Para tentar reduzir uma conta amarga de R$ 6 bilhões ao ano, o governo quer incentivar a produção nacional dos chamados medicamentos biotecnológicos ou biológicos, fabricados com a utilização de organismos vivos (como células, bactérias e leveduras) ou seus componentes ativos, voltados ao tratamento de doenças como câncer e esquizofrenia.
O mercado dos biotecnológicos movimenta no mundo US$ 160 bilhões ao ano. Apesar desse volume, somente agora dá os primeiros passos no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, do total de medicamentos usados no SUS (Sistema Único de Saúde), 1% é de biotecnológicos, porém eles comprometem 34% do orçamento da pasta.
Parte dessa demora no surgimento de uma indústria nacional de medicamentos biotecnológicos é explicada pela própria complexidade do processo, que utiliza organismos vivos e não desenvolvidos em laboratório. Outro motivo são os altos custos envolvidos na produção, que chegam a ser 100 vezes mais altos em comparação aos medicamentos químicos.
A produção de um genérico, por exemplo, envolve um aporte de cerca de R$ 150 mil entre pesquisa e matéria-prima, enquanto a pesquisa para desenvolver os similares dos biotecnológicos – denominados popularmente de biossimilares – não sai por menos de R$ 15 milhões.
“O preço final, muito mais alto que o do medicamento químico, acaba compensando o custo maior que essas empresas têm. Mas além da questão do dinheiro, é preciso lembrar que esse é um processo que envolve muito conhecimento”, pondera o analista do setor farmacêutico da consultoria Lafis, Bruno Nogueira.
Para fomentar projetos no setor, o Palácio do Planalto tem trabalhado no subsídio de iniciativas de fabricação de biotecnológicos. Um exemplo disso foi o aporte efetuado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) por meio do BNDESPar, para a compra de 16% da companhia Recepta.
Junto dos investidores individuais Emílio Odebrecht (presidente do conselho de administração da Odebrecht S.A.) e Jovelino Mineiro (pecuarista), o braço de participações do banco alocou R$ 35 milhões na empresa, a primeira brasileira a conduzir testes clínicos em pacientes com uma droga que visa a tratar o câncer de ovário.
0 dinheiro será investido sobretudo em pesquisa e desenvolvimento. Quatro anticorpos monoclonais (proteínas produzidas para detectar ou combater micro-organismos específicos) estão em estudo atualmente pela Recepta – um deles em estágio mais avançado. ”Dentro de dois anos devemos estar com nossa parte do levantamento concluída”, afirma o presidente da companhia, José Fernando Perez.
A partir daí, conta Perez, o objetivo é licenciar a droga para um laboratório farmacêutico, responsável pela produção e venda. A geração de caixa virá exatamente dessas parcerias. Por enquanto, os 32 pesquisadores da Recepta estão focados nos testes com a nova droga. E os resultados são animadores, na avaliação do presidente da companhia. “Cerca de 76% das pacientes com tumor do ovário estão aptos para o tratamento e 50% das pacientes com tumor de mama também”, explica Perez.
Segundo o executivo, o anticorpo age como um mecanismo de “chave e fechadura”, atacando diretamente a célula com problema. Para chegar a resultados relevantes, a equipe passou os últimos seis anos dedicada aos testes com o novo medicamento. Apesar do subsídio do governo ter vindo apenas em julho deste ano a companhia existe desde 2006 e começou como uma iniciativa do Instituto Ludwig.
“Eu era diretor científico da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e fui chamado para liderar o processo de abertura da Recepta. Logo depois vieram os investidores e, neste ano, o apoio do BNDES”, conta Perez. Além do registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o desenvolvimento dos testes clínicos, a Recepta também tem o aval da FDA (Federal Drug Administration), agência reguladora americana para a área de medicamentos.