Um grupo de cientistas idosos e já sem papas na língua resolveu contar “a verdade sobre as mudanças climáticas” num relatório publicado nesta quinta-feira (29). E o que eles têm a dizer não é nada conveniente para o estado geral de oba-oba que se instalou no mundo após o sucesso do Acordo de Paris. Segundo o relatório, a meta mais alta do tratado do clima, de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC, está “quase certamente perdida” devido às emissões de carbono do passado. E a meta mais baixa, de estabilização em menos de 2oC, pode ser perdida já em 2050 caso não seja feito um esforço de corte de emissões muito maior do que qualquer coisa que esteja na mesa de negociações hoje.
“Esse relatório reflete o drama dos cientistas que começaram a alertar para o problema”, disse ao OC o físico José Goldemberg, 88, presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ele é um dos sete autores do documento, capitaneado pelo inglês Robert “Bob” Watson, 68, primeiro presidente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). “Os cientistas que começaram isso estão cansados, velhos e vão morrer em breve”, brincou Goldemberg. “Eles se sentem obrigados a alertar sobre a espada de Dâmocles que paira sobre a humanidade”, prosseguiu, a sério, referindo-se ao aquecimento global.
O relatório, publicado por uma fundação argentina, é um documento curto, de 12 páginas, que se propõe a responder a oito perguntas incômodas. Entre elas, “por que tem sido tão difícil agir sobre o clima?”, “por que o público não entendeu a urgência da mudança climática?” e “uma transição para as energias renováveis resolverá a mudança do clima?”
Uma das maneiras de encontrar essas respostas foi fazer o que cientistas físicos fazem de melhor: botar números sobre a mesa. Segundo eles, para estabilizar o aquecimento em menos de 2oC, as emissões globais (54 bilhões de toneladas de CO2 hoje) deveriam cair 22% até 2030. No entanto, se todos os compromissos dos países para o Acordo de Paris (as chamadas NDCs) forem cumpridos na íntegra, as emissões em 2030 estarão no mesmo nível das atuais. Se apenas a parte não-condicionada (ou seja, as reduções que os países farão mesmo na ausência de financiamento externo, por exemplo) for cumprida, as emissões em 2030 serão 6% menores do que as de hoje.
O “buraco” de implementação para cumprir a meta seria de 17 bilhões de toneladas, o equivalente a todas as emissões da produção de energia do mundo inteiro. Para que a porção condicional das INDCs seja cumprida, os países em desenvolvimento precisarão de dinheiro dos ricos, que em Paris prometeram US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020. Estamos em 2016 e pouco mais de 10% disso foi disponibilizado por governos desenvolvidos.
Segundo Watson e colegas, mesmo com os compromissos já adotados o aquecimento global tende a ultrapassar o limite de 2oC no meio do século. Apenas entre 2012 e 2015 a temperatura já subiu de 0,85oC além da média pré-industrial para 1oC, e há mais 0,4oC a 0,5oC de aquecimento já comprometido devido à inércia do sistema climático, por conta dos gases emitidos no passado e da inação nos últimos 20 anos.
“A principal preocupação não é quando o objetivo de 2oC será excedido, mas com os impactos da mudança climática resultantes de tal aumento”, escreveram os autores. “Eventos extremos climáticos dobraram em número desde 1990. Um aumento na temperatura global de 2oC no próximo par de décadas implica em dobrar novamente o número desses eventos.”
Para desespero daqueles que vêm alardeando a transição para uma matriz elétrica renovável – algo que começa a ganhar tração no mundo, com o crescimento explosivo da energia solar e a queda de seu preço – como a panaceia para a crise do clima, os cientistas dizem que apenas isso não vai dar conta do recado.
O que o grupo advoga é uma “mudança radical” na maneira como o mundo produz e usa energia, atingindo emissão líquida zero em 2060 a 2075. Porém, como a humanidade procrastinou no clima por 20 anos, isso exigirá “opções mais restritivas e caras”. Entre elas, a chamada captura e armazenagem de carbono (CCS) pelas plantas de combustíveis fósseis e as emissões negativas, com CCS em usinas de bioenergia (o chamado BECCS) – uma tecnologia que os próprios pesquisadores dizem ainda não estar demonstrada e que traz riscos diversos. “As INDCs inadequadas aceleraram a dependência dessas tecnologias”, afirmam Watson e seus coautores.
Eles dizem esperar que tal dependência possa ser “reduzida” por meio do aumento da ambição das INDCs, a partir de 2018.
Do OC –
Fonte: Envolverde