A prática também é responsável por aprimorar a memória e a estrutura cerebral.
Estudo inédito conduzido por pesquisadores do Instituto Brainn, da Unicamp, e financiado pela FAPESP, revela que a prática regular de musculação é capaz de preservar áreas do cérebro associadas à memória e à cognição em idosos, contribuindo para a prevenção de quadros de demência, como o Alzheimer.
A pesquisa foi publicada na revista científica GeroScience e acompanhou 44 pessoas com diagnóstico de comprometimento cognitivo leve — uma condição intermediária entre o envelhecimento normal e a instalação da demência. De acordo com os resultados, praticar musculação duas vezes por semana, em intensidade moderada ou alta, ajudou a preservar estruturas como o hipocampo e o precuneus, regiões do cérebro diretamente afetadas pelo declínio cognitivo.
De maneira inédita, os pesquisadores também constataram melhora na substância branca cerebral, essencial para a comunicação entre neurônios, por meio das conexões sinápticas. Os benefícios foram observados já após seis meses nos participantes que incorporaram a musculação à rotina.
“No grupo que praticou musculação, todos os indivíduos apresentaram melhoras de memória e na anatomia cerebral. No entanto, cinco deles chegaram ao final do estudo sem o diagnóstico clínico de comprometimento cognitivo leve, tamanha foi a melhora”, afirma a doutoranda Isadora Ribeiro, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, primeira autora do artigo.
Os cientistas utilizaram exames de ressonância magnética e testes neuropsicológicos para comparar as alterações cerebrais dos participantes, com foco na análise de volume cerebral — dado que, em quadros de demência, certas regiões do cérebro tendem a atrofiar.
Envelhecimento e políticas públicas
Segundo o Relatório Nacional sobre a Demência , divulgado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2023, cerca de 2,71 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais convivem com algum tipo de demência. Esse número pode chegar a 5,6 milhões até 2050. O documento alerta que até 45% dos casos poderiam ser evitados ou adiados com intervenções em fatores de risco, como baixa escolaridade, perda auditiva, hipertensão, diabetes, tabagismo, obesidade, depressão, inatividade física e isolamento social.
Benefícios sentidos na prática
A atriz e professora aposentada Shirley de Toro, de 62 anos, é frequentadora assídua do Sesc Santana, na zona norte de São Paulo. Após uma cirurgia cerebral para tratar epilepsia e um acidente de trânsito que causou diversas fraturas, ela passou a utilizar a musculação como recurso terapêutico.
“Quebrei clavícula, costela, uma parte da coluna e isso foi o desencadeador para o esporte, porque eu fazia fisioterapia e saía chorando de dor. […] Quando vim para a academia, comecei a fazer exercícios de força e pararam as dores. Melhorou muito. Faço todo tipo de exercício, pego peso”, relata.
Durante a pandemia de Covid-19, manter a rotina de exercícios — mesmo de forma remota — foi crucial para sua saúde mental. “Hoje eu sinto falta. Quando vou trabalhar, subo as escadarias do metrô, para dar um jeito [de me manter em movimento]”, afirma Shirley, que atualmente pratica ginástica multifuncional.
Especialistas defendem exercícios com carga para idosos
Alessandra Nascimento, técnica da gerência de desenvolvimento físico-esportivo do Sesc-SP, destaca que a musculação e outras práticas com sobrecarga — como calistenia ou uso de elásticos — oferecem não apenas benefícios físicos, mas também cognitivos e emocionais.
“Os trabalhos com sobrecarga […] têm mostrado que, além dos benefícios físicos, trazem melhoras cognitivas e relacionadas à saúde mental, de foco”, afirma.
Ela reforça que, por muito tempo, atividades como dança ou hidroginástica eram as únicas indicadas para idosos, mas esse paradigma está mudando com base em novas evidências científicas. A especialista lembra ainda que a perda de força e massa muscular começa por volta dos 30 anos e deve ser combatida com exercícios adequados.
“Hoje em dia, a gente vê o contrário, os médicos indicando um trabalho de força, de resistência, justamente porque os estudos vêm mostrando a importância de proteção, de ter mais massa muscular […] para conseguirmos fazer as atividades do dia a dia sem depender de ninguém.”
Por fim, ela defende que políticas públicas ampliem o acesso da população aos profissionais de educação física por meio do SUS, para que a atividade física possa integrar estratégias multidisciplinares de saúde pública.