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Jornal do Brasil

Não há tecnologia sem técnicos (1 notícias)

Publicado em 16 de janeiro de 2000

Não há como ter uma indústria de base tecnológica sem investimentos no ensino técnico superior. A advertência é do secretário Wanderley dos Santos, médico cooptado para a vida acadêmica, que ajudou a criar e foi o primeiro reitor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, onde teve início a amizade com o então prefeito de Campos dos Goytacazes, Anthony Garotinho. À frente da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, Wanderley dos Santos está empenhado em antecipar as demandas por mão-de-obra técnica especializada, como a que vai ocorrer no setor gás-químico. O secretário explicou em entrevista ao JORNAL DO BRASIL - que são esses profissionais de níveis médio e superior que controlam os processos e podem apresentar novas propostas de produção. E tem uma preocupação: Nós estamos muito mal nas áreas de biotecnologia e farmacêutica . ANA LAGOA - Qual é o peso da ciência e da tecnologia na nossa vida? - Ciência e tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de um país. Quem não investir nisso estará assegurando o atraso. Não é à toa que Einstein foi escolhido personalidade do século. Quando escolhemos um cientista em meio a tantas outras personalidades reconhecemos a importância da ciência e da tecnologia. E essa importância será muito maior nos próximos anos. - Mas nem sempre essa importância se traduz em investimentos... - O investimento em ciência e tecnologia passa por várias etapas. Uma delas se traduz em recursos diretamente passados aos pesquisadores. Outra é a formação profissional. Nós temos um número muito pequeno de pesquisadores face às necessidades do país. Se todas as universidades resolvessem preencher seus cargos com doutores, não teriam profissionais em número suficiente. Investir na educação superior é fundamental. - Não precisamos também de pessoal técnico? - Sim. E por isso surgiram agora os cursos técnicos de nível superior. São cursos que formam técnicos para a alavancar o desenvolvimento industrial. São técnicos de nível mais avançado, nos quais muitos países têm investido. Nós investimos pouco, a experiência é recente e ainda padece dos efeitos do insucesso dos cursos de engenharia de curta duração. Os conselhos regionais se preocuparam com a competitividade do engenheiro, mas a idéia do curso de curta duração não era formar um profissional que substituísse o engenheiro. O perfil era diferente. Mas também precisamos de técnico de nível superior para o próprio desenvolvimento tecnológico, que não se faz apenas com doutores. - De que forma o técnico pode dar essa contribuição? - Esses técnicos atuam nas indústrias de base tecnológica, ao lado dos doutores, e propõem os novos procedimentos, as novas técnicas. - No senso comum, técnico é alguém que domina algumas habilidades, que domina técnicas. Nunca se pensa em alguém que gera conhecimento novo... - Curso técnico no Brasil era aquele que ensinava consertar alguma coisa. E se dirigia às pessoas mais pobres, àquelas que não iam para o curso superior. Era o mecânico, o eletricista ou quem consertava rádio, televisão. Hoje não é nada disso. - Qual é hoje o papel do técnico numa grande indústria? - Na visão moderna, o técnico tem dois papéis. Um deles é manipular instrumentos altamente sofisticados. Na indústria moderna, coisas como a mecatrônica são fundamentais e quem controla a mecatrônica é o técnico treinado para essa área. Na indústria automobilística isso já é uma realidade. Não há mais lugar para o mecânico tradicional. O técnico hoje tem que dominar a área de computação e sua aplicação em vários setores. - E o outro papel do técnico, qual seria? - O de inovador. Aquele que vê os processos, analisa e é capaz de propor idéias, inovações, mudanças que melhoram o desempenho da produção. Sua formação precisa ser muito melhor. É nesse tipo de técnico que temos que apostar. O Cefet, muito recentemente, começou a formar pessoal desse tipo. Sem esse profissional nunca teremos indústria de base tecnológica no país. Por enquanto nós temos só um pedaço da pirâmide. Temos alguns doutores nas indústrias, mas é uma taxa mínima, menor que um. E temos os da base, os técnicos antigos. - Não estamos bem em nenhum setor? - Estamos bem na Petrobrás, por exemplo. No Centro de Pesquisa (Cenpes) existe um modelo ideal de funcionamento. Ali a barreira foi vencida: há doutores e técnicos de excelente nível. Se tivéssemos vários Cenpes em muitos setores... - Por que não temos? - Entre muitas coisas por causa dos preconceitos. Mudar a mentalidade é uma coisa muito difícil. O curso técnico de nível superior de curta duração não é entendido pela sociedade e nem mesmo pela universidade. - Mas não é uma questão só de preconceito. Tivemos uma história de desenvolvimento que levou a essa distorção... - Se temos um empresário imediatista, que não visa o desenvolvimento da empresa como um todo, mas apenas o lucro imediato, ele acaba comprando um processo tecnológico pronto, vende o produto dele e, quando o processo fica desatualizado, ele compra outro. Isso funcionava muito bem num mercado fechado. Na globalização, quem vendeu o primeiro processo logo passa para outro e deixa o cliente para trás. O produto desse cliente fica mais caro a cada dia. Acaba perdendo a competitividade. Foi o que aconteceu com a indústria brasileira, que não estava preparada para competir. - Quais seriam as áreas mais críticas no Brasil? - A mais crítica é a de biotecnologia. Essa área está explodindo no mundo inteiro, na área humana, na agropecuária, e nós estamos marcando passo. Assistimos o que fazem no exterior. - Sem exceções? - Temos sempre os bons exemplos, como a Embrapa, o Butantã, a Esalq, a Unicamp. Mas no Rio estamos fazendo pouco, apenas a Fundação Oswaldo Cruz faz alguma coisa. Mas na área rural desconheço investimentos, com exceção do que faz a Embrapa. Também estamos mal na indústria farmacêutica. - Mesmo sendo um país grande consumidor de remédios? - Mesmo sendo um mercado importantíssimo, dependemos dos grandes complexos industriais de fora que importam a matéria-prima. A pesquisa brasileira é muito pequena. Apesar do potencial, sobretudo na área de fitoterápicos. Existe a pesquisa, mas na hora de passar do acadêmico para o empresarial o casamento não se dá. - A Secretaria de Ciência e Tecnologia não tem como intervir no quadro de atraso das pesquisas? - Este ano vamos investir em linhas de financiamento de alguns projetos, via Faperj. - No Rio, quais as áreas de maior demanda? - Estamos mapeando as demandas. Já sabemos algumas áreas em que devemos investir. Na biotecnologia como um todo, no básico. E estamos lançando, em convênio entre Fapesp e Faperj, o Projeto Genoma, que estará sendo finalizado nas próximas semanas. São Paulo avançou muito no projeto Genoma. Eles escolheram uma bactéria que causa doença nos laranjais, seqüenciaram e estão lançando agora o Genoma Cana e o Genoma Câncer, e nós entraremos nesses dois. Já liberamos 700 mil reais para que a Universidade Estadual do Norte Fluminense e a Universidade Federal do Rio de Janeiro constituam dois pólos de seqüenciamento acoplados. - O que são pólos de seqüenciamento? - São laboratórios dotados de máquinas capazes de, a partir de um fragmento de DNA, definir a seqüência de bases, definir o alfabeto do DNA, definir as informações que o DNA contém. - Para o Rio, o que interessa mais nessas pesquisas? - Desenvolver tecnologia para a área de frutas, que é mais importante que a cultura da cana, pois emprega mais gente e tem mercado. Para nós interessa o melhoramento genético das frutas, mas também as pesquisas de solo e cultivo. Os pólos estarão ligados ao Hospital Nacional do Câncer, à Fundação Oswaldo Cruz e ao Instituto de Biologia da UFRJ.