Pessoas transgênero são aquelas que não se identificam com o sexo biológico.
Essas pessoas, muitas vezes, sofrem preconceitos e discriminação ao assumirem sua identidade de gênero, sendo o Brasil, pelo 15° ano seguido, o país que mais mata pessoas trans, com 145 assassinatos em 2023, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). No mercado de trabalho, a violência contra essas pessoas se manifesta por meio de barreiras no acesso a empregos formais e na permanência nas empresas, atingindo, principalmente, as mulheres trans.
De acordo com Bruna Benevides, presidente da Antra, a intolerância por parte de colaboradores e clientes e a falta de uma cultura de inclusão nas organizações, aliadas à associação das pessoas trans com a violência, dificultam a participação delas no mercado.
“As empresas têm dificuldade de contratar e garantir a permanência de pessoas trans por conta da transfobia. A maioria dessas empresas não têm um plano de diversidade, optando pela exclusão e demissão dessas pessoas. Além disso, existe um contexto de extrema violência e disseminação de narrativas falsas que colocam pessoas trans como violentas e perigosas, o que causa reflexos no mercado de trabalho formal para elas, que são privadas de direitos”, pontua.
Uma pesquisa de 2022 do Grupo pela Vidda, organização não governamental que promove a integração de pessoas convivendo com HIV, feita com homens e mulheres trans, apontou que apenas 15% dos 147 participantes trabalhavam com carteira assinada, enquanto cerca de 27% desempenhavam trabalho autônomo informal. De acordo com a Antra, 60% dos profissionais trans deixam os postos nos primeiros seis meses após a contratação.
Para as mulheres trans e travestis, o mercado de trabalho se mostra mais hostil, com somente 13,9% delas ocupando empregos formais, segundo dados de 2020 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Entre elas, as negras são as principais afetadas. Em comparação com homens trans, o índice é de 59,4%, evidenciando desigualdade de gênero nesse campo.
“As travestis e mulheres trans têm sido sistematicamente assassinadas e têm maior dificuldade de se manter no ambiente educacional, porque as pessoas não respeitam a identidade de gênero delas. As interseccionalidades, como classe, raça e a localização geográfica, ainda colocam essa população em maior vulnerabilidade, sendo que as negras têm sido as que menos acessam políticas públicas”, afirma Bruna Benevides.
Andy Amazonas, 34 anos, e Scarlety Pereira, 30 anos, foram as primeiras mulheres trans contratadas pelo Senado. Hoje, atuam no serviço de copa, em vagas temporárias, e batalharam muito para chegar ao espaço que hoje ocupam, abrindo caminhos para a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho.
Natural de Itacoatiara, Amazonas, Andy se assumiu para a família na adolescência, descrevendo que, naquele momento, percebeu “como era difícil ser diferente.” Ela conta que foi a São Paulo em busca de emprego e enfrentou dificuldades para conseguir um trabalho formal, até que veio para Brasília e conseguiu “uma coisa que jamais pensei que conseguiria: o tão sonhado emprego”.
Após distribuir vários currículos, Andy foi chamada para uma entrevista de emprego no Senado Federal. Ela relata que sua experiência está sendo “enriquecedora, porque estou conseguindo aprender um ofício, ver como funciona o ritmo de trabalho formal e aprender sobre meus direitos no trabalho.”
Scarlety se assumiu como mulher trans aos 17 anos e, assim como Andy, enfrentou barreiras para se inserir no mercado. Sempre se enxergando em um lugar feminino, ela compartilha que não foi aceita nesse ambiente, trabalhando sem carteira assinada. “Trabalhei durante anos em salões de beleza, por ser o único lugar de oportunidade que eu tinha, mas sempre tive um pensamento positivo, sabia que, se eu me esforçasse e me destacasse, eu seria vista com um olhar de empatia”, expõe.
Então, Scarlety se tornou ativista da causa trans, virando apresentadora de eventos em 2014 e ganhando visibilidade no meio LGBTQIA+. “Pensei que isso poderia ir além, queria ser exemplo para outras trans, para que as pessoas não pensassem que nossa única opção fosse as ruas, que nossos corpos não fossem usados como comercialização”, destaca. Hoje, como tanto desejava, descreve que é vista “com um olhar de empatia” em seu novo emprego.
Stella Vaz, coordenadora do Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado, explica que a contratação de Andy e Scarlety faz parte de uma política inclusiva que vem sendo desenvolvida pela instituição, com ações voltadas para populações vulneráveis, como mulheres em situação de violência doméstica e pessoas negras.
“No âmbito do comitê, trabalhamos a inclusão e a valorização da diversidade na cultura organizacional. Mais recentemente, criamos o grupo de trabalho LGBTQIA+, como um espaço de acolhimento, fortalecimento e de levar esse letramento sobre a diversidade. Hoje, colocamos isso em prática nos contratos de terceirização, por isso, surgiu essa ideia de trazer as copeiras”, afirma.
Em 2023, o Senado também contratou um homem trans como temporário, que foi efetivado. Este ano, foi a vez de mulheres trans, como conta Lauro Brayer, responsável pela contratação de Andy e Scarlety, registradas no banco de talentos do Senado. Ele descreve o processo como uma experiência “maravilhosa, porque eram pessoas que precisavam de ajuda, de uma oportunidade de trabalho, e elas são muito comunicativas e dispostas a ajudar”. Na visão de Lauro, a transformação social é possível e envolve vários agentes: “Todo mundo tem a vontade de fazer alguma coisa para ajudar, só falta começar, isso é uma construção coletiva.”
A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, defende a participação de funcionários trans no quadro colaborativo das empresas, contribuindo para a pluralidade no mercado de trabalho. “Oferecemos a essas pessoas postos de trabalho formais, em um ambiente saudável, protegendo seus direitos e dando oportunidade de especialização e convivência, de forma a não serem discriminadas. A qualidade do trabalho se sobrepõe ao gênero, a raça e à sexualidade”, declara.
Melissa Martel, 25 anos, fez história ao ser a primeira mulher trans bombeira militar do Amapá. Antes de entrar para o corpo de bombeiros, ela trabalhou em um setor burocrático, mas, prestes a terminar a faculdade de relações internacionais, relata que sentia necessidade de ter um emprego estável, então prestou vários concursos públicos e foi aprovada para o Corpo de Bombeiros Militar do estado (CBMAP). Hoje, ela tem orgulho do espaço que conseguiu alcançar.
Melissa compartilha que, inicialmente, teve receio de ser uma mulher trans em meio a uma organização militar, pelo preconceito que poderia sofrer em razão de sua identidade de gênero. Porém, ela diz que encontrou forças diante de histórias inspiradoras, descrevendo uma sensação de pertencimento no local de trabalho, que fez com que ela não desistisse do sonho de ser bombeira.
“De primeira, eu fiquei um pouco receosa por ser uma organização militar e com medo de travar batalhas que, de certa maneira, outros candidatos não precisariam. Ao pesquisar mais a fundo sobre o histórico de pessoas trans em corporações militares, me deparei com a história da Paula e do Theo, que foram as primeiras pessoas trans a atuarem em corpos de bombeiros no Brasil. Desde então, um sentimento de possibilidade e pertencimento foi se apoderando de mim, pois, se para eles foi possível, eu o faria também”, narra.