Certa vez, em entrevista ao Jornal da USP, ele disse que amava, como o poeta Vinicius, “as cores de abril, os ares de anil”. E justificava: “Foi no dia 25 de abril que nasci”. E foi no último domingo de abril, aos 89 anos, que o também poeta, compositor e cientista Paulo Vanzolini deixou “o mundo se abrindo em flor”.
Como ele bem avisava no samba gravado por Chico Buarque: “Quando eu for, eu vou sem pena. Pena vai ter quem ficar”. Tanto na música como na ciência, Vanzolini gostava de compartilhar os seus sonhos, projetos. Dizia: “Você não pode querer ser o dono da ideia. Um cientista tem que ser generoso para dividir a pesquisa com o mundo. É preciso saber compartilhar. Isso eu aprendi nos Estados Unidos com os cientistas americanos”.
O reitor da USP, João Grandino Rodas, destaca essa generosidade de Vanzolini. E a capacidade de se dividir entre duas paixões: a ciência e a música. “Um intelectual de primeira grandeza”, destaca. “Pesquisador pioneiro, criou a teoria dos refúgios, que explica a grande biodiversidade na floresta amazônica, um dos destinos mais frequentes das inúmeras expedições científicas que empreendeu ao longo de sua vida.”
O reitor aponta a trajetória de Vanzolini na USP como um grande exemplo. “Como diretor do Museu de Zoologia, onde trabalhou por mais de cinco décadas e se aposentou, teve notável trajetória e importância na formação do acervo da instituição, reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais importantes na área de anfíbios e répteis.”
Ciência e arte – Vanzolini desempenhou um papel relevante na área da política científica. Rodas lembra que ele foi encarregado pelo então governador Carvalho Pinto da redação do projeto de lei que culminou na criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ressalta a admiração pelo cientista e a condição de ser fã de carteirinha do sambista. “Em 2008, doou ao Museu de Zoologia da USP sua biblioteca particular, considerada uma das mais importantes coleções de herpetologia da América do Sul e composta graças aos recursos obtidos com os direitos autorais de suas canções. É um exemplo de como a ciência deve muito à arte e dela não está dissociada.”
Há dois anos, Paulo Vanzolini lançou, pela Editora Beca e Fapesp, o seu último livro, Evolução ao Nível de Espécie – Répteis da América do Sul, reunindo 47 artigos que considerava “a coluna vertebral de sua trajetória como cientista”. Na época, destacou: “Sempre tive muita sorte. Sorte por viver e trabalhar entre amigos. Por me formar na USP e depois voltar para a USP, acompanhando a formação de outros pesquisadores”.
Celso Lafer assina o prefácio do livro. Professor Emérito da Faculdade de Direito e presidente da Fapesp, destaca a atuação de Vanzolini nessa instituição de incentivo à pesquisa, onde foi diretor por três décadas e pesquisador desde meados de 1940. “Numa época em que a comunidade científica paulista ainda era pequena e menos estruturada, ele desenvolveu estudos importantes a partir do patamar das coleções biológicas desde o final do século 19.”
Lafer lembra a participação de Vanzolini nos movimentos organizados por pesquisadores de instituições paulistas voltadas para criar um órgão de fomento à pesquisa científica. “Ele integrou a primeira composição do Conselho Superior da Fapesp, de 1961 a 1967, cumprindo também outros mandatos nas décadas de 1970, 80 e 90.”
Idealista – Na USP e no samba, Paulo Vanzolini é um emérito idealista. “Ele está na história da nossa universidade e do País como um fomentador, entusiasta e divulgador das causas da ciência”, afirma Rodas. “E na história da música popular brasileira, por valorizar o samba paulistano.”
Vanzolini deixa o seu orgulho de ser paulistano no clássico Ronda. Desde menino, adorava perambular pelas ruas da cidade com a bicicleta que ganhou do pai, o professor da Escola Politécnica Alberto Vanzolini. “Foi o meu presente por ter entrado no curso de admissão ao ginásio”, conta. “O primeiro passeio que fiz foi ao Instituto Butantan. Tinha 10 anos. Quando vi as cobras, eu me apaixonei. Percebi o que eu queria estudar. Aos 14 anos, arranjei um estágio no Instituto Biológico. E foi lá que comecei a ser zoólogo.”
Estudar zoologia na USP era a sua meta. Mas um amigo do pai, o professor André Dreyfuss, desaconselhou. Disse que a zoologia, na época, era muito retrógrada. “Ele me chamou e falou que o melhor era entrar na Faculdade de Medicina para estudar as disciplinas básicas. O resto eu ia empurrando com a barriga. Foi o que fiz. Fui assistente de clínica médica, mas nunca cuidei de nenhum doente. Aí, recebi outro conselho. Fui fazer doutorado em Harvard. Quando me entrevistaram, mostrei as disciplinas que havia feito. O professor que me entrevistou era um geneticista vegetal muito importante. Ele analisou e me disse para ir embora. Pensei que ele estava me demitindo. Mas não. Disse que a Faculdade de Medicina da USP era muito boa e que eu não precisava fazer nenhum curso. Fiz o doutorado e cuidei só da minha tese.”
A Faculdade de Medicina da USP formou o zoólogo e também o sambista. “Foi lá, vendo a moçada se reunindo para cantar, que comecei a fazer música.” Vanzolini dizia que nunca foi atrás nem de dinheiro nem de fama. “Sou um homem de paz.” Quem saía pela cidade procurando o sambista ia encontrá-lo no Museu de Zoologia, onde pesquisava todos os dias, das 8h30 às 19 horas, mesmo depois de aposentado.
Nos fins de semana, frequentava o Bar do Alemão, do amigo Eduardo Gudim. Lá ele tomava a sua cervejinha, conversava e ouvia empolgado a mulher, Ana Bernardo, cantar as suas músicas. “Ela é a minha grande intérprete, minha grande parceira”, comentava batucando devagarinho na mesa.