Notícia

Jornal do Brasil

NOSSO AMIGO O COMPUTADOR

Publicado em 17 setembro 1995

Mexer num computador vai ser mais fácil que coar um cafezinho. Robeli Libero diz isso e fala sobre o futuro da informática com sotaque de quem conta um caso encostado num botequim do interior de Minas. E o presidente da IBM para a América Latina é isso mesmo: um mineiro globalizado. Formado em engenharia pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1961, ele entrou para a IBM dois anos depois. E não saiu mais. Em 1988, assumiu o controle da empresa na América Latina e passou a morar em Nova Iorque, onde, quando a Internet e os computadores deixam, costuma jogar tênis. Robeli largou as raquetes em Nova Iorque para desembarcar em São Paulo na semana passada. Junto com outros executivos da empresa, ele comandou o Fórum IBM 95, uma espécie de pajelança que reuniu empresários brasileiros, especialistas em informática e caciques mundiais da IBM. Entre uma reunião e outra, Robeli tomou muitos cafezinhos, contou piadas de mineiro e revelou ser flamenguista e cruzeirense. Com uma memória impressionante, ele descreve detalhes da evolução da informática e comenta o futuro dos computadores. Para Robeli Libero, essas maquininhas esquisitas vão ficar nossas amigas. Ele jura que os computadores vão reconhecer a nossa voz, obedecer nossas ordens e resolver todos os nossos problemas. Enquanto isso não vem, Robeli defende o OS/2, sistema operacional criado por sua empresa e elogia o marketing de seu maior concorrente, o Windows 95 de Bill Gates. — O senhor acredita que o computador pode mudar a vida do brasileiro? — Ele pode mudar e vai mudar a vida do brasileiro. A tecnologia está mudando o destino de todos nós. E haverá ainda uma aceleração em todas essas mudanças, porque muitas das tecnologias que ainda hoje estão disponíveis apenas para pessoas que conhecem computadores vão ficar fáceis para todos. A medida que você tem o reconhecimento de voz, mais imagens, televisão interativa, compras em quiosques multimídia, tudo isso vai fazer com que nossa vida mude. Há dois fatores sociais importantes nessa história toda e que estão no fundo de todas essas transformações. O primeiro é o valor do tempo. Você tem tempo escasso, nossos avós tinham tempo de sobra e podiam sentar-se para conversar. Nós hoje temos tempo curto, há muitas coisas que fazemos atualmente só por obrigação, coisas que não colocam nenhum valor em nossas vidas. Por exemplo: se você for comprar um sapato ou uma roupa, é uma' perda de tempo ir até a loja, selecionar e trazer o produto até sua casa. No futuro, faremos isso através de computação, através de TV interativa, através de quiosques multimídia. E assim economizaremos tempo. Mas não é só a esse tempo que eu me refiro. Veja a fabricação de aviões. Antigamente, era necessário fazer maquetes e testá-las em túnel de vento. Era preciso gastar muito tempo para simular um determinado produto. Hoje, com técnicas de computação, você acaba com isso. Carros, aviões têm sua simulação feita na tela. Com isso você lança produtos melhores e em ciclos menores. É possível criar compostos químicos sem nunca ter feito uma reação química, economizando tempo e material. Existe um tipo de insulina artificial que foi criada em modelagem de computador antes de ser desenvolvida de verdade. Você pode imaginar o que isso significa para a medicina? A segunda coisa que é importante notar é o fator do dinheiro. O dinheiro está cada vez mais difícil de ser ganho e as pessoas querem gastá-lo melhor. Tem horas que você quer pagar um valor adicionado, mas tem horas que você quer comprar o produto da forma mais rápida e barata. É aí que entra a TV interativa, o computador, as redes, formas de economizar tempo e dinheiro, os dois fatores sociais mais importantes do mundo de hoje. — E o emprego? Os computadores são temidos como ladrões de emprego. A nova tecnologia vai criar desempregados? — Essa é uma discussão que tem dois mil anos. Mais até: quando alguém descobriu uma forma de mover uma pedra mais rapidamente, alguém disse: "Mas isso vai reduzir os nossos escravos!" Na realidade, o que as tecnologias fazem é acabar com empregos numa determinada área e remover esses empregos para outras áreas. A grande transformação que aconteceu no século passado foi a abertura de estradas e a melhoria do transporte marítimo e ferroviário, ou seja, o aperfeiçoamento do transporte físico facilitou o comercio e o crescimento econômico do século passado. Neste século, o que está facilitando o crescimento não é o transporte físico, mas o transporte da informação. Dentro desse sentido, o fenômeno que se dá é que a informação desloca o físico. Quando você quer fazer uma olimpíada e quer demonstrar como será um estádio olímpico e faz uma simulação no computador onde a visão de qualquer espectador é reproduzida, você está deslocando o físico. No futuro, será possível comprar um bilhete para um jogo ou um show sem sair de casa. E ter uma noção exata de como será sua visão da sua cadeira. Essa é a grande transformação desse século. — Quais são as tendências do mundo da informática? — Penso que há cinco tendências básicas para o futuro dos computadores e que vão modificar nossas relações com as máquinas. Vamos lá. O primeiro ponto é o cliente/servidor. Trata-se de um modelo de computação que permite que pessoas, usando sua estação de trabalho, entrem em bancos de dados autorizados. Sem se preocupar com a plataforma da máquina, com a marca da máquina e com a marca do software. Cliente/servidor é um modelo de computação que permite uma transparência na relação entre o usuário e o banco de dados. Para o sujeito comum, é uma democratização da informação. A IBM está completamente comprometida com esse modelo. O segundo ponto é a multimídia. Não é só movimento na tela, é muito mais profundo que isso. Educação, vendas, saúde, bancos, a multimídia vai entrar em tudo. A imagem em preto e branco com letras e números é muito cansativa. A terceira tecnologia que vai modificar os computadores é a programação orientada a objeto, que facilita a produção de programas. É uma coisa técnica, mas vai revolucionar o processamento de dados. A quarta coisa é o computador portátil, o laptop sem fio. Com ele a comunicação será total. Um caminhoneiro que entrega um produto nos confins da Amazônia vai registrar a transação no ato. Via satélite. A transação passa a acontecer em qualquer lugar, em qualquer momento. A quinta tecnologia é dos transponders. Essa tecnologia já existe há muito tempo, os transponders dão informações sobre localização de barcos, caminhões, etc. Mas eles estão ficando pequenos, dá para colocá-los numa roupa ou numa mercadoria de supermercado. Com isso você passa com um carrinho de compras por uma caixa de supermercados sem tirar tudo do carrinho para registrá-los. A informação vai direto dos transponders para o caixa. Outro exemplo: um caminhão passa pela alfândega e tudo que está dentro já fica registrado. Isso economiza tempo e dinheiro. Pode reduzir empregos? Pode. Mas as coisas passam a custar menos e mais gente pode comprá-las. É por isso que dizemos que o mundo grande está se transformando num mundo pequeno. — O escritor Nicholas Negroponte disse que um computador equivalente ao padrão de hoje vai custar US$ 300 daqui a três anos. A IBM também pensa assim? — Eu entendo o que Negroponte quer dizer. Ele diz que o computador hoje, como nós conhecemos, vai custar US$ 300. Mas o computador daqui a três anos não vai custar isso. Todos vão querer algo que tenha dez vezes mais memória, muito mais capacidade de processamento e isso vai acabar custando dois, três mil dólares. Então a discussão passa a ser o seguinte: não é quanto o computador vai custar e sim o que se poderá comprar com dois, três mil dólares. Ao mesmo tempo, mais pessoas terão acesso a algum tipo de tecnologia. Haverá computadores pequenininhos, tipo relógios pequenos, com grande capacidade de computação. Hoje você basicamente tem um computador que é assim: teclado, CPU e monitor. O computador do futuro vai se relacionar de maneira mais fácil conosco. Através da voz, por exemplo. Você vai dizer "me mostre o calendário de hoje", "mude minha agenda para amanhã". A relação com o computador vai ser diferente, não vai ser através de teclados e cliques. Eu vou falar com a máquina e ela vai me responder. Outra grande mudança serão os quiosques. Eles trazem uma alteração na forma como o indivíduo se relaciona com o Estado. Hoje é o seguinte: o cidadão quer fazer uma coisa, tem que ir num lugar específico. Num lugar ele tira a carteira de motorista, em outro ele pega certidão negativa de imposto de renda, em outro lugar ele vai à prefeitura, essas coisas todas. No futuro não vai ter nada disso. O sujeito vai num quiosque, que será completamente simples de operar, e vai fazer tudo num lugar só. Carteira de motorista, imposto de renda, tudo. Tudo vai ser feito através de ícones, através do toque ou através da voz. Qual vai ser a implicação disso? Há uma desintermediação entre o indivíduo e o provedor final. O cidadão fica próximo do governo, o número de pessoas e níveis envolvidos em uma transação cidadão-estado diminui. — Mas com isso o Estado passa a ter um controle muito maior sobre o cidadão... — E verdade. Mas isso deve ser controlado através de leis de proteção do indivíduo, de forma que os dados sejam usados adequadamente pelo Estado. O ponto central aqui é que muitas informações de marketing e de pesquisas de mercado estão disponíveis. Quando você usa um cartão de crédito,! disponibiliza informações sobre seus hábitos de compra. Se eu compro vinhos com freqüência, passarei a receber informações sobre vinhos. Isso reduz os custos de venda das empresas, que passam a mandar informações para os clientes que já se interessam pelo tipo de produto que elas fazem. — Como o senhor vê a desregulamentação das telecomunicações e a atuação do governo brasileiro na implementação comercial da Internet? — Tenho acompanhado de longe. Acho que o governo brasileiro está na direção certa. Uma vez que muitos serviços vão surgir, ou você limita esses serviços e o país deixa de crescer nessa área, ou você deixa os serviços livres para quem é competitivo. Eu acredito que o governo não vai dar exclusividade a nenhuma empresa ou grupo. Quem quiser entrar que arrisque seu capital, use a rede instalada e tenha lucro ou prejuízo de acordo com suas operações. O cidadão brasileiro, o consumidor, ganha com isso. — Recentemente, um contrato da IBM com o governo argentino foi colocado sob suspeita. Esse tipo de coisa acontece aqui no Brasil? — Não se trata disso. Nós fizemos um contrato com um cliente, o Banco da Nación Argentina, e subcontratamos uma empresa para prover serviços nessa área. Essa empresa subcontratada emitiu algumas notas frias e a justiça argentina está investigando o caso. A IBM está colaborando com a justiça argentina para entender o que se passou. Não existe um conflito. — Mas existe algum risco ao participar dessas grandes concorrências do governo? Um exemplo é o caso dos radares do Sivam, da Amazônia. — O caso do Sivam foi distinto. A IBM tinha uma empresa que era especializada em processos dessa natureza. Mas ela foi vendida no meio do projeto. Então passamos a trabalhar junto com a Raytheon, a firma dos radares, mas apenas com uma parte mínima do projeto. — Vamos falar do OS/2, o sistema operacional da IBM. O Windows 95, da Microsoft, condenou esse produto à morte? — O OS/2 é um produto condenado ao sucesso. O tempo e a nossa atividade é que vão decidir. A IBM está absolutamente comprometida com o futuro do produto. Faz parte da estratégia da empresa investir no OS/2. Mas quem decide se o OS/2 é um sucesso ou vai morrer é o cliente. Mas estamos comprometidos hoje e para o futuro. — Quando o senhor viu o lançamento do Windows 95 não ficou com água na boca? — Foi absolutamente fantástico, a Microsoft está de parabéns. Atrás de toda estratégia de marketing existem investimentos. É muito difícil para qualquer produto IBM você justificar uma mobilização desse tamanho. Eu não creio que valeria a pena nós fazermos uma mobilização mundial em torno de um produto só. Provavelmente, o retorno não seria justificável. Eu lembraria também um pequeno detalhe. O Windows 95 atrasou muito e teve que ter um investimento de marketing muito grande para que o consumidor não perdesse o entusiasmo por ele. Nós não costumamos atrasar nossos produtos. — O senhor ganha ou perde tempo com a informática? — No momento a informática me ajuda muito no acesso à informação e à comunicação. Mas se eu viver para entrar na Internet e buscar informação, não faço mais nada. O que as pessoas vão ter que aprender, e isso é um desafio para os próximos dez anos, é saber como usar essa informação. O sistema educacional vai ter que ser mais criativo, vai ter que estimular a criatividade. Educar vai ser ensinar ao indivíduo onde buscar a informação e como usá-la. Não vai ser como é hoje, em que se procura dar muita informação ao estudante. Dar muita informação não vai ser importante. Ensinar onde procurá-la, sim.