Antes restrito a grupos articulados em torno de interesses religiosos ou econômicos específicos e aos amantes de teorias da conspiração, o negacionismo científico tem ganhado corações e mentes nos últimos anos por intermédio das redes sociais. Com a chegada da COVID-19, o fenômeno se intensificou e o que era a contracorrente tornou-se, em alguns casos, discurso oficial e política de Estado.
Teria esse processo de institucionalização do negacionismo na figura de líderes políticos comprometido a eficácia das medidas de combate à pandemia em países como Brasil, Estados Unidos e Reino Unido? Essa é a hipótese que vem sendo investigada pelo pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Renan Leonel, em parceria com colegas da Columbia University (Estados Unidos) e da University of Vienna (Áustria).
O projeto, intitulado Viral agnotology: COVID-19 denialism amidst the pandemic in Brazil, United Kingdom, and United States (Agnotologia viral: negação da COVID-19 em meio à pandemia no Brasil, Reino Unido e Estados Unidos), concorreu com outras 1.300 propostas de todo o mundo e foi selecionado em uma chamada lançada pelo Social Science Research Council of New York (SSRC), em parceria com a Henry Luce Foundation. A iniciativa tem como objetivo apoiar projetos inovadores que, em meio à pandemia, fazem uso de métodos de pesquisa remota para lançar luz sobre os efeitos de curto e longo prazo da COVID-19 em uma série de questões.
À Agência FAPESP, Leonel explicou que o termo agnotologia, cunhado nos Estados Unidos, se refere ao estudo dos fenômenos de produção política e cultural da desinformação. Trata-se de um processo socialmente induzido e que visa a promoção deliberada da ignorância ou da incerteza na opinião pública acerca de determinado tópico. Nos últimos anos, o pesquisador tem se dedicado a estudar, com apoio da FAPESP, o fenômeno oposto: como cientistas produzem conhecimento, criam processos culturais para viabilizar a sua circulação, estruturam práticas coletivas de lidar com evidências científicas e como essas informações são disseminadas na sociedade.
“Meu ambiente de estudo é a sociologia do conhecimento, ou seja, a produção de conhecimento em ambientes culturalmente e politicamente delimitados, como hospitais, laboratórios ou institutos de pesquisa. A sociologia da ignorância estuda a produção de desinformação e mecanismos de descrédito da ciência oficial em um ambiente de caos, sem controle. Mas me interessei em propor o projeto por entender que a produção de ignorância em si está se tornando um ator capaz de comprometer os instrumentos de produção do conhecimento. A partir do momento que existe uma estrutura tão forte e tão presente na sociedade como as redes sociais, cientistas, divulgadores científicos e jornalistas de ciência passam a ter um trabalho adicional. Além de comunicar a ciência, é preciso comunicar claramente à sociedade o que não é ciência.”