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Amanhã

Negócios à parte?

Publicado em 01 outubro 2019

Por Sr. Consumidor / André Cauduro D'Angelo

Uma conhecida minha estava inconsolável. Ao fim de um penoso período de internação e morte de sua cachorrinha de estimação em um hospital veterinário, viu-se impelida a acertar as contas com o estabelecimento. E não deixou de perceber que, no descritivo dos serviços do cupom fiscal, todos os procedimentos para tentar salvar o animalzinho estavam rotulados como “vendas” – e, claro, somavam um montante considerável.

Enquanto para ela o sofrimento e a perda do pet representavam uma ferida que mal começara a arder, para a clínica tudo não passava de business as usual. “Vendas”, simplesmente. Melindre excessivo? Não sejamos tão rigorosos.

Em um só episódio, dois pequenos tabus estavam em jogo: o da sensibilidade que certas atividades empresariais requerem e o do dinheiro como mediador de relações que frequentemente excedem a mera aquisição de produtos ou serviços. Comecemos pelo primeiro.

Alguns negócios, especialmente no ramo de serviços, exigem mais do que conhecimento técnico, boa vontade e precisão – demandam feeling e atenção aos detalhes em nível máximo, pois lidam com sentimentos humanos dos mais nobres e, não raro, nas piores situações.

Enquanto os profissionais são diariamente tentados a apenas cumprir sua rotina de trabalho, os clientes podem estar vivenciando seus momentos mais tensos ou tristes. E, nessa hora, o que não querem é ser confrontados com a frieza de uma relação estritamente comercial. Pegue-se o caso do setor funerário. “[A] falta de tato com a clientela é a maior falha desse tipo de negócio. (...) É o sujeito que vai enterrar o pai e o empregado da funerária aparece com uma fatura a ser paga. Ou a mulher, chorosa, que escuta um comentário prático demais do sepultador, do tipo: ‘o caixão não vai caber’”, reconhece Jayme Adissi, dono de um cemitério e um crematório em Guarulhos (SP), em seu livro Quem quer comprar um túmulo? (ed. Urbana, 2010, p. 14-15). “O cliente precisa ser bem atendido não apenas do ponto de vista da eficiência, mas sobretudo no lado afetivo”, continua.

Por isso, Adissi instituiu algumas normas na companhia que dirige. “[S]empre chamar o corpo pelo nome” é uma delas, e nunca por “o defunto” ou “o falecido”. Entregar delicadamente a urna com as cinzas, evitando chacoalhões e gestos bruscos, é outra. Recomendações como essas, dotadas de empatia e autoconsciência, podem ser igualmente úteis para o momento anterior, aquele em que a morte é comunicada – e, curiosamente, ajudar a salvar outras vidas. Famílias que não autorizaram a doação de órgãos de seus entes recém-falecidos queixaram-se, em pesquisa, de que “a abordagem foi feita de forma mecânica, até mesmo truculenta, sem respeitar o atordoamento de quem acabou de receber uma notícia trágica” (Pesquisa Fapesp, novembro 2015, p.35). Não por acaso o hospital Albert Einstein, (foto ao lado) de São Paulo, criou um curso de Comunicação de Más Notícias para seus colaboradores: em um estabelecimento do tipo, elas são uma constante.