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Mulheres com glicemia não controlada têm maior risco de declínio cognitivo (32 notícias)

Publicado em 11 de dezembro de 2024

Ao comparar os dados de quase 4 mil pessoas, pesquisadores identificaram que mulheres são mais suscetíveis do que homens a ter declínio cognitivo mais acelerado quando a glicemia não é controlada.

No trabalho, curiosamente não foi identificada perda de memória entre os problemas cognitivos, mas sobretudo prejuízos nas chamadas funções executivas – processos cognitivos que envolvem o controle de emoções, o planejamento e a realização de ações e pensamentos.

“O declínio cognitivo pode ocorrer com o envelhecimento, como resultado de alterações no sistema nervoso central. Mas o que vimos no estudo é que ele se deu de forma mais acelerada em mulheres com diabetes e sem o controle adequado da glicemia. Entre os homens, não foi observada associação entre diabetes e declínio cognitivo, seja com glicemia controlada ou não. Isso mostra a importância de aprofundar o entendimento sobre como as doenças se dão de diferentes maneiras entre homens e mulheres e também, no caso do diabetes, sobre a importância do controle glicêmico adequado”, disse à Agência FAPESP Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e orientador do estudo, que foi apoiado pela FAPESP.

Publicado na revista Journals of Gerontology Series A , o estudo analisou os dados de 3.984 participantes com mais de 50 anos – sendo 1.752 homens e 2.232 mulheres – por oito anos. Os participantes integram o Estudo ELSA (acrônimo em inglês para Estudo Longitudinal Inglês do Envelhecimento).

O ELSA coleta dados multidisciplinares de uma amostra representativa da população britânica e é conduzido pela University College London – UCL (Reino Unido). A pesquisa sobre diabetes e prejuízo da função cognitiva foi desenvolvida pela pesquisadora Natália Cochar Soares, bolsista da FAPESP, com participação de coautores da Universidade de São Paulo (USP) e UCL, além da UFSCar.

O diabetes é uma doença com forte impacto em diferentes órgãos, como os rins, olhos, músculos, nervos e cérebro. Isso porque o excesso de glicose no sangue causa diversas lesões nos vasos sanguíneos, acarretando o aumento de fatores inflamatórios que podem levar a gangrena, amputação, insuficiência renal, comprometimento da visão e risco aumentado de doenças cardiovasculares.

No caso do cérebro, os fatores inflamatórios podem acarretar atrofia, redução da quantidade de neurônios e alterações em áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal, relacionados a domínios cognitivos como as funções executivas.

“O declínio cognitivo nesses casos, portanto, está associado à doença de pequenos vasos cerebrais. Uma possível explicação para a aceleração observada apenas em mulheres sem controle glicêmico adequado são fatores hormonais. O estrógeno é um neuroprotetor conhecido, mas durante a menopausa ocorre uma redução desse hormônio nas mulheres, o que pode acarretar maior vulnerabilidade”, explica Soares.

“Mas há também fatores sociais. No estudo, os idosos britânicos tinham maior escolaridade que as mulheres. Sabe-se que a escolaridade contribui para que haja uma maior reserva cognitiva, mecanismo possivelmente capaz de compensar os efeitos de uma lesão cerebral. Independente do motivo que leva a essa diferença entre homens e mulheres, os resultados chamam a atenção para a necessidade de um controle glicêmico adequado”, completa a pesquisadora.

Soares explica que existem seis domínios cognitivos: função executiva, linguagem, atenção, memória , perceptomotor e cognição social. No estudo, os pesquisadores observaram declínio na cognição global e na função executiva, mas não encontraram prejuízos de memória.

“Isso foi um pouco surpreendente, pois geralmente o início do declínio cognitivo tende a ocorrer na memória e não foi o que aconteceu nos casos estudados. Há uma explicação fisiológica para isso: as estruturas cerebrais que vão ser comprometidas por conta das alterações vasculares inflamatórias do diabetes são as responsáveis pela função executiva e não pela memória. O diabetes afeta áreas cerebrais mais associadas às funções executivas, como o córtex pré-frontal”, diz Soares.

No trabalho, o controle glicêmico foi avaliado por meio dos níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) no sangue – parâmetro que reflete a quantidade de açúcar circulante. Nos indivíduos com diabetes, a meta glicêmica é atingida quando os níveis de HbA1c estão entre 6,5% e 7%, o que caracteriza o adequado controle glicêmico. Já níveis de HbA1c acima de 7% correspondem a um pior controle glicêmico.

Um estudo anterior , realizado pelo mesmo grupo de pesquisadores mostrou que um controle glicêmico não adequado acarreta um maior declínio da velocidade de caminhada em pessoas idosas.

“Com esses dois trabalhos mostramos a importância do bom controle glicêmico para a cognição e mobilidade de pessoas idosas. Isso mostra a necessidade de um controle glicêmico mais rigoroso, independente da condição. Defendemos que o valor de HbA1c precisa ser mantido entre o 6,5%, que é o ponto de corte da normalidade, e o 7%, que é o bom controle da glicemia. O descontrole contínuo da glicemia pode gerar lesões a longo prazo nos vasos sanguíneos que resultam em uma série de problemas em diversos órgãos, inclusive de cognição e mobilidade”, diz Alexandre.

O pesquisador ressalta que o prejuízo cognitivo ocasionado pela falta de controle adequado da glicemia em brasileiras pode ser ainda maior que o observado no estudo.

“O estudo populacional foi realizado com pessoas idosas britânicas, mas acredito que no Brasil os dados poderiam ser um pouco piores do que o observado no Reino Unido por causa da questão da escolaridade. A média de escolaridade das pessoas idosas no Brasil é muito mais baixa que no Reino Unido e isso faz com que a reserva cognitiva, que seria um efeito protetor contra as lesões vasculares no cérebro, também seja menor”, afirma Alexandre à Agência FAPESP.