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Jornal da USP

Nova história, 50 anos depois (1 notícias)

Publicado em 15 de março de 2004

Centro de História da Ciência prepara dois volumes sobre os 70 anos da USP, o primeiro com depoimentos de dirigentes, outro sobre a relação da Universidade com a sociedade Quando completou 20 anos, a Universidade de São Paulo ganhou um livro sobre a sua própria história, o do professor Ernesto de Souza Campos, com 580 páginas e rica documentação iconográfica. E ficou nisso por mais 50 anos. Não é que nada tenha sido escrito ou documentado para a posteridade nesse tempo todo; cada unidade, atualmente 36, deixou anotações sobre suas origens, evolução, ensino e pesquisa; professores de várias áreas escreveram ensaios sobre o papel da instituição no cenário nacional e suas lutas em favor das liberdades. Faltou, porém, alguém que, com engenho e arte, tempo e recursos, articulasse uma síntese do que havia nos anais e ensaios fragmentados e apresentasse por inteiro a face da Universidade, de 1934 a 2004. De preferência, uma história que, correta do ponto de vista acadêmico, também despertasse a atenção do público leigo, atraído por bons casos, contados em linguagem acessível e estilo leve. Se vai atingir esse duplo objetivo, é difícil prever, mas uma equipe do Centro Interunidades de História da Ciência, coordenada pelo professor Shozo Motoyama, promete lançar até o final do ano dois volumes, no total umas 700 páginas, contando a história da USP, primeiro do ponto de vista dos dirigentes, depois das relações da instituição com a sociedade. Por que será que historiadores da própria Universidade, cujos trabalhos foram fundamentais para dar novos rumos à historiografia paulista e do País, não se animaram a escrever uma história interna? Motoyama, um astrofísico de formação e especialista em história da ciência e da tecnologia, arrisca algumas hipóteses: a USP caracteriza-se pela grandeza, na produção, na competência e no que representa socialmente; e grande também nas suas contradições, nos defeitos e principalmente na pluralidade sob todos os pontos de vista. Daí a dificuldade para os historiadores de qualificá-la, sem incorrer no risco da parcialidade ou da distorção. Outra razão desencorajardora seria o fato de cada pesquisador estar por demais ocupado com projetos acadêmicos próprios, faltando-lhe tempo para befletir sobre uma proposta de história da instituição que os acolhe. Sucessos - Uma razão a mais para a equipe do professor Motoyama chamar a si a responsabilidade pelo empreendimento. Entusiasma o coordenador do projeto a constatação de que a USP tem uma história de sucessos e o segredo disso, que lhe garante atualidade permanente e a diferencia das outras universidades, pode ser encontrado já no decreto de fundação em 1934: a USP deveria promover pela pesquisa o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, característica que mantém inalterada, trazendo sempre à luz coisas novas e interessantes para o seu tempo. Motoyama lembra que, no sexagésimo aniversário da Universidade, o Instituto de Estudos Avançados dedicou à data um número de sua revista e nele a professora Marilena Chauí defendia a conveniência de uma "terceira fundação da USP": a primeira teria sido em 1934, a segunda em 1968/69, com o fim do regime de cátedra e início da organização departamental, e a terceira representaria a desburocratização, argumentando que tudo aquilo que se pretendeu afastar na segunda fundação (a centralização do poder e a ditadura da burocracia) acabou se agravando em 1984. E o pior: as pessoas que lutavam por.uma reforma progressista agora concordavam com a universidade centralizada. A "terceira fundação" deveria garantir uma universidade mais integrada com a comunidade. Mas o coordenador do Centro Interunidades de História da Ciência discorda desse discurso. A pluralidade é característica da USP e grupos hegemônicos sempre existirão, sem, contudo, calar as vozes de correntes opostas. Atender às elites culturais e à população em geral é a missão da Universidade. Houve tempos em que alguns de seus integrantes se puseram a serviço da ditadura, ao mesmo tempo que outros, como o sociólogo Florestan Fernandes, se notabilizaram na oposição. É certo que pelo menos o primeiro volume da história projetada por Motoyama, e provisoriamente intitulado USP 70 anos -imagens de uma história vivida, terá caráter oficial, trazendo fatos e pontos de vista expressos por reitores, vices e pró-reitores. As histórias orais serão publicadas na ordem cronológica e individualizadas. Já a segunda parte do projeto - Uma história para contar - USP 70 anos - pretende constituir uma narrativa mais livre, mais leve, para um público mais amplo, tendo por base a interação da Universidade com a sociedade. Os pesquisadores foram buscar histórias humanas de antigos alunos e professores, como a de um diretor de companhia de seguros, que na USP estudava Física e prometia largar tudo, o alto cargo e a empresa que lhe assegurava tranqüilidade financeira, assim que terminasse o curso, para dar aulas na rede pública do ensino fundamental. Poucos acreditavam que cumprisse a palavra, mas ele a cumpriu, abandonando tudo pela escola da periferia. Nesse ponto, seus colegas de curso perderam o contato com ele, que não pôde ser entrevistado para contar o resto da história. Outros episódios do segundo volume contarão o que a USP pode fazer para garantir o sucesso de uma empresa. Entre outros casos, recordará o de um empresário que, com ensinamentos adquiridos na Engenharia de Produção da Politécnica, conseguiu extraordinário sucesso com uma empresa no ramo de plásticos, em plena época de inflação descontrolada; outro aluno da mesma unidade especializou-se em computação e atualmente detém alto cargo numa instituição bancária. Há também histórias de gente que conseguiu destaque em outros campos, como políticas públicas, educação e montagem de cursos em outras universidades. É conhecida, por exemplo, a atuação de professores da USP na Unicamp e na USP, a começar pela fundação da Universidade de Campinas pelo professor Zeferino Vaz. Os professores Antonio Cândido e Fernando Novaes estruturaram os cursos de Letras e de História, respectivamente, naquela instituição. A equipe de pesquisa e redação dos dois volumes de história da USP busca informações em três fontes principais: história oral, que inclui memórias de diretores das 36 unidades; livros e revistasse arquivos encontrados em unidades como Filosofia, Politécnica e Reitoria. O coordenador está seguro que não faltarão recursos para a publicação da obra, graças ao apoio institucional de empresas privadas e estatais; o problema são os prazos, mesmo assim a publicação está garantida este ano. A maior parte dos pesquisadores contratados - Fernando Camelier (História), Marilda Nagamini (História), Ana Maria Gordon (Física/Ipen), Renato Vargas (Poli), Edson Emanuel Simões (Geografia) e Pedro Luna Filho (jornalista) - trabalha em tempo integral e espera começar a fase de produção dos volumes a partir de agosto. História da ciência - Shozo Motoyama dedica-se há muitos anos à pesquisa da história da ciência e da tecnologia. Agora mesmo, está para sair pela Edusp, com apoio da Fapesp, uma obra que ele coordenou, intitulada Prelúdio para uma história: ciência e tecnologia. Na década de 70, foi assistente do físico Mário Schen-berg, personalidade visada pelos governos militares, com atuação na ciência, na política e na crítica de arte. Depois, Motoyama mudou de área, ao perceber que era necessário superar o mito de que brasileiro não sabe fazer ciência. Segundo o professor, existem registros de inúmeras pesquisas interessantes nessa área feitas em vários Estados, inclusive Alagoas, Sergipe e outras unidades do Nordeste, que não foram concluídas por falta de apoio financeiro. "Precisamos valorizar e preservar o que existe. Quando não registradas, 95% das pesquisas se perdem", disse. Os preconceitos, segundo ele, se estendem também ao trabalho dos historiadores de ciência e tecnologia, o que não o impediu de ousar mais com o projeto de história da USP. Além de pesquisador, Motoyama também dá aulas sobre a sua especialidade no Departamento de História; na Escola de Comunicações e Artes e no Instituto de Química. Em novembro, o Centro de História da Ciência promove no campus um congresso para discutir aspectos relacionados com a Universidade.