A capitalização de mercado da Intel, da Microsoft e da Cisco reunidas é quase o triplo das três grandes indústrias automobilísticas de Detroit. Isso é um indício do tipo de economia que o Vale do Silício representa, apesar de ter uma infra-estrutura frágil.
No entanto, a emergência de outros aglomerados de empresas de alta tecnologia e o efeito a longo prazo da Internet tornarão o Vale cada vez mais um agente no processo de geração de novas idéias. E o que mostra o último artigo, de uma série de seis, do relatório da The Economist, que publicamos hoje. (Pág. A-20)
No Vale, o sonho da mudança permanente
O Vale do Silício tem problemas de infra-estrutura e disparidades sócio-educacionais; apesar disso, pela sua capacidade de gerar idéias e empresas novas, é difícil imaginar um lugar mais preparado para o próximo século, como mostra o sexto e último artigo do relatório da The Economist, que publicamos hoje.
"Quem tentar frear o progresso vai se dar muito mal." Essa máxima de Henry Kaiser, pregada na parede de uma das "ciberlojas" de Palo Alto, onde os freqüentadores podem se conectar à Internet, transmite a impressão de que aqueles "que se darão mal" serão provavelmente os que estão longe do Vale do Silício e do tipo de economia que ele representa.
Um indício dessa possibilidade é o domínio dos gigantes da alta tecnologia dos Estados Unidos sobre a velha elite industrial. A capitalização de mercado da Intel, da Microsoft e da Cisco reunidas é quase o triplo da apresentada pelas três grandes montadoras de Detroit, apesar de o faturamento dessas indústrias automobilísticas ser dez vezes maior do que as das empresas de alta tecnologia (ver tabela).
Não se trata apenas uma questão de tecnologia. Há apenas dez anos, acreditava-se que o hierárquico setor de alta tecnologia do Japão estava a ponto de subjugar, o Vale do Silício. Hoje, ele parece um estudante submisso. Fujitsu, Mitsubishi e muitas outras empresas japonesas criaram subsidiárias na área de capital de risco no Vale do Silício, tentando assimilar a cultura local. A NEC tem um programa especial de treinamento para executivos, chamado "The West Coast School" (Escola da Costa Oeste). Conta-se uma história - sem dúvida apócrifa - segundo a qual os diretores de uma empresa japonesa de produtos eletrônicos japonesa tinham grande dificuldade para traduzir o lema da Sun: "Kick butt and have fun" (Zombe dos outros e divirta-se).
Entretanto, apenas ser o melhor entre várias alternativas não torna um lugar perfeito; nem o protege das mudanças. Esta série de artigos afirmou que a emergência de outros aglomerados "high tech", juntamente com o efeito a longo prazo da Internet, farão do Vale do Silício algo mais do que um "primus inter pares". Especialmente, o Vale se tornará cada vez menos um local e mais um processo: uma forma de gerar novas idéias e jovens empresas.
Ameaças
Existem dois tipos de ameaça para o Vale do Silício: um externo e outro interno. A ameaça externa que o Vale mais teme é a mudança do clima político. Por exemplo, se o governo americano viesse a adotar uma política protecionista, antiimigratória, como foi proposto pelo republicano Pat Buchanan na campanha eleitoral do ano passado, o efeito sobre o Vale seria devastador.
É difícil exagerar o quão à frente do governo americano o Vale do Silício avançou. Até mesmo as estatísticas são um atoleiro. Ninguém em Washington ainda fez os cálculos da produção de uma empresa criadora de software, ou resolveu em que categoria de trabalho encaixar os designers da World Wide Web (no momento, eles integram a categoria de "serviços comerciais, não classificados em outras partes"). Recentemente, o governador da Califórnia, Pete Wilson, queixou-se de que os indicadores econômicos gerados em Washington eram "virtualmente irrelevantes para a nova economia da Califórnia".
Contudo, o abismo que separa os políticos americanos e o Vale do Silício não tem a ver apenas com a incompetência de Washington. Até há pouco tempo, o Vale tentava se manter o mais distante possível da política, mas isso está mudando ligeiramente. Na eleição de 1992, Bill Clinton conseguiu um grupo de executivos da área de alta tecnologia a apoiarem-no. No ano passado, em questão de dias, o Vale do Silício levantou - a quantia de US$ 40 milhões para derrubar uma iniciativa a ser votada na Califórnia, a qual tornaria mais fácil aos acionistas a abertura de processos contra empresas high tech. Essa demonstração de influência financeira provocou um "frisson" em Washington, mas a maioria dos que contribuíram com dinheiro considerou isso um fato isolado.
Para os "nerds" do Vale do Silício, "o governo é, definitivamente, a grande empresa" e não querem nada com ele. O que é ótimo, caso signifique que eles não tentarão passar o chapéu em Washington, como é o caso do setor automobilístico. Mas sua posição decididamente apolítica reflete também sua quase completa falta de interesse no tipo de sociedade que está se desenvolvendo em torno deles. O que, por sua vez, cria uma ameaça que vem de dentro do Vale.
Um resultado óbvio dessa falta de interesse é a infra-estrutura frágil do Vale. Estima-se que os atrasos no transporte custem às empresas do Vale do Silício US$ 3,4 bilhões ao ano. Durante as horas do "rush", a auto-estrada 101 parece muitas vezes uma área de estacionamento. E, como o nível de emprego na região vem subindo aproximadamente duas vezes mais rápido do que a mão-de-obra local, há cada vez mais empregados vindos de fora do Vale que precisam viajar para o trabalho.
Outro problema ainda maior é o da educação. Como salienta Doug Henton, do Collaborative Economics, o Vale do Silício irá se abastecer de sua riqueza mais importante - pessoas inteligentes - na comunidade local. No nível mais elevado, Stanford, que é uma universidade privada, e Berkeley, que não é, continuam a formar estudantes excelentes, mas as matrículas em universidades e faculdades públicas vêm declinando nos últimos anos. As escolas públicas do Vale são desprezadas. Apesar da importância da Internet para a economia local, no fim do ano passado quase um terço das escolas em Santa Clara e San Mateo ainda não tinha conexões rápidas com a rede.
Desigualdade
Porém, ao mesmo tempo, o Vale do Silício está ficando cada vez mais meticuloso a respeito de quem empregará. Até o inicio dos anos 90, a destreza manual era, freqüentemente, o necessário para garantir um emprego; hoje, um em cada três adultos de Santa Clara tem formação universitária (para os EUA, a proporção é de um em cinco). Crianças de ambientes mais pobres terão dificuldade em se preparar para a era da informação. Um estudo nacional realizado pela organização Children's Partnership, com sede em Santa Monica, concluiu que apenas 14% dos estudantes de baixa renda têm computador em casa, em comparação com os 82% nas famílias abastadas.
Até o momento, essa desigualdade não foi mostrada nas estatísticas. Os índices oficiais relativos ao condado de Santa Clara (que, no entanto, referem-se apenas até 1993) mostram que as rendas, tanto no caso dos 25% mais ricos como dos 25% mais pobres, estão aumentando na mesma proporção. Mas Stephen Levy, um economista local, aponta para o paradoxo latente: "Essas pessoas que integram o aglomerado participam de forma mais ampla. Mas o problema é com aquelas pessoas que não estão absolutamente participando".
Há casos verídicos que indicam a presença de uma subclasse não catalogada estatisticamente. Um entre quatro habitantes da região é de origem latina, porém este grupo está sub-representado de forma impressionante entre os funcionários de escritório do Vale. Esses grupos não partilham do estilo de vida abastado da região. Quando uma tempestade arrancou o telhado de dois edifícios em East San José, no ano passado, revelou 300 pessoas vivendo em apenas 42 apartamentos.
A razão pela qual o Vale do Silício parece tão uniformemente rico é que sua população menos educada e mais pobre ficou afastada devido aos gastos exorbitantes necessários para se viver na região, e do alto nível de qualificação educacional que é exigido. Pelo menos um em cada cinco habitantes de Santa Clara viveu em algum outro lugar nos últimos cinco anos. E o interessante é que os indicadores de renda, no caso da Califórnia como um todo - assim como, em menor extensão, no caso dos EUA - mostram um fosso cada vez maior entre ricos e pobres.
Tudo isso faz o Vale do Silício parecer uma versão amplificada de uma das criações menos atraentes da Califórnia, a comunidade fechada: rica, elitista e isolada. É difícil ver por que o Vale do Silício desistiria de ser rico e elitista: essas qualidades são o outro lado do sucesso e da meritocracia. Mas será necessário ser tão isolado? O fato cruel é que, com algumas notáveis exceções (pensamos em David Packard), a riqueza do Vale do Silício não flui para a comunidade como um todo.
Normalmente, apresentam-se três explicações para isso. Primeiro, a maior parte dos multimilionários do Vale ainda é jovem e não chegou na fase de fazer obras de caridade. Segundo, sua indústria é tão competitiva que grande parte do seu dinheiro tem de ser reinvestida em suas empresas (promovendo, assim, o sucesso a longo prazo do grupo). Em terceiro lugar, ao contrário dos Rockefellers e Du-Ponts, os ricos do Vale do Silício não se sentem culpados pela forma como enriqueceram ou como gastam seu dinheiro.
Talvez ainda seja cedo para prognósticos. Em 1992, foi criada a Joint Venture Silicon Valley (JVSV), com a finalidade de se tornar "um novo modelo dinâmico para o rejuvenescimento da região". Sua diretoria abrange a maior parte da elite do Vale do Silício (um de seus "chairmen" é Lew Platt, principal executivo da Hewlett-Packard. A JVSV vem se saindo notavelmente bem em transformar o Vale num local mais fácil para a realização de negócios, convencendo todas as cidades locais a reduzirem suas regulamentações, promovendo, uma rede Internet local chamada Smart Valley, e criando um fundo com financiamento privado, no valor de US$ 23 milhões, para apoiar a educação local. JVSV é amplamente responsável pelas novas conexões da Internet nas escolas e por convencer 11 mil pessoas ligadas à tecnologia a visitarem as escolas num dia especial, "Smart Valley NetDay".
OPORTUNIDADES
Em um novo livro muito otimista, "Grassroots Leaders for a "New Economy: How Civic Entrepreneurs are Building Prosperous Communities" ("Líderes Populares em Defesa de uma Nova Economia: Como Empreendedores Cívicos Estão Criando Comunidades Prósperas, ed. Jossey-Bass), Henton insiste em que o modelo econômico colaborativo do Vale do Silício pode ser estendido para a comunidade local, e que esses novos "empreendedores cívicos" preencherão o vácuo entre os setores privado e estatal.
Por outro lado, a capacidade de o Vale do Silício criar riquezas depende de sua objetividade e de conseguir se manter uma indústria enxuta. Se olharmos a tabela que compara as grandes três empresas de tecnologia com as três grandes montadoras, notaremos como as montadoras, apesar de suas avaliações inferiores, empregam um milhão a mais de trabalhadores. Mesmo a Hewlett-Packard, que atua segundo o generoso "caminho HP" (HP Way), de Packard, está sempre alerta no tocante à sua folha de pagamento, que cresceu apenas um quinto desde 1985, embora seu faturamento tenha aumentado quase seis vezes.
Certamente, o Vale do Silício não é o paraíso. Mas como esta série de artigos deixou claro, há muitas coisas ali que merecem ser admiradas: sua ênfase no mérito, sua tolerância, sua abertura para novas idéias, seu desejo comum de fazer do futuro um lugar melhor. E, sobretudo, é melhor do que as demais alternativas. Como disse Ed Zschau, empresário e político local: "Uma sociedade plena de oportunidades, na qual existe alguma disparidade entre níveis diferentes de sucesso, seguramente é melhor do que a pobreza generalizada". Apesar de todas as falhas do Vale do Silício, é difícil imaginar um lugar melhor preparado para o século XXI.
Notícia
Gazeta Mercantil