Sempre que alguém falava de Araraquara, dizia: terra de Ruth Cardoso. Ela levou o nome da cidade ao Brasil inteiro, ao mundo. Poderemos continuar a dizer: terra de Ruth Cardoso, porque se há uma pessoa que vai ser lembrada será ela, a que não gostava do título de primeira-dama. Porém, olhem para a história. Quem foi uma primeira-dama com maior dignidade, coerência, trabalho social, amor aos desprivilegiados, aos despossuídos, quanto ela? Não é só nossa cidade que ficou triste, foi o Brasil. Quem viu o noticiário estes dias sentiu as reações, todos com um travo na garganta. Tenho certeza que Araraquara toda entristeceu. Ruth Cardoso era um enorme orgulho para todos nós. Por quem foi, pelo que fez, pela dignidade com que fez, pelo jeito de fazer. O social dela foi copiado pelo Lula que acrescentou um toque eleitoreiro, para se garantir no posto. Quando apanhei os jornais na sexta-feira me emocionei ao ler que Fernando Henrique Cardoso chorou ao receber as bandeiras do Brasil e de Araraquara. Quem teve a bela idéia de mandar nossa bandeira? Porque Ruth amava esta cidade onde viveu até os 15 anos e à qual retornou esporadicamente. Quem conheceu os pais dela, José e Mariquita, entende as posturas de Ruth. Integridade e simplicidade e compreensão absoluta da realidade. Pé no chão. Tive sorte (ou foi acaso, essa coisa que não existe?) por ter sido eu a registrar as emoções de Ruth ao regressar a Araraquara depois de muitíssimos anos de ausência. Suas sensações ao olhar a cidade das janelas do Hotel Eldorado. Uma cidade que não parecia mais a dela. E o reencontrar gradual com as raízes, por meio das amigas, dos conhecidos. Em poucos dias ela reconstituiu a cidade em que tinha nascido, reviu memórias, lugares. O que estava apenas na imaginação tomou corpo, ganhou contornos concretos. Este revival foi lido primeiro na Vogue, depois em meu livro A Altura e a Largura do Nada. Uma cena que não esqueço — e que relatei na minha crônica paulistana na sexta-feira — aconteceu no Itamaraty, em Brasília. Um dia o Ministério das Relações Exteriores, sei lá por que razão, me deu a Comenda da Ordem de Rio Branco. No dia da entrega oficial, eu não estava no Brasil, marcou-se outra data. Apareci em Brasília, num dia em que o presidente do México nos visitava e fui à recepção. Entrei na fila de cumprimentos e quando cheguei perto dos presidentes, Ruth sorriu e disse ao ministro Celso Lafer: “Esta tarde será muito mais de Araraquara do que do México”. Houve um almoço e mal terminado fui levado pelos labirintos do Itamarati à sala do ministro. Ali estavam Ruth Cardoso e Celso Lafer — a mãe dele morou em Araraquara certa época, até se casar e vir para São Paulo. Uma cerimônia improvisada, informal, descontraída, sem protocolos, cheia de sorrisos. Falou-se do quê? Da nossa cidade. Agora, nesta sexta-feira em que escrevo esta crônica, Celso Lafer me liga para falar do meu texto sobre Ruth. Conversamos um tempo e ele me contou que ela, quando presenciava uma situação estranha, insólita, dessas normais no mundo político tão sem ética, costumava dizer e repetir: “Há coisas, Celso, que uma mulher nascida em Araraquara, e bem educada, não precisa ver, nem ouvir”. Nesta altura, em alguma parte Ruth e Maria Alice Tedde, tão sua amiga, devem estar trocando idéias.