Projeto Florestas Funcionais está estudando o comportamento das árvores para propor soluções para a redução da poluição, absorção de carbono, prevenção de enchentes e outros
Quando a gente pensa em árvores, a cidade de São Paulo certamente não é uma das primeiras coisas que vêm a cabeça. Mas o fato é que, apesar de possuírem uma distribuição desigual, elas fazem sim parte da capital mais populosa do país, e uma parte muito importante, já que fornecem serviços ecossistêmicos essenciais como a filtragem da poluição no ar, a redução de temperatura, a retenção de água no solo, a contenção da erosão, a produção de oxigênio e a absorção de gás carbônico.
Segundo a prefeitura, existem mais de 420 mil árvores nas ruas da cidade. Sem contar os parques e as propriedades internas, existe uma árvore para cada grupo de cerca de 30 habitantes. E, para começar a mensurar e otimizar os serviços prestados pela vegetação, um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) está estudando os processos biológicos que acontecem nos bastidores, dentro dessas árvores que compõe o cenário paulistano. "As florestas urbanas, e principalmente as árvores, que é com o que eu trabalho, são ferramentas que nós usamos dentro da cidade para promover benefícios", afirma o pesquisador Giuliano Maselli Locosselli, responsável pelo projeto.
O projeto Florestas Funcionais, que está completando um ano e vai operar pelo menos até 2024, está medindo os serviços ecossistêmicos de dois parques urbanos: o Parque Estadual Fontes do Ipiranga, um remanescente de Mata Atlântica, e o famoso Parque Ibirapuera. Em uma das frentes desta iniciativa, o projeto analisa os fluxos de carbono, água e energia ao nível de população, ou seja, de um conjunto de árvores, usando duas torres, uma a 15 metros de altura e outra a 30m, que possuem sensores que medem essas trocas entre a vegetação e a atmosfera.
Em outra frente, os pesquisadores analisam o nível individual, de apenas uma árvore por vez, com sensores que medem o fluxo de seiva e também com medidas de alocação de carbono utilizando os anéis de crescimento presentes nos troncos de diferentes espécies nativas. "Nós queremos entender como a estrutura da vegetação pode ser usada para melhorar esses serviços ecossistêmicos. Se é uma vegetação, ela tem que ser puramente um fragmento de Mata Atlântica, para promover o máximo de serviços? Ou um fragmento plantado, um maciço de árvores plantadas, traz uma quantidade [de benefícios] semelhante a um fragmento? E as árvores isoladas, será que elas também conseguem trazer esses serviços?", indaga Locosselli.
Unindo as duas modalidades de pesquisa, o projeto pretende chegar a conclusões tanto sobre que tipo de estrutura de vegetação é mais adequada para amplificar os serviços ecossistêmicos em uma cidade como São Paulo, como também sobre quais espécies de árvores trazem mais benefícios para a população local.
Compreendendo o funcionamento das árvores
Para os amantes de árvores que desconhecem os fascinantes processos biológicos por trás do funcionamento destes seres, o pesquisador dá uma palhinha sobre um serviço relativamente simples proporcionado por elas, mas que tem imenso valor nas cidades, principalmente em países tropicais como o Brasil. "A planta tira a água do solo pelas raízes, ela sobe pelo caule e sai, transpira pelas folhas. Quando a árvore transpira, ela transforma a energia que aumenta a temperatura em energia que muda o estado da fase da água. Quando a água passa de líquido para vapor, ela tira energia do ambiente. E isso é super importante quando a gente pensa em conforto térmico. Então, aquelas árvores que evapotranspiram mais, contribuem mais com o conforto térmico porque elas estão tirando energia do ambiente para transpirar", explica.
Outro processo bastante interessante é o da assimilação de carbono. Na fotossíntese, ao produzir oxigênio e absorver gás carbônico, as plantas alocam esse material orgânico em seus corpos para crescer (o chamado carbono estrutural) ou para reserva (nós, humanos, fazemos reserva em forma de gordura e as árvores fazem em forma de açúcares e amido, que contém carbono). E Locosselli conta que, sob o ponto de vista da análise de espécies, os pesquisadores já começam a ver que algumas delas têm uma capacidade de alocação de carbono estrutural maior do que outras, o que traz grandes benefícios, por exemplo, na luta contra as mudanças climáticas, causadas pelo aumento da quantidade de cases de efeito estufa, principalmente gás carbônico, na atmosfera.
Por outro lado, a pesquisa também está revelando quais espécies investem em reservas de uso rápido, ou seja, aquelas que podem ser disponibilizadas para uso pela planta de forma mais ágil e eficiente. E isso faz com que estes exemplares sejam mais resistentes a eventos extremos de curto período. Já as plantas que priorizam reservas de longo prazo provavelmente vão ser mais adequadas para lidar com um fenômeno climático como a seca de 2013/2014, uma estiagem longa, que aconteceu durante a estação chuvosa, e que teve um impacto enorme no funcionamento das florestas em São Paulo.
Para medir a capacidade da vegetação de absorver a poluição do ar, um outro serviço essencial em uma metrópole, os pesquisadores estão olhando para as cascas das árvores, que funcionam como um filtro natural. Para isso, estão sendo analisadas várias espécies diferentes, com estruturas de casca distintas, para descobrir qual é o formato mais adequado para a retenção de poluentes.
Um dos aspectos positivos para que o estudo forneça resultados aplicáveis na cidade é a variedade de espécies disponíveis, e que podem eventualmente se adaptar bem aos ambientes urbanos. Locoselli destaca que é um grande privilégio podermos escolher, já que países localizados em zonas temperadas, por exemplo, também passam por desafios para melhorar as soluções baseadas na natureza nas cidades, mas têm à mão poucas opções de tipos de árvores para trabalhar.
Apesar da vantagem, ainda conhecemos pouco sobre como estas espécies nativas se comportam no ambiente urbano. Por isso, trabalhos como esse são tão importantes. "Nosso conhecimento avançou muito no mundo natural, a gente tem trabalhos lindos feitos com a Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia, Caatinga, Pantanal, mas nós não sabemos como estes elementos, essa biodiversidade que já foi tão bem estudada, como ela vai se comportar na cidade e quais benefícios ela vai trazer. Como que esse ambiente que é tão estressante para nós influencia também a fisiologia e a vida dessas espécies? Porque se elas crescerem bem, elas produzem muitos serviços, se elas não se desenvolverem muito bem, elas não produzem muitos serviços", afirma o pesquisador.
Trabalho coletivo
O Florestas Funcionais atua na cidade de São Paulo, mas faz parte de um movimento internacional que busca construir laboratórios vivos para pesquisar soluções baseadas na natureza e promover a troca de experiências entre os municípios participantes. O Conexus está presente em 7 cidades: São Paulo, Buenos Aires, Bogotá, Santiago, Lisboa, Turim e Barcelona e em cada uma delas promove um tipo de trabalho diferente — mas sempre a partir da reunião de atores do governos, da academia e do terceiro setor para pensar sobre um problema e propor uma solução. Na capital paulista, esse laboratório agrega representantes da USP, do Instituto de Pesquisas Ambientais, da prefeitura e do Instituto Cidades Sustentáveis.
Em Buenos Aires, saem de cena as florestas e entram as cercas vivas, em um projeto que está estudando a redução da poluição do ar nos arredores das escolas. Já em Barcelona o foco são as hortas urbanas. Apesar das diferenças no escopo dos projetos e nas características de cada cidade, são muitos os pontos em comum que podem sair das observações feitas pelos cientistas. Por isso, os pesquisadores estão todo o tempo trocando figurinha e compartilhando experiências por meio de trabalho feitos em conjunto, de forma remota, e a cada seis meses se reúnem presencialmente em eventos maiores.
Conhecer para preservar
Além de investigar os dados científicos que vão contribuir com melhores formas de manejo das florestas urbanas, o projeto também pretende engajar a população de São Paulo para que ela passe a conhecer melhor a vegetação da cidade e a entender a sua importância para a vida na metrópole. Para isso, os pesquisadores querem usar o sensor instalado no Parque Ibirapuera para disponibilizar aos frequentadores do espaço verde informações científicas sobre as espécies que vivem ali, de forma fácil e acessível.
"Todo mundo tem aquela sensação, principalmente quem frequenta o parque, de que ele é importante, mas muitas vezes a gente não sabe o quão importante ele é. Então, o que nós queremos fazer é não somente produzir dados científicos, não somente produzir diretrizes para os tomadores de decisão, mas produzir narrativas que engajem e esclareçam as pessoas sobre a importância dessa estrutura verde para São Paulo", diz Locosselli.
Por Sabrina Neumann, do Um Só Planeta