O mundo pode estar muito próximo de obter medicamentos e vacinas contra o coronavírus, a julgar pelos avanços científicos obtidos em diversos países, entre eles China, Estados Unidos e Itália, pondo fim a esse flagelo que nos atormenta no curto e médio prazo.
Essa é a expectativa da classe médica e de multidões que se perguntam como um vírus tão perigoso e letal pode ter surgido de repente do outro lado do planeta para matar tanta gente no Ocidente e em nações adiantadas, que se julgavam no topo da ciência e da tecnologia e praticamente imunes a doenças que seriam mais apropriadas ao Terceiro Mundo.
Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão de assessoramento da Presidência da República, embora não haja medicamento ou vacina com eficácia comprovada contra a peste chinesa, governos e organizações internacionais vêm intensificando esforços no desenvolvimento e testagem de soluções farmacológicas e outros tipos, como terapias com células-tronco.
A expectativa é acelerar a obtenção de resultados, dado que o desenvolvimento de novos medicamentos pode levar mais de dez anos. Duas estratégias estão sendo seguidas, o desenvolvimento de novos componentes e pesquisas clínicas com medicamentos já testados e aprovados para outras doenças.
Desde que cientistas chineses divulgaram, pioneiramente, o sequenciamento genético do novo vírus, no início de janeiro, iniciou-se uma corrida entre empresas e institutos de pesquisa de vários países para o desenvolvimento de uma vacina. Segundo a OMS, há atualmente 50 projetos sendo desenvolvidos por mais de 30 empresas e institutos de pesquisa ao redor do mundo.
Dois desses, um nos EUA e outro na China, entraram em março na primeira fase de pesquisa clínica e mais três projetos, desenvolvidos na China, na Alemanha e na Austrália, devem encerrar a fase de pesquisa experimental (pré-clínica) nos próximos meses. A ciência brasileira não está de fora desta corrida.
Pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP, em projeto originalmente financiado pela Fapesp, estão também desenvolvendo uma vacina contra o Sars-Cov-2 e devem, em breve, iniciar a fase de testes em animais. Caso os resultados de sua eficácia sejam positivos, a equipe espera estabelecer parcerias com outras instituições para acelerar o desenvolvimento da vacina.
No caso do projeto em estágio mais avançado desenvolvido nos EUA, está sendo utilizada uma tecnologia conhecida como RNA mensageiro (mRNA), baseada em material sintetizado artificialmente a partir do código genético do vírus. O projeto brasileiro também utiliza uma tecnologia avançada, a chamada VLP (virus-like particle), com base em partículas que imitam o vírus.
Segundo os pesquisadores, este método não envolve a inserção de material genético do vírus no corpo humano, o que torna a vacina mais segura que as demais, uma vantagem significativa no caso de vírus pouco conhecido como o Sars-Cov-2. Os projetos mais avançados ainda vão precisar passar por testes de eficácia e, caso obtenham sucesso, será necessário montar uma estrutura capaz de produzir em larga escala para atender a imensa demanda mundial.
A expectativa é que uma vacina esteja disponível até o final de 2021. A empresa responsável pelo projeto mais avançado nos EUA, mesmo considerando a incerteza em relação aos resultados dos testes clínicos recém começados, já deu início à compra de equipamentos para produção da vacina.
Simultaneamente aos investimentos em vacinas para combate ao novo coronavírus, começarão a ser realizadas também pesquisas com medicamentos já existentes. Em diferentes países, equipes médicas vêm utilizando medicamentos desenvolvidos para outras doenças em pacientes em distintos estágios da Covid-19. Embora haja indícios de resultados positivos, nenhum estudo científico a respeito da eficácia de tais tratamentos para Covid-19 foi concluído.
Diante disso, na segunda quinzena de março, a OMS anunciou uma iniciativa que envolverá instituições de inúmeros países para pesquisa clínica de quatro possibilidades diferentes de tratamento. A primeira delas é a combinação de antirretrovirais utilizados em pacientes portadores de HIV, o Ritonavir e Lopinavir. Uma segunda possibilidade será a combinação destes com o Interferon-beta.
Estão sendo testados ainda a cloroquina e a hidroxicloroquina, utilizados na prevenção e tratamento da malária, e o Remdesivir, um antiviral desenvolvido para o combate ao Ebola. Para conseguir realizar pesquisa com um grande número de pacientes em intervalo de tempo curto, o teste seguirá procedimentos simples e não terá o rigor característico de pesquisas clínicas.
Os registros serão feitos diretamente no site da OMS. O médico irá inserir os dados básicos do paciente, incluindo condições pré-existentes, como diabetes ou hipertensão. O sistema indicará, de forma aleatória, se o médico deve ministrar um dos quatro tratamentos a serem testados ou se deve seguir o protocolo padrão do hospital. Ao final, o médico deverá indicar quanto tempo durou a internação, se ao longo do tratamento foi necessária a utilização de ventilação ou oxigênio, e qual foi o resultado, se o paciente veio a óbito ou deixou o hospital.
Um termo de consentimento assinado pelo paciente deverá ser digitalizado e enviado para a OMS. Os resultados serão analisados de forma periódica por um comitê, o qual decidirá se algum dos medicamentos deve deixar de ser testado e ser substituído por um outro que não consta da lista inicial. A expectativa é que a pesquisa conte com milhares de registros em espaço de tempo muito curto.
O Brasil também fará parte desta iniciativa. O estudo será coordenado pela Fiocruz, contará com apoio do Ministério da Saúde e do Ministério de Ciência e Tecnologia e deve envolver a participação de 18 hospitais em 12 estados diferentes. Um estudo complementar a este, denominado DISCOVERY e coordenado pelo Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (INSERM) da França, foi lançado também em março e será conduzido de forma simultânea.
Pesquisas com medicamentos que já estão no mercado vêm sendo conduzidas no Brasil também pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Diferente das iniciativas anteriores, não se trata ainda da realização de testes clínicos, mas da procura de moléculas em medicamentos já testados que sejam capazes de inibir proteínas contidas no vírus.
Na primeira etapa da pesquisa, são realizados testes de interação das moléculas com as proteínas, utilizando dados da proteína e ferramentas de biologia computacional e inteligência artificial. Na etapa seguinte, as moléculas aprovadas passarão por testes in vitro com células infectadas para verificar sua eficácia em bloquear a replicação do vírus. Mais de dois mil fármacos já passaram pelas análises computacionais e cinco foram aprovados para a segunda etapa.
O fato é que o mundo não pode continuar parado, muito menos uma cidade como Nova York, o principal centro financeiro do planeta, o que vai gerar muita dor de cabeça em breve em virtude da profunda recessão que se aproxima. O enfrentamento de uma epidemia como essa requer, mais do que nunca, a opinião especializada e bem informada de cientistas e pesquisadores que conhecem e têm capacidade de pesquisa sobre a dinâmica da doença e de sua transmissão.
Por ser uma doença nova, requer também que sejam produzidas as respostas necessárias e ainda inexistentes para o controle e mitigação de seus impactos na sociedade. E até mesmo, para calibrar as medidas adotadas, a fim de minimizar os impactos negativos na economia. Isso exige esforço conjunto e o fim dos nocivos ingredientes políticos que estão sendo adicionados diariamente no combate ao vírus.
Isso demandaria, contudo, coordenação governamental e transparência nas informações sobre a doença, dois elementos aparentemente ausentes na atuação do governo brasileiro até o momento. Existe pouquíssima informação sobre a situação da doença no Brasil: mais do que a evolução dos casos, dados epidemiológicos mais completos deveriam estar disponíveis, assim como o número de testes já realizados e a capacidade de oferta desses testes no país, apenas para citar alguns exemplos.
A coordenação governamental para ampliar pesquisas na área seria crucial para melhor entender e se preparar adequadamente para o que está por vir. Diversos países mobilizaram seus cientistas e pesquisadores e disponibilizaram linhas de suporte para novas pesquisas necessárias para fazer frente à epidemia. Cientistas e pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa deveriam estar sendo mais ouvidos e apoiados para produzir novos conhecimentos sobre o tema.
No que diz respeito ao tratamento e à prevenção, é importante salientar que a obtenção de uma vacina ou de um tratamento só será possível, no tempo demandado pela evolução da doença, graças ao investimento realizado e ao conhecimento acumulado em anos de pesquisa na área. O Brasil, a despeito da fragilidade de sua estrutura de pesquisa e da redução recente dos investimentos em C&T, ainda vem se mostrando capaz de contribuir em momento tão grave quanto o atual.
Deixar de dar prioridade a tais investimentos nesse momento por receio de não ser possível concorrer com outros países na vanguarda do desenvolvimento científico e tecnológico seria ignorar as evidências e colocar em risco a capacidade de resposta futura da ciência brasileira em área tão relevante, concluiu o Ipea.