Considerado o pai da política ambiental brasileira, o zoólogo Paulo Nogueira Neto morreu de falência múltipla dos órgãos em 25 de fevereiro de 2019. Nascido em São Paulo em 1922, Nogueira-Neto tinha 96 anos.
À frente da Sema (Secretaria Especial do Meio Ambiente), órgão que chefiou entre 1974 e 1985, Nogueira Neto foi responsável pela criação de 26 reservas, estações ecológicas e outras unidades de conservação ambiental pelo país. Estas incluem a APA-Petrópolis, primeira Área de Proteção Ambiental do Brasil, em 1982. Foi também um dos responsáveis pela formulação da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981.
Nogueira Neto foi um dos criadores e professor titular do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Além disso, foi membro da comissão ambiental da ONU (Organização das Nações Unidas) e vice-presidente da ONG WWF (World Wide Fund for Nature).
Foi agraciado com a Ordem do Rio Branco, a mais importante honraria concedida pelo Ministério das Relações Exteriores. Recebeu o Prêmio Paul Getty, referência mundial na área ambiental, em 1981. E por duas vezes foi vice-presidente do programa de cooperação científica internacional “O homem e a biosfera (MAB)”, da Unesco.
“Além do conhecimento técnico, o professor Paulo, como nós sempre o chamávamos, possuía ousadia e espírito conciliatório”, afirmou João Paulo Capobianco, ambientalista e sócio-fundador do Instituto Socioambiental. “[A Política Nacional do Meio Ambiente] inaugurou uma agenda impensável para a época. Conceitos implementados por ele, como os Estudos de Impacto Ambiental, o licenciamento e o zoneamento ambiental pareciam improváveis.”
A visão dos governos militares pós-1964 era a de que a Amazônia precisava ser ocupada e “desenvolvida”. Além de desconsiderar o fato de que havia populações na região, indígenas e não-indígenas, o meio ambiente simplesmente não estava em pauta. A frase “integrar para não entregar”, dita pelo presidente Castelo Branco, em 1966, expressava a ideia de que havia uma questão de soberania nacional em jogo.
Entre o fim da década de 1960 e início dos anos 1970, foram criados os órgãos Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) para atuar na região.
O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento, introduzido pelo governo federal para o período 1972–1974, que pretendia alçar o país à condição de nação desenvolvida, definia propostas para a Amazônia, como o deslocamento de “excedentes de mão-de-obra do Nordeste” com o propósito de alavancar a economia rural da região. Em paralelo, propostas da Sudam visavam diversificar o extrativismo e priorizar agricultura e pecuária.
Em 1972, aconteceu a Conferência de Estocolmo, com 115 países-membros da ONU. Seu relatório final norteou as políticas ambientais de vários países do mundo, vários dos quais passariam a contar com uma pasta específica para o meio ambiente em sua estrutura governamental.
O Brasil, sob a presidência do general Emílio Garrastazu Médici, se recusou a assinar a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que resultou do encontro. Um relatório assinado pelo então ministro do Interior José Costa Cavalcanti, classificou de “alarmistas” as preocupações com o esgotamento de recursos naturais e de que “as situações que se poderiam considerar como ‘problemas ambientais’ típicos são encontrados quase exclusivamente nos países desenvolvidos”.
O documento acusava também as nações mais ricas de quererem “congelar” o desenvolvimento de nações como o Brasil e de promover “esforços de internacionalização das grandes áreas virgens da Terra”.
O posicionamento do Brasil, entretanto, repercutiu mal com a opinião pública que já vinha sendo influenciada por notícias sobre os efeitos do poluição e desastres ambientais. O governo Médici decidiu então criar a Secretaria do Meio Ambiente, por meio do decreto nº 73.030, de 30 de Outubro de 1973. O departamento ficava sob a asa do Ministério do Interior.
“Em 1973, o Henrique Brandão Cavalcanti, então Secretário Geral do Ministério do Interior e quem eu tinha visto apenas uma vez, pediu para eu ir a Brasília”, explicou Nogueira Neto, em entrevista de 2006 ao site O Eco. “Lá, me mostrou o decreto criando a Secretaria Especial de Meio Ambiente, feito por ele depois da Conferência de Estocolmo, e perguntou a minha opinião. Eu li e desanquei o texto. Disse que estava fraco, que não tinha poder nenhum e que não ia dar certo. Segundo ele, a idéia inicial era me convidar para presidir um Conselho Nacional Ambiental, mas depois dos meus comentários decidiu me convidar para ser o Secretário de Meio Ambiente.”
O órgão começou pequeno e sem força, de acordo com Nogueira Neto. “Me deram cinco funcionários e três salas, só. E o decreto criando a Sema, que não dava poder prático nenhum, nem de multa. A única coisa que estava ao nosso alcance era verificar onde estavam os problemas e indicar para o governo como solucioná-los. Contei com a imprensa para fortalecer a Sema, já que temos a favor do meio ambiente a opinião pública”, afirmou a O Eco. Em seus contatos com a mídia, se aproximou de gente graúda da Rede Globo, entre os quais Rogério Marinho, irmão de Roberto Marinho e entusiasta do meio ambiente.
Com o passar dos anos, a agenda ambiental foi ganhando visibilidade. O segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, para o período 1975-1979, incluía medidas para diminuir a poluição e estruturar o espaço urbano. Com isso, a Sema foi expandindo sua atuação, assim como o quadro de funcionários, que no início da década de 1980 chegava a 200 pessoas. Em 1977, Nogueira Neto propôs a criação da Política Nacional do Meio Ambiente, que incluía a formação de um conselho consultivo e deliberativo para assessorar o governo chamado Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Em 1981, o governo do general João Batista Figueiredo aprovou a Política Nacional do Meio Ambiente. Durante seus anos à frente da secretaria, Nogueira Neto foi responsável pela introdução de 3,2 milhões hectares em unidades de conservação ambiental. Também concebeu as primeiras Estações Ecológicas, área de preservação terrestres ou marinhas, em 1981. Por meio da Lei 6.902/1981, implementou as APAs, ou Áreas de Proteção Ambiental.
Nogueira Neto ficaria na pasta até 1985. No governo José Sarney, a Sema passou a integrar o novo Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Em 1990, Fernando Collor de Mello rebaixou o ministério, transformando-o em uma Secretaria do Meio Ambiente que respondia diretamente à Presidência da República. O Ministério do Meio Ambiente foi recriado em 19 de novembro de 1992, durante o governo Itamar Franco.
“Em pleno regime militar, Nogueira Neto foi suficientemente hábil e corajoso para introduzir uma legislação ambiental que já à época era moderna no Brasil. Ela é quem deu origem a toda a legislação brasileira nessa área, um feito extraordinário. Trata-se de um legado incomparável, somando-se o fato de que Nogueira Neto foi o grande responsável pela criação de zonas protegidas da Amazônia", declarou o físico José Goldemberg, ex-secretário do Meio Ambiente, em entrevista ao site da Fapesp.