Notícia

Jornal da USP

Museus difundem arte, ensino e pesquisa

Publicado em 16 agosto 1999

Museus em evidência: O MAC abre dia 25, na sede do Ibirapuera, a exposição "Heranças Contemporâneas III", que reúne trabalhas de dez jovens artistas. A seleção inspira-se na obra de Lygia Clark, Tunga e Carlos Fajardo. O MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia) está ministrando um curso de especialização em Museologia. A aula inaugural foi dada dia 5 na Sala do Conselho Universitário. O MAE também acaba de lançar, conforme conta Ana Mae Barbosa, dois guias para professores, destinados a facilitar a relação desses profissionais com a exposição "Formas de Humanidade". E uma novidade: a Universidade reservou na Cidade Universitária uma área, com acesso pela av. Corifeu de Azevedo Marques, para a construção de um complexo de museus. Páginas 7, 8, 10 e 11 MAC pinta a história da geração 90 LEILA KIYOMURA MORENO Através da exposição "Heranças Contemporâneas III", o Museu de Arte Contemporânea reúne o trabalho de dez jovens artistas brasileiros. Uma seleção cuidadosa inspirada na obra dos contemporâneos Lygia Clark, Tunga e Carlos Fajardo. A mostra vai ser lançada no próximo dia 25, na sede do Ibirapuera. Mais uma vez, o Museu de Arte Contemporânea lembra que não tem fronteiras. Seu trabalho na divulgação da cultura está acima dos problemas da falta de espaço ideal para o seu precioso acervo. Depois do sucesso da exposição "O Brasil no século da arte" na Fiesp, o MAC volta a marcar presença. No próximo dia 25, lança "Heranças Contemporâneas III" reunindo o trabalho de dez jovens artistas brasileiros. Uma seleção cuidadosa inspirada na obra de três contemporâneos consagrados: Lygia Clark, Tunga e Carlos Fajardo. A mostra, sob a curadoria de Katia Canton, é o resultado do mapeamento crítico do projeto Tendências Contemporâneas, realizado com o apoio da Fapesp. Desde maio de 96, o MAC, através desse programa, tem acompanhado a produção e atuação dos pintores que vêm se destacando nesta década. "Vimos o trabalho de artistas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas, Pará, Bahia e Paraíba", conta Katia. "Visitamos os seus ateliês e observamos a sua participação em exposições, salões. Esses artistas integram, hoje, um banco de dados com 60 nomes." Nessa pesquisa, os jovens pintores responderam a questionários padrão, para que o MAC pudesse detectar qual a influência nacional ou internacional no trabalho da geração 90. "Para a nossa surpresa, os artistas indicaram nomes retirados do próprio universo da arte contemporânea brasileira como as suas principais referências", acentua Katia. "O fato serve como um testemunho do amadurecimento do processo artístico no Brasil das últimas décadas. Indica que a arte contemporânea brasileira já busca suas metas estéticas dentro de seu próprio universo." Os jovens e seus mestres A pesquisa resultou nas mostras "Heranças Contemporâneas". A primeira foi realizada de abril a junho de 1997. Apresentou os artistas Leonilson, Leda Catunda e Nelson Leirner como referências para o trabalho de Cristina Rogozinski, José Rufino, Carla Zaccagnini, João Carlos Souza, Ana Luiza Kalaydjian, Del Pilar Sallum, João Loureiro, Fernando Spaziani, Regina Sposatti, Mauro de Souza, Marcos Marchetti, Mila Chiovatto, Eduardo Vallareli, Fábio Bittencourt e Mônica Rubinho. A segunda, entre junho e outubro de 1998, mostrou o trabalho de Regina Silveira, Evandro Carlos Jardim e Carmela Gross dialogando com as obras dos jovens artistas: Erika Verzutti, Regina Carmona, Marcelo Salum, Eduardo Verderame, Fernando Anhê, Maria Cristina da Silva, Cybelle Scallon, Gisela Benatti, Cristina Gushiken e Rosana Paulino. Em "Heranças Contemporâneas III", o público vai poder apreciar, até o dia 24 de outubro, o trabalho dos mestres Lygia Clark, Tunga e Carlos Fajardo aliado às obras de Solange Pessoa, Tônico Lemos, Lourdes Colombo, Christiana Moraes, Alexandre da Cunha, Renata Pedrosa, Carlos Arouca, Theresa Amaral, Sônia Guggisberg e Marcus Vinícius. Como nas versões anteriores, a exposição traz uma concepção diferente na montagem e organização. Katia faz questão de delinear o projeto junto com os seus integrantes. "Na verdade, a curadoria é coletiva. A exposição nasceu dos conceitos e escolhas que os próprios artistas apontaram." Na avaliação de Katia Canton, embora as obras dos novos artistas revelem energia e criatividade próprias, eles se empenham na realização de um trabalho conjunto. Querem dividir sua história e seu tempo. "Ao contrário do pessoal das décadas de 60 e 70, a geração 90 não procura uma originalidade radical. Não existe a busca desenfreada do novo. Os artistas preferem fazer parte de unia memória", observa Katia. Para a professora e crítica de arte, o projeto Tendências Contemporâneas tem uma função muito singular. "Através dele podemos constatar que a arte contemporânea vem seguindo caminhos muito diferentes. Não existe uma criação absoluta. Os próprios artistas se colocam no universo da continuidade." Com esse trabalho, o MAC, mais uma vez, motiva, registra e escreve a história da arte no Brasil. Consegue reunir e incentivar jovens artistas. Abre espaços para o seu trabalho. E o mais importante: consegue organizá-los em um movimento, registrando a produção artística deste final de milênio e delineando as tendências do futuro. A programação anual de "Heranças Contemporâneas" faz lembrar as inusitadas e famosas JACs, exposições da Jovem Arte Contemporânea que propiciaram o aparecimento de diversos artistas nacionais de vanguarda, hoje reconhecidos no Brasil e no exterior. O universo de Lygia, Tunga e Fajardo "Por favor, toquem nas obras." - Com esse aviso ao lado de suas criações, Lygia Clark (1920-1988) convidava o público a uma integração com a arte. Foi nesse ritmo, buscando um diálogo com o espectador, que seu trabalho ganhou vida própria. Na avaliação da pesquisadora Katia Canton, ela inaugurou o período da arte contemporânea no Brasil. "A partir dos anos 50, ela é consagrada como uma das maiores artistas brasileiras", afirma. "Representa o País em Bienais, participa de grandes exposições internacionais e conquista diversos prêmios." O universo de Lygia pode ser contemplado no trabalho dos novos artistas. Eles a apontam como uma referência fundamental. A também mineira Solange Pessoa, por exemplo, estabelece uma relação de profunda identificação. "Ela construiu a escultura interminável do ser humano. Transmitiu desejo e inteligência na criação de novas situações escultóricas", afirma. Em "Heranças Contemporâneas III" Solange traduz essa forte influência apresentando uma instalação de objetos escultóricos compostos de bronze e água que refazem poeticamente a relação homem-natureza. Segundo a curadora Katia, são obras de formas orgânicas que desafiam a realidade do artifício. Ela utiliza couro, raízes, plantas, terra, água, óleo, formol, cera, musgos, folhas, ossos, penas e, dessa mistura, consegue extrair um mundo misterioso de sensações. A paulista Christiana Moraes é outra artista que se inspira em Lygia. "Desenhos, objetos, gravuras, esculturas, performances são construídos como experimentações sobre a percepção do corpo humano. E aí que está a tangência de seu trabalho com o da artista", explica Katia. O trabalho de Lourdes Colombo, paulista, reflete o universo feminino sugerido por Lygia. São instalações construídas com múltiplos materiais e suportes, insinuando armadilhas de sedução e sutilezas. "Sua atual série, Máscaras, feitas de camadas de batom sobre o rosto, captam a essência de sua preocupação como fetiche da feminilidade. O efeito é dramático. Exala sexo, exuberância e violência, provocando um estranhamento dentro do mundo previsível dos artifícios e clichês ligados ao imaginário da sedução feminina." O paraense Tônico Lemos mergulha em outro ângulo do universo de Lygia. "Ele comenta a suspensão do tempo e a impossibilidade de um registro vivo de suas próprias memórias, através de construções formais sofisticadas e de um uso de materiais que remetem à afetividade do passado", observa Katia. "Ele se utiliza de séries de saquinhos de mel que aparecem ora como colares escultóricos, ora como fios enrolados de um enorme carretel de vidro ou presos em caixinhas também de vidro. Extraído da natureza, embalado em saquinhos a serem consumidos, o mel parece anunciar, em sua beleza translúcida, seu próprio fim. Por sua vez, o carretel e a caixinha, de vidro, receptáculos sólidos mas transparentes, sustentam a fluidez do mel através de um equilíbrio delicado, sutil, frágil. Tal como Lygia, explora um elemento que dará margem a um discurso orgânico, ritualístico e sensorial." Campo magnético Tunga, como ficou conhecido o carioca Antônio José Barros de Carvalho e Mello Mourão, é outro herdeiro de Lygia Clark. "Ele expande as propostas da artista sobre a mescla arte/ vida e sobre a desfetichização da obra de arte", explica Katia. "Circula naturalmente por universos aparentemente opostos e faz dessas oposições uma força que imanta seus trabalhos. Forma um campo magnético. Constrói uma nova mitologia ou uma constelação de histórias que ganham tratamentos contemporâneos e surreais e, ao mesmo tempo, épicos." O trabalho de Tunga, segundo a pesquisadora, tem a marca do inusitado. Utiliza teorias de Freud, Lacan e tenta resgatar a noção de rito. "Psicanálise é 99% arte", defende o artista. "Sobretudo considerando-se que o núcleo central da teoria analítica está baseado no complexo de Édipo que é, por sua vez, o nome de uma obra de arte teatral." Arte e pensamento E nessa trilha que segue outro carioca: Alexandre da Cunha. Constrói objetos com argila crua, látex, plástico, óleo, grafite, esmalte sintético, desenvolvendo um trabalho tridimensional. Suas obras ganham aspecto de organismos vivos. Agora a paulista Renata Pedrosa deixa transparecer o seu olhar sobre Tunga com uma proposta diferente. Utiliza desenhos que materializam as preocupações gestuais e estímulos sensoriais. Mas, como Alexandre, também traduz uma busca de penetrar os aspectos orgânicos do corpo, como o aspecto tátil e as texturas da pele. Carlos Arouca, paulista, também integra "Heranças Contemporâneas III" lembrando Tunga. "A matéria-prima na construção de suas obras é a matriz da gravura em metal, que dá origem a múltiplas reproduções e que ele utiliza como um símbolo da arqueologia do ser urbano", observa a curadora Katia Canton. "Faz uso da efemeridade e cria inversos da gravura." III" focaliza também a obra de Carlos Fajardo. Esse paulistano, professor da USP, é, como define Katia, um ágil pensador. "Ele substitui a noção do artista que pinta e esculpe com as próprias mãos por uma atitude de questionamento sobre a arte, seus materiais, particularmente sobre a superfície do objeto." Fajardo utiliza uma diversidade muito grande de materiais: mármore, tecido, látex, argila, aço, chumbo, cimento, cipó. Construção, por exemplo, foi feita com 3.680 tijolos (pode ser apreciada na frente do Paço das Artes). "Não sou um escultor. Minha formação é de pintor e, mesmo nas obras tridimensionais, o meu trabalho é sobre a superfície", justifica. "Não acredito na idéia de que o artista vai se aperfeiçoando no mesmo material. Acredito apenas no artista. Acho que o primeiro Giacometti é tão bom quanto o último. O repertório dos materiais que uso é uma decorrência direta da reflexão sobre a natureza do discurso da pintura." Essa diversidade inspirou o paulista Marcus Vinícius. "É um artista envolvido com o olhar urbano e a percepção da linha que circunscreve os espaços edificados da cidade", afirma Katia. "Delimitado seu foco, que pode ser dirigido a qualquer banalidade cotidiana de um cenário de rua, a dinâmica de sua pintura trata fachadas, muros e planos como linhas de ação." Fajardo é também referência para Theresa Amaral, outra paulista. Suas instalações são uma sobreposição de materiais duros como metais, pedras e madeira à delicadeza de tules e veludos. "Nessa variedade de climas, sua intenção é compor minuciosamente a complexidade de estados de espírito, retratando os aspectos dúbios da natureza humana e a contraditoriedade de suas memórias", descreve a curadora.