Notícia

A Tribuna (Santos, SP)

No ombro de gigantes (1 notícias)

Publicado em 22 de julho de 2002

Qual a ligação entre a China de 4.500 anos no passado e a Esparta dos gladiadores? Que outras características em comum teriam os egípcios com os povos pré-colombianos da América Central, além das pirâmides? Para muitos historiadores, um dos elos entre épocas e povos tão distintos é o futebol, ou, pelo menos, os rudimentos desse esporte, que se transformou ao longo dos últimos 100 anos num fenômeno sem parâmetros na história da humanidade. Sua força é capaz de alavancar indústrias, influir nos destinos políticos de um povo, atiçar conflitos regionais e até suspender belicosas disputas entre nações. SEGREDOS Da psicologia à matemática, da física à antropologia, diversas áreas do conhecimento tentam desvendar os enigmas do futebol. O que o faz tão popular? Quais os seus segredos? Que leis regem essa mágica? Foi na busca por alguma dessas respostas que o físico santista Marcos Duarte, da Universidade de São Paulo (USP) se debruçou nos últimos meses. Lá, de seu Laboratório de Biofísica, Duarte desvenda uma das jogadas mais espetaculares desse esporte milenar, o chute de bicicleta. E para isso, ele volta quase 400 anos na história, bebendo na fonte de outro gênio, Issac Newton, físico, matemático e astrônomo inglês, nascido em 25 de dezembro de 1642 na cidade de Woolsthorpe. "Se enxerguei além dos outros é por que estava no ombro de gigantes", disse Newton. E foi ungindo esses dois gigantes que Duarte demonstrou o quanto a Ciência está presente no nosso dia-a-dia. FEITIÇO Newton diz que "a velocidade da queda de um corpo é proporcional à força da gravidade e inversamente proporcional ao quadrado da distância até o centro da Terra". Complicado? Talvez. Mas aí entra em cena o gênio da bola, enfeitiçando nossos olhos, tornando tudo simples e harmonioso como a natureza que Newton tanto se esforçou em entender. A Terra é a bola. O corpo em queda é Pele Nesse instante mágico, o resumo de eras de conhecimento. Newton, caso não se lembre, é aquele cuja lenda diz que observando a queda de uma maça revolucionou o conhecimento humano. Esse fenômeno o levou a pensar que haveria uma força puxando a fruta para a Terra e que essa mesma força poderia, também, estar puxando a Lua, impedindo-a de escapar de sua órbita. A gravidade. Ah se Newton visse o camisa 10 do Santos e da Seleção. Quanta inspiração esse inglês, cujos descendentes criaram as regras do maior esporte do Planeta, teria para dar asas a sua incrível imaginação. E se eles inventaram a regra, tão ao gosto de bretões como Newton, Pele tratou de reinventá-la. Com certeza, Edson - cujo nome foi escolhido em homenagem a outro gênio, Thomas Edson, autor de mais de 1.200 inventos - jamais teria imaginado que suas conquistas dentro de campo acabariam analisadas por cientistas. Divina premonição de dona Celeste e seu Dondinho, os pais daquele jovem que chegou à Vila Belmiro quando outro gênio, Leônidas da Silva, já encantava os brasileiros com suas bicicletas. O INVENTOR Mas, para Marcos Duarte, nem Leônidas nem o espanhol Ramon Unzaga, o "inventor" da bicicleta em 1914, foram capazes de oferecer ao mundo e aos físicos, um lance tão perfeito como o fez Pele. "Para a física, é de Pele a bicicleta perfeita, um movimento único, quem sabe, inigualável em todos os esportes", diz esse pesquisador santista, cujos trabalhos sobre o equilíbrio humano têm o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O futebol e seu gênio maior é isso. Pura Ciência, que você poderá constatar ao longo de toda esta edição, um misto de homenagem ao Rei do Futebol e ao País que fez desse esporte, um laboratório de emoções. (Mais informações na página 4).