Um polímero (nome genérico dos plásticos) criado por um cientista brasileiro da Universidade de São Paulo nos anos noventa substitui partes ósseas. É tão bem aceito pelo organismo, que se transforma em osso. E não é ficção
Um pedaço de osso quebrado pode ser trocado por outro, de plástico, com uma vantagem inigualável: com o tempo, o plástico vira osso. Não é ficção nem o último invento surgido nos Estados Unidos que um dia chegará ao Brasil - se chegar.
Na verdade, uma empresa americana anunciou a novidade, na semana passada. Mas o plástico que vira osso, e livra as pessoas de fraturas e outras complicações ósseas, é coisa antiga em nosso país.
O polímero (designação genérica de plástico) biomédico foi criado em 1992 por um cientista brasileiro, o doutor Gilberto Chierice, da Universidade de São Paulo, USP, câmpus de São Carlos, no interior paulista (235 quilômetros da capital). Desde então, peças feitas com esse polímero têm sido usadas em salas de cirurgias de alguns Estados brasileiros, da Argentina e, agora, dos Estados Unidos.
E novas possibilidades para seu uso - até como fio para corrigir deformações nos ossos do rosto -têm sido aprimoradas. Uma pessoa acidentada, que perdeu uma parte da calota craniana, pode receber uma prótese de polímero feita sob medida. Será como recuperar a parte perdida.
O polímero de Gilberto desde logo duas vantagens: é feito da mamona, vegetal abundante e barato; e não sofre rejeição do organismo. Ao contrário: é muito bem-vindo.
Numa explicação para leigos, Gilberto diz que o organismo "enxerga" como uma gordura sólida um pedaço do polímero colocado em alguma parte do corpo. Por isso não oferece reações agressivas. "O organismo 'enxerga' o polímero como uma coisa parecida a que ele já tem, que são as células de gordura. Ele é induzido pelo próprio polímero a criar células ósseas e acaba virando osso."
A fórmula do polímero é em princípio simples: derivados de óleo de mamona, mais cálcio. A fabricação, nem tanto: "Eu desmonto as moléculas do óleo e construo numa nova molécula." O polímero resultante tem outra importante propriedade: grande resistência. Resiste a 500 quilos por centímetro quadrado.
Um procedimento de resultados surpreendentes tem sido o uso do polímero em estado líquido. Esse líquido é injetado, pelas costas do paciente, em uma vértebra fraturada e cobre todas as fraturas. Em quarenta minutos se solidifica. Não há mais fraturas. A dor desaparece. Em seis horas, o ex-doente começa a caminhar, curado.
Outra aplicação é substituir a cabeça do fêmur - o osso da coxa. Um acidente ou um tumor pode destruir essa parte, que tem forma esférica. O habitual ainda é substituir o corpo esférico por uma prótese de liga de titânio, ou mesmo aço inoxidável - também resistentes.
"Mas esses materiais são agressivos", diz Salvador Claro Neto, da equipe de Gilberto. Não têm a elasticidade e a viscosidade da próteses de polímero. As próteses metálicas são cimentadas com acrílico. Haveria um ganho, diz Salvador, se fosse com o polímero.
No caso da reposição da calota craniana há outras exigências. Os contornos da área a ser coberta (o buraco na cabeça da pessoa) são irregulares - e a prótese tem que ter precisão milimétrica. Para obtê-la, imagens de tomografia, da cabeça do paciente, são usadas para se criar uma peça virtual, em terceira dimensão, no computador.
Depois, o computador comanda uma injetora e produz-se uma peça que corresponde perfeitamente à parte óssea que falta na cabeça do paciente. Mas é só um molde, em plástico convencional. Com o molde, faz-se a peça definitiva, em polímero, que será colocada no paciente.
As possibilidades para o emprego do polímero de Gilberto são amplas. Uma delas, é a substituição do silicone. Uma prótese do polímero que veio da mamona seria muito mais barato do que o silicone convencional.
Notícia
Jornal da Tarde