Manter uma rotina de musculação vai muito além de ganhar força e resistência. Um estudo inédito desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn), ligado à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), revelou que a prática regular da musculação pode proteger o cérebro de idosos contra demências, inclusive revertendo quadros iniciais de comprometimento cognitivo.
Publicada na revista científica GeroScience , a pesquisa acompanhou 44 pessoas com diagnóstico de comprometimento cognitivo leve — estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a doença de Alzheimer. Os participantes que praticaram musculação duas vezes por semana, em intensidade moderada ou alta, apresentaram preservação de áreas cerebrais essenciais, como o hipocampo e o pré-cúneo — regiões diretamente afetadas por esse tipo de condição.
Além disso, o estudo — conduzido por 16 pesquisadores — identificou um efeito positivo inédito: a melhora na chamada substância branca do cérebro. Essa região é responsável por conectar os neurônios, garantindo a eficiência das sinapses. Os benefícios surgiram já nos primeiros seis meses entre os participantes que incluíram a musculação na rotina.
“No grupo que praticou musculação, todos apresentaram melhoras na memória e na anatomia cerebral. E, em cinco casos, o comprometimento cognitivo leve deixou de ser diagnosticado ao fim do estudo” , destaca Isadora Ribeiro , doutoranda da FAPESP e primeira autora do artigo, vinculada à Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Para aferir os resultados, os pesquisadores aplicaram testes neuropsicológicos e realizaram exames de ressonância magnética para comparar imagens do cérebro antes e depois da intervenção. Já se sabe que pessoas com perdas cognitivas costumam apresentar atrofia em determinadas regiões cerebrais.
Segundo o Relatório Nacional sobre a Demência, lançado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2024, cerca de 2,71 milhões de brasileiros com mais de 60 anos convivem atualmente com algum tipo de demência. Esse número pode dobrar até 2050, chegando a 5,6 milhões. O documento aponta que até 45% dos casos poderiam ser evitados ou adiados com mudanças no estilo de vida.
Entre os principais fatores de risco estão:
Baixa escolaridade
Perda auditiva
Hipertensão
Diabetes
Obesidade
Tabagismo
Depressão
Inatividade física
Isolamento social
A professora aposentada, atriz e modelo Shirley de Toro , de 62 anos, é um exemplo vivo dos benefícios da musculação. Moradora da zona norte de São Paulo e vizinha do Sesc Santana, ela frequenta a unidade há 17 anos.
“Fiz uma cirurgia no cérebro por conta de epilepsia. Antes disso, só trabalhava, nunca pensei em academia. Mas depois percebi que precisava me cuidar” , conta Shirley.
Após um atropelamento há cerca de 10 anos, passou a sentir dores intensas devido a fraturas e à implantação de uma placa. A musculação, conta, foi determinante para sua recuperação.
“Comecei a fazer exercícios de força e as dores pararam. Melhorou muito. Hoje, pego peso, faço de tudo.”
Durante a pandemia, manter a rotina de exercícios — mesmo em casa — foi fundamental para preservar sua saúde mental, especialmente após perder a mãe.
“A gente acha que nunca vai sentir falta de malhar, mas hoje sinto. Subo as escadas do metrô quando não consigo ir à academia.”
Para Alessandra Nascimento , técnica da gerência de desenvolvimento físico-esportivo do Sesc-SP, os benefícios dos exercícios de força vão além da estética ou da resistência muscular.
“Hoje sabemos que atividades com sobrecarga — seja com pesos, elásticos ou o próprio peso corporal — melhoram a saúde física e também a mental, incluindo foco e cognição” , explica.
Ela destaca que só recentemente a musculação passou a ser indicada para idosos. Antes, havia um consenso equivocado de que atividades leves como hidroginástica ou dança eram mais adequadas devido à suposta fragilidade dessa população.
“A partir dos 30 anos, perdemos força, equilíbrio e massa muscular. O ideal é frear esse processo com exercícios adequados.”
Alessandra defende que o acesso à prática de atividades físicas precisa ser ampliado, com mais profissionais da área atuando em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e no SUS.
“O trabalho precisa ser multidisciplinar. Médico, fisioterapeuta e educador físico devem atuar juntos. Mas ainda vemos pouco isso no Brasil.” Com infomações Agência Brasil.