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Revista Valor Especial

Natureza criada em laboratório (1 notícias)

Publicado em 31 de outubro de 2018

Por Gleise de Castro

Desenvolver cosméticos e produtos de limpeza que sejam ao mesmo tempo mais eficazes e menos agressivos ao meio ambiente é um dos principais desafios da indústria desses setores, por pressão dos próprios consumidores. Nos últimos anos, segundo Fabrício Soto, gerente do negócio de home care da Basf, fatores como o crescente número de lares com apenas uma pessoa, aumento da classe média e maior participação dos homens na limpeza da casa, aliados à crescente preocupação das famílias com o meio ambiente, produziram alterações significativas nos hábitos de consumo de produtos para limpeza doméstica. "Hoje, o mercado não tem mais espaço para inovações que não tragam um benefício real e quantificável para o meio ambiente", diz o executivo.

As empresas procuram desenvolver produtos com matérias-primas biodegradáveis, em formulações mais concentradas, que demandam menor volume de embalagem e economia com transporte. No caso da Basf, que fornece matérias-primas para a indústria de limpeza doméstica, os investimentos em PD visam criar produtos que permitam formulações mais sustentáveis.

Entre as inovações recentes da Basf está um ativo usado para fabricação de sabão liquido ou em pó e sabão em barra que permite lavar roupas claras e escuras ao mesmo tempo. O Sokalan HP 56 atua como inibidor na transferência de cores, evitando que as cores migrem de uma peça para outra durante a lavagem. Além da praticidade, o produto permite redução no consumo de água e eletricidade, ao otimizar a utilização da lavadora.

O produto faz parte da linha Cleannovation (Cleaning + Innovation - limpeza e inovação), lançada no ano passado na América do Sul, que inclui o Trilon M, utilizado em sabão em pó e líquido e detergentes para máquinas lava-louças, que elimina com maior eficácia manchas e sujeiras de roupas, pratos e talheres, economiza água, é biodegradável e substitui quelantes que contêm EDTA, NTA ou fosfato, prejudiciais ao meio ambiente.

"As novas tendências no mercado de higiene, limpeza e cuidados pessoais, seja no Brasil ou no mundo, resultam das mudanças de comportamento do consumidor, que está cada vez mais informado e exigente", diz juan Pablo Larrafiaga, diretor de pesquisa e desenvolvimento da PG para a América Latina. Uma das apostas da empresa no segmento de limpeza são os produtos concentrados, como os das marcas Ariel e Downy. "Os concentrados têm impactos ambientais menores quando comparados com suas versões regulares", diz Larrafiaga. Um dos benefícios, afirma, é a redução de 38% na emissão de gases e 36% no consumo energético.

Na indústria de cosméticos, as pesquisas abrem novas fronteiras, com a criação de tecnologias que permitem testes e processos de produção com menor impacto ambiental e produtos finais mais eficazes e seguros para o consumidor. Pioneiro no desenvolvimento no Brasil do modelo de pele 3D, em 2012, para substituir experimentos com animais, o Grupo Boticário investe agora em uma tecnologia que simula órgãos humanos em um chip, para testes alternativos na indústria cosmética.

A ideia é colocar a pele 3D em contato com diferentes órgãos humanos em teste de laboratório com fórmulas e ingredientes, para checar a resposta do sistema imunológico. O objetivo é prever eventuais reações alérgicas aos produtos. "É uma pesquisa de fronteira, ainda não disponível em nenhum lugar do mundo", diz Mareio Lorencini, gerente de avaliação de produtos e assuntos regulatórios. A pele 3D já estava disponível em outros países quando a empresa decidiu criar o próprio modelo, para superar as dificuldades na importação do material. Os trâmites demorados faziam com que as células chegassem mortas. O processo consiste em reconstruir em laboratório uma pele completa, a partir de células isoladas de tecidos descartados de cirurgias plásticas.

As linhas de PD para cosméticos sustentáveis do Boticário envolvem a aplicação de critérios de sustentabilidade em todas as fases de criação e fabricação dos produtos, incluindo a cadeia produtiva. Processos, materiais e testes são continuamente reavaliados para serem mais sustentáveis.

Nos processos produtivos, a empresa inovou com uma tecnologia de fabricação a frio aplicada a loções hidratantes, como as linhas Nativa SPA e Cuide-se Bem, o que resultou em redução de 70% no consumo de energia, 71% no tempo de fabricação e 15% no custo de transformação. No caso dos materiais, ela investe em ingredientes e fórmulas ambientalmente menos agressivos e embalagens feitas com material reciclado ou plástico verde.

Já a Natura investe em pesquisas com ingredientes ativos obtidos na biodiversidade brasileira. De acordo com Daniel Gonzaga, diretor de inovação e desenvolvimento de produtos da empresa, as marcas Chronos e Ekos estão sempre sendo renovadas tecnologicamente com o uso desses ativos. Na linha Chronos, de produtos para tratamento de pele, a companhia emprega tecnologias exclusivas que unem esses ativos aos dermatológicos mais eficazes do mercado, como um sistema de clareamento da pele, lançado recentemente.

A tecnologia patenteada pela empresa associa o extrato de aroeira, planta brasileira, com 10% de vitamina C pura e estável. Na linha Ekos, os novos produtos são elaborados com ingredientes da biodiversidade amazônica, criados a partir de um modelo de negócio sustentável, que promove o desenvolvimento socioambiental de uma rede que conserva a floresta em pé.

A Natura também investiu, neste ano, na aquisição de uma bioirnpressora 30 de pele. "O método de bioirnpressão 30 possibilita a automatização do processo de produção da pele 30 com excelente acurácia, alta reprodutibilidade e fácil manuseio, permitindo ainda maior disponibilidade de amostras de pele", diz Gonzaga.

Muitas inovações na área de cosméticos partem de startups. É o caso da S Cosméticos do Bem, instalada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp), que desenvolveu três complexos a partir de uma planta chinesa já adaptada no Brasil há várias décadas, a artenúsia. Um dos complexos tem ação antimalária, outro, ação cicatrizante e um terceiro é repelente dos mosquitos causadores da dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

Com recursos da Fapesp, a startup pretende desenvolver um cosmético repelente e um cosmético cicatrizante para utilização pós-cirurgia. O complexo antimalárico ainda passa por estudos de viabilidade econômica e deve ser destinado à indústria farmacêutica. A tecnologia desenvolvida pela S Cosméticos resultou em produtos de menor toxicidade, maior eficácia e fabricação sem impacto ambiental. Na extração, o processo é 100% isento de resíduos de solventes. "É uma tecnologia limpa, que pode ser aplicada tanto na indústria cosmética quanto na farmacêutica", diz Soraya E! Katib, CEO fundadora da empresa.

Nascida como startup, a catarinense Nanovetores Tecnologia, fornecedora de ativos para a indústria cosmética, criou uma técnica inovadora, baseada na nanotecnologia sustentável, e hoje exporta para 26 países. A empresa desenvolveu sistemas de nano e microencapsulação de ativos que resultam em matérias-primas naturais para produtos de aplicação tópica biodegradáveis e biocompatíveis (que não provocam reações adversas) e produzidas em base aquosa, sem o uso de solventes orgânicos.

São também produtos mais eficazes e mais seguros. Segundo Betina Ramos, diretora de PD da Nanovetores, no caso de ativos para produtos destinados à eliminação de rugas e linhas de expressão, por exemplo, o benefício pode ser notado em sete dias, ante um período de 30 dias dos produtos tradicionais. No caso de repelentes, o volume utilizado do ativo escaridina, quando encapsulado e, portanto, liberado aos poucos na pele, cai de 25% para 5%, mantendo a mesma eficácia e tornando o produto mais seguro. "Somos geradores de inovação para a indústria cosmética", diz Betina. O diferencial da empresa, explica, é o aspecto sustentável dos produtos. "Isso nos diferencia bastante dos concorrentes no mercado internacional." A meta da empresa, que tem fábrica em Florianópolis, é aumentar o faturamento de R$ 20 milhões para R$100 milhões até 2022.