser aspergida sobre a plantação levando em conta as diferenças no solo e fatores climáticos como chuva, umidade do ar, radiação solar e vento, entre outros.
“No campo agrícola típico, o solo não é uniforme. Há manchas que diferem quanto a sua capacidade de retenção de água, capacidade de infiltração. É preciso prestar atenção nesses fatores, pois a água em excesso pode causar erosão”, disse Neale.
Segundo o pesquisador, o sistema de irrigação variável permite aproveitar melhor a água da chuva, pois não deixa o solo saturado.
“Vamos supor que temos a previsão de que haverá chuva daqui a três dias, mas a cultura precisa ser irrigada imediatamente para não entrar em estresse. Podemos fazer apenas uma irrigação leve para que, quando vier a chuva, o campo possa aproveitar aquela água”, explicou.
De acordo com Neale, a tecnologia de irrigação variável já é realidade nos Estados Unidos – particularmente em Nebraska, onde a agricultura representa parte relevante da economia. Porém, o custo ainda é elevado e os agricultores não estão convencidos de seus benefícios.
“Estamos fazendo estudos justamente para mensurar esses benefícios. Buscamos avaliar o quanto o consumo de água é reduzido e, consequentemente, o consumo de energia usada no bombeamento. O quanto diminui a erosão do solo e a lixiviação, que é o transporte dos fertilizantes para abaixo da região em que ocorre a absorção de nutrientes pelas raízes – o que pode contaminar os aquíferos”, explicou.
Segundo Neale, o estado de Nebraska tem 3,4 milhões de hectares irrigados – a maior parte composta por plantações de milho e de soja. O número não fica longe do total de áreas irrigadas no Brasil, que é de 5,5 milhões de hectares.
Novas tecnologias para aumentar a eficiência na irrigação também foi o tema da palestra de Fernando Braz Tangerino Hernandez, professor da Faculdade de Engenharia (FEIS) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Ilha Solteira.
Seu grupo desenvolveu um método para estimar as perdas de água no campo por um processo chamado evapotranspiração – que inclui tanto a transpiração das folhas como a evaporação do solo.
“Usamos dados de oito estações meteorológicas espalhadas no noroeste paulista para estimar a transferência de água para a atmosfera e assim calcular em larga escala o quanto é preciso repor”, explicou.
As estações medem fatores como temperatura, velocidade e direção do vento, umidade do ar e radiação solar. Esses dados são divulgados na internet a cada cinco minutos.
Por meio de um software nomeado SMAI (Sistema para Manejo de Agricultura Irrigada), disponível para download gratuito, é possível fazer os cálculos da irrigação necessária (mais informações em: http://clima.feis.unesp.br/).
Já o desenvolvimento de tecnologias para monitoramento de seca e a criação de políticas públicas para mitigar seus impactos foi o tema da palestra de Mark Svoboda, diretor do National Drought Mitigation Center – University of Nebraska-Lincoln.
“Nosso objetivo é produzir informações que sejam úteis e, ao mesmo tempo, possíveis de serem aplicada no campo. Trabalhamos com os fazendeiros para tentar entender suas necessidades”, contou Svoboda.
Mais informações sobre a FAPESP Week Nebraska-Texas: www.fapesp.br/week2017/nebraska-texas.
Agência Fapesp, 19/9/17
2-FAPESP destaca colaborações em pesquisa nos Estados Unidos
“O Brasil é o meu local favorito depois dos Estados Unidos. Estive 17 vezes no país durante minha carreira acadêmica e de pesquisa, cruzando boa parte do território em diversas colaborações com colegas brasileiros”, disse Ronnie Green, chanceler da University of Nebraska-Lincoln (UNL), nesta segunda-feira (18/09).
Green abriu a FAPESP Week Nebraska-Texas, que reúne pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil até 22 de setembro nas cidades de Lincoln (Nebraska) e Lubbock (Texas), destacando que o evento representa uma “importante oportunidade para reunir pesquisadores dos dois países que trabalham em conjunto, para fortalecer essas colaborações e também para estimular o desenvolvimento de novas parcerias”.
Green falou sobre a UNL, instituição fundada em 1869 que conta atualmente com 26 mil estudantes – 5 mil dos quais na pós-graduação – e 6,4 mil professores e funcionários. A universidade oferece 184 cursos de graduação e 144 de pós-graduação e desenvolve pesquisa e inovação nas mais variadas áreas.
“A University of Nebraska-Lincoln é um dos líderes em pesquisa em áreas como agricultura, alimentos e água. Investimos US$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvimento em 2016”, disse.
Situado no meio-oeste e nas grandes planícies norte-americanas, na região central dos Estados Unidos, Nebraska é o 16º maior estado do país, com 200 mil quilômetros quadrados. A economia do estado é baseada na agropecuária, sendo um dos principais produtores de milho, trigo, sorgo, soja, carne bovina e carne suína no país. Nebraska tem grandes rebanhos bovinos e uma relativamente forte indústria alimentícia. “São mais de três bois por habitante”, disse Green. A população é de 1,9 milhão de habitantes.
Com 280 mil habitantes, Lincoln é a capital do estado. A cidade foi fundada em 1856 e sua economia é baseada principalmente em serviços e manufatura. A Universidade de Nebraska é o terceiro maior empregador na cidade.
Michael Boehm, vice-chanceler do Instituto de Agricultura e Recursos Naturais (IANR) da UNL, fez em seguida uma apresentação sobre o instituto, que reúne 16 unidades acadêmicas, três faculdades, 12 departamentos acadêmicos e três centros de pesquisa e extensão fora do estado. “Temos mais de 43 mil acres (cerca de 174 milhões de metros quadrados) voltados à pesquisa, descobertas e ensino dos nossos programas”, disse.
O IANR despendeu US$ 142 milhões em pesquisa em 2016, maior montante entre os institutos da UNL. “Focamos nos grandes desafios do mundo, como pobreza, fome, segurança alimentar, energia, ambiente e saúde”, disse Boehm.
“São desafios que não procuramos enfrentar sozinhos. Por meio de nosso programa de Engajamento Global, temos parcerias com 80 países e relações estratégicas com Brasil, China e Ruanda. E um evento como a FAPESP Week me faz lembrar de uma palavra fundamental nesse cenário, que é ‘integração’”, disse.
Boehm contou que foi com essa palavra na cabeça que escreveu a primeira carta quando assumiu o posto de vice-chanceler no IANR, no início de 2017, para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.
“Tive o privilégio de participar da FAPESP Week em Ohio, em 2016, e pensei que seria uma importante oportunidade para a University of Nebraska-Lincoln se trouxéssemos o evento para cá. Fico feliz que tenha dado certo. Tenho certeza que o evento servirá para integrar pesquisadores e reforçar as valiosas colaborações entre a universidade e o Brasil”, disse.
Pesquisa em São Paulo
Brito Cruz falou em seguida sobre pesquisa e desenvolvimento no Estado de São Paulo e no Brasil, comentando que “São Paulo publica mais artigos científicos por ano do que qualquer país da América Latina”.
“São Paulo também forma mais de 20 mil doutores por ano, um número que tem crescido e que é compatível com as necessidades das instituições de pesquisa e da indústria no Brasil”, disse, apresentando um quadro que compara os doutores formados anualmente com países como Japão, Coreia do Sul e Reino Unido.
“O Estado de São Paulo responde por cerca de um terço do Produto Interno Bruto brasileiro, mas produz 45% da ciência no país. Isso ocorre porque, historicamente, São Paulo tem dado muita importância ao ensino superior e à pesquisa e destina 13% de seu orçamento para essas duas áreas”, disse.
“O Estado conta com 63 entidades cuja missão é guiada por atividades de pesquisa, em adição a 14.887 empresas com foco em desenvolver inovação. São Paulo tem cerca de 74 mil pesquisadores, dos quais 43 mil em instituições de ensino superior, 28 mil em empresas e 3 mil em institutos de pesquisa estaduais e federais”, disse.
Brito Cruz contou que, diferentemente dos demais estados, em São Paulo a maior parte do investimento público em pesquisa e inovação vem de fontes estaduais, não federais. “O investimento estadual em São Paulo é 10 vezes maior do que no Rio de Janeiro e 25 vezes maior do que em Minas Gerais, sendo que isso não reflete as diferenças nos PIBs dos estados, mas a prioridade dos estados com relação ao investimento em pesquisa”, disse.
Brito Cruz mostrou o desempenho da FAPESP, que investiu mais de R$ 1,1 bilhão em pesquisa em 2016. “Recebemos cerca de 26 mil propostas de bolsas e auxílios em 2016, sendo que o tempo médio em que analisamos essas propostas foi de 65 dias, com taxa de sucesso de 40%.”
O diretor científico também destacou a importância das colaborações internacionais em pesquisa, comentando que a FAPESP mantém acordos de cooperação com mais de 160 organizações em 30 países – somente em 2016 foram assinados 25 acordos.
“Além de conceder mais de 1 mil bolsas e auxílios para o exterior a pesquisadores e estudantes do Estado de São Paulo, a FAPESP tem diversos instrumentos para estimular que pesquisadores e estudantes de outros países venham para o Estado de São Paulo”, disse. Pesquisadores de 177 países vieram a São Paulo em 2016 por meio de auxílios concedidos pela FAPESP.
Brito Cruz falou também sobre as Escolas São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), cursos de curta duração ministrados por renomados cientistas brasileiros e estrangeiros, e o programa São Paulo Excellence Chair (SPEC), em que pesquisadores seniores de outros países colaboram com colegas brasileiros por períodos de três a cinco anos, com permanência no Brasil de 12 semanas por ano.
Mais informações sobre a FAPESP Week Nebraska-Texas: www.fapesp.br/week2017/nebraska-texas.
Fonte: Agência Fapesp, 19/9/17