Por muito tempo, a palavra "bullying" tem sido utilizada como um termo genérico para descrever conflitos e violências recorrentes entre estudantes.
No entanto, ao adotar uma abordagem ampla e superficial, corre-se o risco de invisibilizar as violências específicas que atingem determinados grupos sociais, como as meninas negras, que ocupam um lugar particularmente vulnerável dentro das escolas.
A historiadora e pesquisadora do CEERT Giselle dos Anjos Santos, defende a importância de reconhecer o racismo e o sexismo como dimensões estruturais do bullying no contexto brasileiro, especialmente no que se refere às violências vividas por meninas negras nas escolas.
Para Giselle, o primeiro passo para compreender e enfrentar essas violências é nomeá-las corretamente. “O que se chama genericamente de bullying encobre formas específicas de opressão, como racismo, misoginia, homofobia, gordofobia, entre outras. Quando essas violências são tratadas apenas como ‘brincadeiras cruéis’ ou ‘conflitos entre colegas’, sem considerar suas raízes sociais e históricas, o problema é minimizado — e, consequentemente, não é superado”, afirma.
Segundo ela, a violência sofrida por meninas negras nas escolas não pode ser dissociada de sua intersecção entre raça e gênero. “Essas violências aparecem em comentários sobre seus cabelos, seus corpos, sua aparência, sua inteligência ou comportamento. Muitas vezes, essas meninas são hipersexualizadas, silenciadas ou desvalorizadas desde cedo. E quando a escola não reconhece essas agressões como fruto de preconceitos estruturais, ela falha em proteger essas estudantes e acaba perpetuando um ciclo de exclusões.”
O cenário se torna ainda mais preocupante diante do aumento dos casos de violência nas escolas brasileiras. Afinal, o número de incidentes mais do que triplicou em 10 anos, atingindo o ápice no ano de 2023 (FAPESP, 2025). Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) apontam que, entre janeiro e setembro de 2023, o Disque 100 registrou 9.530 denúncias de violência em ambientes escolares — um crescimento de 50% em relação ao mesmo período do ano anterior. No total, foram identificadas 50.186 violações, número 143,5% maior do que o registrado em 2022. As principais formas de violência relatadas incluem constrangimento, tortura psíquica, ameaça, bullying e injúria.
Giselle destaca a importância de legislações como a Lei nº 13.185/2015 e a Portaria nº 614/2024, que estabelecem diretrizes para o combate do bullying e do cyberbullying. No entanto, ela ressalta que ainda há uma grande distância entre a existência dessas políticas e sua aplicação concreta nas escolas. “Falta articulação mais coordenada entre o Ministério da Educação, as secretarias estaduais e municipais de educação, e as próprias instituições escolares”, afirma.
A lém disso, Giselle defende que “o não cumprimento da Lei 10.639/03 e da Lei 11.645/08 (que obriga o ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e índigena nos estabelecimentos de ensino), também deve ser considerado uma expressão de violência na escola, enquanto demonstração do racismo institucional no ambiente escolar. Tal como o seu cumprimento representa uma das formas de prevenir o bullying e o racismo no contexto educacional.”
Por isso, iniciativas como o Projeto Duafe, desenvolvido pelo CEERT, surgem como resposta concreta à urgência de enfrentar esse fenômeno. “O Projeto Duafe possui um papel importante no enfrentamento da violência no ambiente escolar, especialmente por abordar o bullying sob uma perspectiva interseccional, com foco na superação do racismo e do sexismo”, explica Giselle. Segundo ela, ao reconhecer a realidade vivida por meninas negras e propor ações afirmativas para valorizar suas identidades, o projeto contribui para construir uma escola mais justa, segura e acolhedora.
Para ampliar essa discussão sobre como lidar com essas violências que atravessam o cotidiano escolar de tantas crianças e adolescentes, principalmente das meninas negras, o Projeto Duafe promoverá uma aula aberta no dia 29 de abril (terça-feira), às 19h via Zoom. As inscrições já estão abertas e haverá emissão de certificado para os(as) participantes. Garanta já a sua vaga