Ela revelou embates durante sua formação e milagres vividos dentro de casa
A neurocientista cristã Rosana Alves defende o diálogo entre ciência e religião. Ela ainda afirma que os métodos científicos são capazes de demonstrar Deus. A especialista é formada em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Como se não bastasse, decidiu fazer três programas de pós-doutorado, sendo o último nos Estados Unidos, onde reside. Em uma visita ao Brasil, concedeu uma entrevista ao Pleno.News e explicou mais sobre suas ideias e revelou próximos projetos, que incluem audiobook, curso online e novas pesquisas.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Vocês está acumulando títulos e se tornando uma referência na neurociência. Você sempre quis ser cientista? Já tinha esse desejo?
Eu acho que tinha esse desejo na infância não sabia que tinha, e fui me encontrar com isso depois na graduação. Sempre fui uma criança muito curiosa para saber o que acontece dentro do nosso corpo e eu ficava assim: “como pode a cenoura que eu comi ficar tão pequenininha para chegar na minha vista e eu enxergar melhor?”. Eu ficava enchendo meus pais com esse tipo de pergunta. Eu sempre gostei de estudar muito e, quando fui para a graduação, encontrei uma professora que era neurocientista e aí eu descobri que esse era o caminho que eu queria seguir.
E seus pais te incentivaram nesse início?
A escolha do curso de graduação em Psicologia foi pela minha mãe. Foi no meio de uma brincadeira com ela, eu estava preenchendo aqueles formulários de vestibular, e eu já havia preenchido de duas faculdades e no terceiro eu brinquei com a minha mãe: “que curso você acha que eu devia prestar?”. Aí ela falou Psicologia. E eu falei que não, não tem nada a ver comigo, eu gosto de Exatas, coisas mais palpáveis, não nasci para ficar conversando com as pessoas. Era a minha impressão. Aí minha mãe me deu um motivo muito forte para fazer Psicologia como cristã.
Qual?
Minha mãe disse assim: “filha, os homens, as igrejas, estão estudando muito sobre Deus, quase nada sobre o ser humano e estão tentando ligar os dois. Não está dando certo. Então você pode ser alguém que vai ajudar nesse aspecto”. Entender que o sofrimento psíquico é inerente ao ser humano desde que o pecado entrou no mundo. Eu sou cristã, então acredito assim também. E aí eu deu a oportunidade para Deus. Se não fosse Psicologia eu iria saber no resultado do vestibular.
Era o primeiro ano que você estava prestando (a prova)?
O primeiro ano. Aí eu fui prestar o vestibular na Universidade Estadual Paulista (Unesp), mas eu não sabia que naquele ano havia saído que aquele era o melhor curso de Psicologia da América Latina. Claro que, se eu soubesse, talvez nem teria prestado.
Você prestou sem saber disso?
Sem saber, totalmente ingênua. Ninguém na minha família havia prestado vestibular, eu estava indo fazer de ingênua mesmo. Prestei e aí saiu o resultado. Eu nem comprei jornal. Fui para esses retiros de igreja, quando uma amiga falou para a minha mãe que eu tinha passado no vestibular da Unesp.
Nossa, e a sua surpresa?
Foi uma surpresa! Quando eu cheguei na universidade para fazer a minha matrícula. Quem estava lá para fazer falou assim para mim: “parabéns, você passou em quarto lugar na classificação geral”. E eu nem achava que eu ia passar. Gabaritei Física, Matemática, Química… Eu lembro que tirei 27 pontos de 30 da redação. E ali, para mim, foi uma evidência de que era um plano de Deus para a minha vida. E eu tinha que fazer o melhor possível, porque não seria para mim, seria para ajudar as pessoas.
E você disse que já gostava da ciência mais bruta, não é?
Para mim foi um encanto ver como o cérebro funcionava, fazer uma cirurgia, uma alteração nele com uma droga e mudar o comportamento do rato. Aquilo me encantou no primeiro dia de laboratório e começou a minha vida de neurocientista. Com iniciação científica e bolsa do governo, sempre recebi bolsas do CNPq, Fapesp (do estado de São Paulo) e comecei uma carreira assim. De uma forma muito bonita e muito na certeza de que este era o caminho para ajudar as pessoas. Por isso este sempre foi o meu desafio. Durante mestrado, doutorado e pós-doutorados eu trabalhei muito com neuroquímica.
O que é neuroquímica?
É a porçãozinha menor de tudo, por exemplo: O hipocampo é uma estrutura do nosso cérebro que está envolvida com a nossa memória. Tudo o que você lembra, por exemplo, do seu nome, é porque o seu campo funcionou direito quando você teve que decorar. Então a informação passa e, ele estando íntegro e saudável, consegue guardar essa memória e acessá-la quando você precisa dela. Mas se eu leso o hipocampo, seja com uma droga ou corrente elétrica, eu consigo perceber que o rato não consegue armazenar novas memórias. Então ele ainda lembra do que aprendeu, mas não consegue acessar. Isso é emocionante de ver.
E isso tudo na graduação?
Começou na graduação. Nela eu comecei a estudar sobre o estresse, uma depressão, ansiedade, mas eu tinha amigos que faziam outros tipos de experimentos ali e eu fazia muita cirurgia em laboratório e depois, quando eu fui para o meu mestrado na Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), vou para um laboratório de neuroquímica, meu foco era neuropsicofarmacologia.
Mas nesse seu processo você já tinha o objetivo de ajudar a vida das pessoas?
Sempre. Por exemplo, eu fazia a comparação do comportamento do rato baseada no empinar, que é o movimento de ficar em pé apoiado nas patas traseiras. Eu separava aqueles que faziam mais empinar dos que faziam menos. Parece coisa de doido, né? Por isso que as pessoas às vezes acham que a gente é doido. Então eu separava aqueles animais que naturalmente faziam mais ou menos esse comportamento. Fiquei fazendo isso por 12 anos.
Por 12 anos estudou o empinar dos ratos?
O empinar dos ratos. Mas a gente é normal (risos). E a gente percebeu que os ratos que faziam menos empinar quando eram colocados em uma situação de medo (uma caixa em que recebia choque nas patas). Na próxima vez que você colocar o rato na caixa, mesmo que ele não leve choque. Ele vai congelar. Aí você coloca de novo na caixa e não dá choque.
Isso é o trauma?
Ele (o rato) ficou com um medo aversivo que pode desencadear em alguma coisa, mas eu só estava vendo esse comportamento dele do medo. Aí, com o tempo, um rato normal vai aprendendo que aquele lugar não tem mais choque e fica tranquilo, explorando. A gente diz que deu a ele uma nova forma de olhar as coisas, mudou a forma de ver as coisas.
Isso é muito importante para a gente, então?
Exatamente. Quando como alguém é violento ou quando alguém te magoa. Você não esquece a mágoa e as pessoas confundem perdão com isso. “Quem perdoa, esquece”, não. A gente muda a forma de pensar sobre aquilo.
Tem muita gente que questiona mesmo como é “perdoar e esquecer”…
Perdão não é amnésico, não faz a gente perder a memória. Nos faz pensar diferente sobre aquilo para que não nos prejudique mais e para que a gente possa conviver com o outro. O que a gente percebeu é que os animais de alto empinar de fato faziam uma nova memória naquele ambiente que não tinha mais o choque. Só que os animais de baixo empinar não esqueciam. Para mim aquilo era um Estresse Pós-Traumático (PSPT). Eu ainda vou voltar para essas pesquisas porque acho que aí pode estar uma chave de um medicamento para PSPT. A ciência não é movida de respostas, mas de perguntas.
Aproveitando que você falou de pergunta, queria te fazer uma agora retomando o que você falou sobre sua infância e seus pais. Já falou da sua mãe, mas queria saber do seu pai. O que ele falava nesse seu início de carreira?
Meu pai sempre foi um homem muito interessado pelos estudos mesmo que ele não tenha estudado tanto. Ele fez só até a terceira série do ensino primário que é o que tinha no vilarejo em que ele cresceu. Mas ele sempre teve isto muito claro: não tem nada na vida mais importante do que estudar daquilo que a gente pode fazer. Quer mudar de vida? “É estudando”, ele até brincava. Nós éramos em quatro meninas e só um menino e ele dizia: “marido não muda a vida da gente”. Então, mesmo que ele tivesse que trabalhar muito, nós sempre estudamos. E ele dizia que o que nós tivéssemos que fazer na vida, que a gente fizesse muito bem feito porque ele estava ali para apoiar. Meu pai sempre foi muito inteligente.
E quando você foi para a carreira acadêmica?
Eles amaram. Meu pai até hoje fica perguntando de tudo o que eu estou fazendo e quer saber o que eu faço, mesmo que não entenda os detalhes. Eles acharam o máximo ter uma filha cientista.
Começando a carreira de cientista, foi difícil sendo cristã?
Eu penso que só é difícil quando não temos claro, para nós mesmos, o que queremos. Para mim sempre foi assim. Acho que eu nunca falei isso em nenhuma entrevista. Se qualquer coisa que eu fosse fazer fosse ferir os meus princípios e a minha fé, eu não faria. Ser honesta com aquilo que eu acredito estava acima de qualquer benefício profissional que eu pudesse ter.
Você não era questionada?
Sim. Eu era questionada quanto a alguns hábitos que eu nunca tive. Uma vez um professor perguntou na sala assim: “não tem ninguém aqui que acredita em Deus não, né?” e eu levantei a minha mão. E tive que falar para ele diante de todo mundo porque eu acreditava na existência de Deus. Mas para mim sempre foi algo tão tranquilo e sempre foi algo tão prazeroso acreditar em Deus que era uma forma de testemunhar. Sem dúvida nenhuma que ser exposta não é agradável, principalmente quando a gente é adolescente, mas sempre existiu algo muito maior que me conduziu.
Era difícil?
Assim, era difícil escutar isso, mas também era difícil escutar que eu era muito magrinha e que eu parecia menina. Quando alguém chegava no consultório e falava assim: “tem certeza que você vai atender meu filho? Porque estou achando você com cara de criança”. São os desafios da vida, mas eu sabia que tinha pais orando por mim e cresci escutando histórias dos milagres que Deus fez na minha casa e convivi muito com a presença de Deus conduzindo nossas vidas.
Você pode dar algum exemplo disso?
Posso. Algumas coisas que, para algumas pessoas, são muito pequenas, meus pais sempre pontuaram a atuação de Deus. Eu sou de uma família financeiramente muito pobre. Quando eu fui para a faculdade nem piso tinha. Meu pai ia trabalhar numa cidade vizinha de bicicleta porque a gente não tinha carro. E numa dessas saídas eu escutei meu pai falando com a minha mãe assim: “hoje Deus vai providenciar dinheiro porque não tem mais o que fazer”. O serviço que ele estava fazendo a pessoa não pagou. Quando meu pai volta do trabalho, ele vem cheio de dinheiro. Ele disse que estava na Anhanguera com a cabeça baixa conversando com Deus quando sente uns papeis batendo nele e, quando ele olha, um carro estava passando com o vidro abaixado jogando notas de dinheiro. Meu pai deixou a bicicleta do lado e foi recolhendo as notas, que eram altas. E ele voltou para casa com dinheiro suficiente para pagar nossas contas.
Rosana, em suas palestras pelas igrejas e eventos religiosos você defende que o cristão entender a ciência o aproximaria de Deus. Por que você acha isso? O que a ciência mostra que evidencia Deus?
Para mim parte do verso que diz que “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). Existe muito cristão que anda triste e não sabe que está com depressão e era só fazer um tratamento que ele, provavelmente, iria se recuperar. Existe muita gente que acha que o que come não tem nenhuma influência sobre o nosso organismo e nossa mente e tem. Se você estiver em privação de sono, por exemplo, você pode aumentar as suas experiências esotéricas que não vão ser o seu contato com Deus, mas uma privação de sono que está perturbando o seu cérebro. Então esse conhecimento é super oportuno para termos uma vida cristã mais plena, com mais sentido e também respeitando todo este organismo (corpo) que Deus criou com tanta complexidade. Se Ele fez assim, é porque queria que nós fôssemos complexos, completos e deu uma oportunidade de conhecermos um pouco mais.
Sobre seus livros. O Neurociência da Felicidade tenta responder como ser inteiramente feliz. E queria saber o que você acha que impede as pessoas, hoje, de encontrarem essa sensação de total felicidade?
A felicidade não é um produto simples e milagroso que as pessoas tem a “sorte” de serem agraciadas. Ela está atrelada à nossa atitude para ser feliz. Ser feliz também é saber ficar triste. Eu coloco uma definição no livro, que eu gosto muito, de que ser feliz é gostar de viver. Cuida da saúde, dos relacionamentos, sabe que os problemas estão aí para serem enfrentados, que eu tenho as minhas dificuldades, mas o outro também tem. É encarar a vida com um pouco mais de leveza para encarar as dificuldades e sermos melhores.
E qual foi o contexto para escrever este livro?
Esse livro eu lancei porque o meu marido falou que eu não iria colocar mais um na gaveta. Eu já tinha escrito uns sete ou oito que acho que ainda estão lá. Quem convive comigo sabe que eu sou muito prática. Então eu pensei que não poderia escrever um livro que não fosse prático para as pessoas. E eu me fiz uma pergunta: “quando as pessoas vêm me procurar para conversar, o que, de fato, eles estão querendo encontrar?”. Aí eu pensei que era a felicidade.
E nenhum dos seus outros livros que estavam na gaveta eram sobre isso?
Não, eles eram muito específicos. Um, por exemplo, era sobre psicopatologia em personagens bíblicos. Não publiquei, mas aproveitei algumas coisas para o capítulo sobre doenças mentais. Escrevi outro sobre relacionamentos baseada no livro de Rute. Mas também não publiquei.
Está quase tanto uma pastora quanto uma neurocientista?
Sim, eu gosto. Para mim não existe possibilidade de separar. Porque quem criou a ciência foi Deus, o nosso cérebro é criação Dele. Se Deus criou a fé e a ciência, as duas precisam conversar.
E esse livro tem o intuito de evangelizar?
Sem dúvida! A Bíblia mesmo fala em João 10:10 que “Eu vim para que tenham vida e vida em abundância”. E qualquer coisa que tem a possibilidade de mudar a História é evangelístico. Ainda mais no último capítulo, cujo título é Felizes os Que Creem.
Soube que Neurociência da Felicidade vai ser um audiobook.
Vai ser um audiobook, o que é muito legal porque muitas pessoas ao redor do mundo querem o livro e é difícil adquirir o exemplar físico. Então o audiobook vem para resolver isso, todo mundo em qualquer lugar vai poder ler, ter e presentear com ele. E vai ser um projeto bem legal porque eu mesma faço a leitura do livro.
Como é ler o que você mesma escreveu?
Olha, eu estou sendo muito sincera. O que foi legal é que eu voltei a ler o livro, porque eu só li quando escrevi (em 2017). Eu não tenho o hábito de voltar para coisas que eu produzi. Não assisto nenhum vídeo meu que sai no YouTube, não ouço minha voz depois que gravo… Mas foi muito interessante, me emocionei ao contar a história do meu pai. Um homem que, mesmo com todas as dificuldades, nunca vi desanimado ou desistindo das coisas. Mesmo cansado do trabalho, com cinco filhos para sustentar, ele chegava em casa cantando.
E tem um infoproduto que está para ser lançado (pelo Grupo MK)?
Sim, de felicidade. Mas o conteúdo é quase 100% inédito. Muita coisa legal, muitos aspectos diferentes. Um curso super prático para colocar no dia a dia e levantar algumas questões que a gente esquece que estão impactando a nossa vida. São 32 lições super prática para ser bem mais feliz.
Queria falar da sua família. Você é casada há 14 anos e tem uma filhinha, a Angelina. Como conciliar a sua carreira e formação acadêmica com o tempo com a família?
Tudo depende da prioridade, de fato é muito difícil. Em alguns momentos, você tem que fazer escolhas que são dolorosas, até. Não vou dar conta de tudo. Então a minha prioridade é Deus, saber qual é a vontade Dele para a minha vida e ser fiel a isso. E depois vem a minha família. Eu brinco que nas horas vagas em sou neurocientista, palestrante e professora. Mas, lógico, ainda preciso organizar muito melhor o meu tempo porque eu sou mãe só há quatro anos. Passei quase 40 anos da minha vida sem ser mãe e sem ter essa responsabilidade, que acredito que é uma das maiores.
Você falou sobre a sua gravidez, que foi tardia. Você planejou engravidar?
Planejei. Eu esperei dez anos depois de casada porque era aquela coisa de “não tem como ser agora”. Mas a idade vai chegando. E, em um momento, meu marido e eu conversamos sobre isso porque, se não fosse para ter naquele momento, não iríamos ter mais. Nós dois, antes de casar, queríamos muito ter filhos. Eu tinha até a ideia de adotar uma criança mesmo que eu não casasse. Eu esperava completar 21 anos para adotar. Mas a vida vai mudando. A gente casa, vai estudar, minha mãe falece e as prioridades foram mudando. Mas o tempo foi passando e fui chegando aos 40. Decidimos então ter uma filha. Mas eu sempre fui mãe de menina no coração e meu marido pai de menina.
Mentalizou uma menina?
No primeiro teste deu 80% de chance de ser menino. Eu fiquei muito tranquila porque sabia que era menina. E aí veio a Angelina. Ela não pede irmãozinho, ela chantageia. Esses dias ela grudou na minha perna e falou: “mamãe, eu não vou ser completamente feliz enquanto eu não tiver um irmão ou irmã”. E agora eu provei porque vim, porque fiz Psicologia… Foi para convencer minha filha (risos). Uma vez fui num evento em que só tinham homens. Quando eu voltei ela perguntou, na esperança, se eu tinha voltado grávida. Aí eu falei que não porque o pai dela não foi comigo (risos).
E como foi a sua mudança para os Estados Unidos?
Eu fui fazer um pós-doutorado na Universidade de Toledo, em Ohio, com a intenção de voltar, mas fiquei. E agora estamos todos morando lá, há aproximadamente seis anos e meio. A Angelina já nasceu lá. Fala português e inglês. Até me corrige no inglês.
E qual o seu objetivo principal como cientista?
Trazer para a vida das pessoas a possibilidade de melhorar a vida delas com o que já temos, de descobertas, de ciências, nas mãos. O meu objetivo sempre foi melhorar a vida das pessoas. É um desafio muito bom!