O Ceará é o Estado brasileiro com o maior número de casos de chikungunya registrados: foram 77.418 nos últimos 10 anos. O número de mortes pela doença é superior ao da dengue. Ambas são transmitidas por mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus.
Na última década, o Estado contabiliza 1,3 morte por chikungunya a cada 1.000 casos diagnosticados, enquanto a taxa de mortalidade da dengue foi de 1,1 por 1.000. A informação é de um estudo epidemiológico publicado na revista The Lancet Microbe em 6 de abril. Eis a íntegra (2 MB).
A partir das análises, pesquisadores determinaram o padrão de disseminação da chikungunya e os fatores de risco que podem servir de base para a elaboração de estratégias efetivas de controle, prevenção e tratamento.
Quando o vírus causador da doença foi introduzido no Brasil, há quase 10 anos, especialistas acreditavam que ele repetiria a dinâmica que já havia apresentado em outros países, como a Índia. Lá, é registrada uma ou, no máximo, duas ondas curtas e explosivas, com exposição de grande parte da população, seguidas de um hiato considerável de anos.
Porém, o que se observa nas Américas são epidemias consecutivas e recorde de casos –mais de 1,2 milhão registrados. Não há vacinas ou medicamentos para prevenir ou tratar a infecção.
Por apresentar 4 genótipos distintos, a dengue pode causar 4 eventos de contaminação. Já o vírus da chikungunya não deveria causar reinfecções.
Para entender as causas do diferenciado padrão americano de disseminação, pesquisadores do Imperial College (no Reino Unido), do Laboratório de Saúde Pública do Ceará, do Ministério da Saúde, da Unicamp (Universidades Estadual de Campinas), USP (Universidade de São Paulo), UFRR (Universidade Federal de Roraima) e University of Texas Medical Branch (nos EUA) se debruçaram sobre dados de sequenciamento genômico, de distribuição de vetor e informações epidemiológicas de casos confirmados.
O estudo, que contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), mostrou que, de março de 2013 e junho de 2022, o país enfrentou 7 ondas epidêmicas, com 253.545 casos confirmados por laboratório em 3.316 municípios (59,5%).
As regiões funcionaram como um “pequeno bolsão” da doença e foram afetadas de forma diferente em cada momento. No Ceará, os municípios que mais sofreram nas duas primeiras ondas foram os que menos somaram casos na 3ª.
“Os resultados mostram que a dinâmica da dispersão do chikungunya é diferente da observada no caso da dengue e, provavelmente, da zika. Ele [o vírus] não está reinfectando a população, mas causando surtos explosivos em lugares com baixa exposição prévia ao vírus”, explicou William Marciel de Souza, pesquisador da University of Texas Medical Branch, um dos autores do estudo.
Segundo outra autora da pesquisa, Shirlene Telmos Silva de Lima, pesquisadora do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará e da Unicamp, “como o Brasil é um país de dimensões continentais e o mosquito transmissor está virtualmente presente em todos os municípios, vivemos um ciclo interminável”.
“Mudamos ainda um paradigma importante com este estudo: o de que apenas a dengue seja uma doença grave. Chikungunya, além de debilitante, é também mortal”, completou.
O mapeamento também indicou fatores de risco envolvidos nas infecções sintomáticas, mais prevalentes em mulheres, e nas mortes, mais frequentes em crianças e idosos, que possuem sistemas imunes menos fortalecidos.
Saúde pública
De acordo com os pesquisadores, o panorama traçado pelo estudo indica que as subsequentes epidemias de chikungunya não serão encerradas sem intervenções de saúde pública. Como evidência, citaram o surgimento de uma nova onda em 2023. Os locais mais afetados são: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Tocantins.
“Considerando o tamanho continental do Brasil, com mais de 5.000 municípios, nosso trabalho fornece conhecimento para estudos posteriores determinarem e priorizarem áreas mais suscetíveis a chikungunya, o que ajudará na criação de ações mais focadas de agentes de saúde pública’, disse de Souza. “Além disso, capacitar médicos que atendem grupos mais suscetíveis a mortes para realizar intervenções com agilidade.”
O professor da Unicamp José Luiz Proença Módena ressaltou a importância da vigilância permanente para detectar os bolsões de circulação do vírus e intervir com medidas de controle do vetor e manejo dos doentes.
“Chamo atenção ainda para a importância da vigilância genômica, já que muitas das inferências deste trabalho só puderam ser feitas a partir do sequenciamento do genoma do vírus e só não conseguimos nos aprofundar ainda mais porque faltam dados. É preciso investir em estudos relacionados não apenas para chikungunya, mas para outros vírus que circulam no país, como os arbovírus amazônicos”, explicou Módena.
A pesquisa também recebeu apoio de instituições como Burroughs Wellcome Fund, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Global Virus Network, Medical Research Council e Wellcome Trust.
Com informações da Agência Fapesp.