Esqueça as dietas da moda. O frango com salada que enxugou as medidas de muita gente pode não ser tão benéfico para você. É que a singularidade biológica dos organismos, determinada pelo DNA, faz com que o efeito dos nutrientes seja diferente em cada corpo. É o princípio da nutrigenômica, área do conhecimento que começa a ganhar força no Brasil.
A agência sanitária americana, Food and Drug Administration (FDA), criou até uma divisão para pesquisar a nutrigenômica. Para os cientistas, essa proposta, que faz a ponte entre comida e genética, revolucionará o conceito de alimentação saudável. Isso não significa que gordura ou sal em excesso possam um dia ser considerados bons para a saúde. Mas que todo profissional terá de levar em conta aspectos mais complexos que o número de calorias ao prescrever uma dieta. Será preciso ter um olhar detalhado para o DNA do paciente.
A nutrigenômica também pode atuar na prevenção e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, como problemas cardiovasculares, diabete, obesidade e câncer. É a grande aposta dos pesquisadores. Isso porque os genes não são estáticos: sofrem interferências da alimentação e são suscetíveis aos fatores do meio ambiente, como poluição e radiação solar.
A ideia é investigar como os nutrientes e os compostos presentes nos alimentos afetam os genes - tanto na recuperação dos tecidos quanto no ataque à saúde. Será possível, por exemplo, controlar esses mecanismos pelo simples ato de comer ou deixar de ingerir o alimento cuja propriedade atue diretamente sobre o gene envolvido no desenvolvimento de uma determinada doença.
A evolução da nutrigenômica tem relação com a decodificação do genoma humano. Descobriu-se que somos 99,9% parecidos e 0,1% diferentes. Mas essas diferenças fazem com que cada pessoa responda de modo diferente aos mesmos estímulos, afirma a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Lúcia Regina Ribeiro, coordenadora da Rede Brasileira e Latino-Americana de Nutrigenômica - única instituição nacional especializada na temática.
As diferenças genéticas podem explicar porque nem todos conseguem baixar o colesterol reduzindo o consumo de gordura. Nesse caso, tudo depende do código genético que cada corpo tem para a proteína responsável pela absorção do colesterol. Os alimentos certos vão até o DNA e ligam o interruptor da saúde e desligam o da doença, explica a nutricionista Sandra Melo, doutora em Ciência dos Alimentos pela Universidade de São Paulo (USP) e uma das pioneiras no estudo da nutrigenômica no País.
Coordenadora do Laboratório de Biologia Molecular do Setor de Lípides da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a cardiologista Maria Cristina Izar crê que os dogmas da nutrição devem cair por terra com o avanço desse ramo. Hoje se diz que tantas gramas de fibras por dia são ideais em qualquer dieta, como se todos tivessem a mesma resposta a esse alimento. Quando não se conhece a composição dos genes, há a tendência de padronizar condutas, o que nem sempre funciona, avalia.
Berço
Para os pesquisadores, outra revolução é que a alimentação correta pode vir desde o berço. Seria possível saber que, se ele evitasse determinado nutriente, poderia não se tornar diabético, diz Maria.
Dentro de alguns anos, creem os especialistas, não haverá espaço para dietas generalistas. Cada paciente terá uma intervenção mais específica, diz Thomas Ong, professor do Laboratório de Dieta, Nutrição e Câncer, da USP. No futuro, alguns pontos vão permanecer gerais na nutrição, como o corte do excesso de sal ou de açúcar refinado, mas vai apontar também quem deve tomar mais cuidado com o sal ou o excesso de gorduras, conclui.
Vitamina D influencia mais de 200 genes
Um novo estudo acaba de ampliar - de maneira contundente - as evidências de que a deficiência de vitamina D poderia aumentar os riscos de desenvolvimento de muitas doenças.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados nesta segunda-feira (23/8) na revista Genome Research, relacionou pontos nos quais a vitamina D interage com o DNA e identificou mais de 200 genes que são influenciados diretamente pela vitamina.
De acordo com o estudo, estima-se que 1 bilhão de pessoas no mundo tenham carência de vitamina D, devido a fatores como insuficiência de exposição ao sol ou uma dieta pobre em nutrientes.
Além de ser conhecida como fator de risco para o desenvolvimento de raquitismo, há evidências de que a falta de vitamina D também estaria relacionada ao aumento da suscetibilidade a condições como esclerose múltipla, artrite reumatoide e diabetes, bem como demência e alguns tipos de câncer.
No novo estudo, feito no Reino Unido, os cientistas utilizaram tecnologia de sequenciamento genético para criar um mapa das ligações dos receptores de vitamina D pelo genoma. Esse receptor é uma proteína ativada pela própria vitamina, que, por sua vez, liga-se ao DNA e influencia quais proteínas são feitas a partir do código genético.
Os pesquisadores identificaram 2.776 pontos de ligação para o receptor por toda a extensão do genoma humano e verificaram que esses locais estão concentrados anormalmente próximos a genes associados a suscetibilidade a problemas no sistema imunológico.
O trabalho também mostrou que a vitamina D tem um efeito importante na atividade de 229 genes, entre os quais o IRF8, que já foi associado com esclerose múltipla, e o PTPN2, ligado a diabetes do tipo 1 e com a doença de Crohn, que atinge o intestino.
"O estudo mostra dramaticamente a ampla influência que a vitamina D tem sobre nossa saúde", disse Andreas Heger, da Universidade de Oxford, um dos autores da pesquisa. (Agência FAPESP)