A prática regular de musculação pode desempenhar um papel fundamental na proteção do cérebro contra demências em idosos, segundo um estudo inédito conduzido pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn) da FAPESP. Publicada na revista GeroScience , a pesquisa acompanhou 44 pessoas com comprometimento cognitivo leve e constatou que a musculação, praticada duas vezes por semana com intensidade moderada ou alta, preserva áreas cerebrais essenciais, como o hipocampo e o pré-cúneo, que costumam ser afetadas em quadros iniciais de Alzheimer.
Além disso, os pesquisadores identificaram um impacto positivo na substância branca do cérebro, que desempenha papel crucial na comunicação entre neurônios. Os benefícios foram observados após apenas seis meses de treino, com cinco participantes recuperando completamente suas funções cognitivas e deixando de ter o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve.
Exercício e prevenção da demência
A pesquisa utilizou testes neuropsicológicos e exames de ressonância magnética para analisar os efeitos da musculação no cérebro. Sabe-se que, entre pessoas com perda cognitiva, ocorre atrofia cerebral, ou seja, redução do volume de certas regiões do cérebro. O estudo, no entanto, mostra que o treinamento de força pode retardar ou até reverter esse processo.
Os achados reforçam a importância da atividade física para a saúde mental em um cenário preocupante: atualmente, 2,71 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais convivem com algum tipo de demência. Segundo o Relatório Nacional sobre Demência, do Ministério da Saúde, esse número pode dobrar até 2050, alcançando 5,6 milhões. O documento destaca que 45% dos casos de demência poderiam ser evitados com a adoção de hábitos saudáveis.
Entre os fatores que aumentam o risco de demência estão:
Baixa escolaridade
Perda auditiva
Hipertensão
Diabetes
Obesidade
Tabagismo
Depressão
Inatividade física
Isolamento social
A musculação como aliada do bem-estar
A atriz e modelo Shirley de Toro, de 62 anos, é um exemplo de como a musculação pode melhorar a qualidade de vida. Há 17 anos, ela frequenta a academia do Sesc Santana, em São Paulo.
Após uma cirurgia cerebral para tratar epilepsia e um acidente grave, em que quebrou clavícula, costelas e parte da coluna, Shirley percebeu os benefícios da musculação. “Fazia fisioterapia e saía chorando de dor. Quando comecei a pegar peso na academia, as dores sumiram. Melhorou muito”, conta.
Durante a pandemia, ela manteve a rotina de exercícios mesmo à distância, o que foi essencial para sua saúde mental. “No começo, achava que era chato, mas hoje sinto falta. Quando não vou à academia, tento compensar subindo as escadarias do metrô”, relata.
Força e autonomia para os idosos
Especialistas destacam que os exercícios de força são essenciais para os idosos, ajudando a preservar a autonomia e evitar quedas. Alessandra Nascimento, técnica do Sesc São Paulo, explica que práticas como musculação, calistenia e treinos com resistência têm impactos positivos na cognição e na saúde mental.
“Antes, acreditava-se que idosos deveriam fazer apenas hidroginástica ou dança. Hoje, sabemos que treinos de força são essenciais para prevenir a perda de massa muscular e garantir independência”, afirma Alessandra.
Ela ressalta, ainda, a necessidade de políticas públicas para incentivar o acesso às atividades físicas. “Precisamos incluir profissionais de educação física no SUS, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), para que esse trabalho seja multidisciplinar, com médicos, fisioterapeutas e educadores físicos”, conclui.
O estudo reforça o recado: manter-se ativo é uma das melhores estratégias para preservar o corpo e a mente, garantindo um envelhecimento mais saudável e independente.