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Terra da Gente

Mudanças na análise da água

Publicado em 14 dezembro 2011

Bastou uma série de análises, tanto na água bruta quanto na tratada, a partir de amostras coletadas na Bacia do Rio Atibaia, que abastece a região de Campinas (SP), para que uma luz de alerta fosse acionada (sobretudo por parte das concessionárias que atuam no setor). A razão: “Todas as amostras coletadas diretamente do manancial apresentaram atividade estrogênica. Nas amostras de água já tratada, 40% também tiveram o mesmo resultado”, informa a química Cassiana Montagner Raimundo, autora de tese de doutorado recentemente defendida na Unicamp (“Contaminantes emergentes em água tratada e seus mananciais. Sazonalidade, remoção e atividade estrogênica”).

Em outras palavras, os testes constataram que os sistemas de tratamento utilizados atualmente não são suficientes para eliminar da água que chega à torneira das residências uma série de contaminantes, entre eles, o estrógeno, popularmente conhecido como hormônio feminino.

Excretado pelo corpo, na forma natural ou sintética (presente nas pílulas anticoncepcionais, por exemplo), esse hormônio vai parar nos mananciais através do esgoto doméstico. “Este composto tem a capacidade de afetar o sistema endócrino de animais aquáticos, como os peixes. Ainda não sabemos, porém, qual o seu efeito no organismo humano. De toda forma, é uma situação preocupante”, afirma o professor Wilson de Figueiredo Jardim, coordenador do Laboratório de Química Ambiental (LQA) do Instituto de Química (IQ) da Unicamp e orientador da tese desenvolvida por Cassiana Montagner Raimundo.

Pesquisadores do LQA agora pretendem estabelecer uma nova forma de análise da qualidade da água servida à população. Além dos testes químicos, já consagrados neste tipo de abordagem, os cientistas querem acrescentar ao procedimento o ensaio biológico.

Os testes biológicos realizados pela autora do trabalho foram implementados no Brasil pela professora Gisela Umbuzeiro, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FAC) da Unicamp, do campus em Limeira (SP), junto com o pessoal da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), órgão subordinado à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Cetesb). O projeto temático foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Nos ensaios, foi usada uma levedura modificada geneticamente. O micro-organismo recebeu um gene humano receptor do estrógeno e também um gene do vagalume, de modo a torná-lo uma espécie de “sensor luminoso”. Assim, ao entrar em contato com o hormônio presente na amostra de água, a levedura emitia uma luz, numa reação chamada de bioluminescência pelos cientistas. De acordo com o professor Jardim, a inclusão do ensaio biológico na avaliação da qualidade da água é importante porque torna o procedimento ainda mais preciso.

“O que estamos fazendo, e o trabalho da Cassiana foi importante nesse sentido, é estabelecer um vínculo entre as duas formas de mensurar os contaminantes presentes na água. Trata-se, sem dúvida, de um novo paradigma”, considera.

O docente adverte, porém, que a resposta biológica também tem suas limitações. “No caso da levedura que utilizamos, por exemplo, o gene receptor humano tem capacidade de identificar alguns estrógenos, mas não todos. De toda forma, esse método representa um avanço significativo para a análise da qualidade da água. Até onde estou informado, o método já está sendo introduzindo nas rotinas da Cetesb”.

Herbicida

Ao todo, Cassiana considerou em seu trabalho 16 contaminantes. Destes, 13 foram encontrados pelo menos uma vez em amostras de água bruta da Bacia do Atibaia, em concentrações variadas. Nas amostras de água tratada, seis compostos foram determinados pelo menos uma vez, também em diferentes concentrações.

Uma das surpresas foi a presença da substância denominada atrazina, um herbicida usado com frequência em algumas culturas agrícolas, entre elas, a cana-de-açúcar. “Esses resultados revelam que os processos de tratamento utilizados pelas concessionárias não são suficientes para eliminar essas substâncias da água. Elas aparecem em níveis equivalentes a nanogramas por litros, mas a literatura tem indicado que essa quantidade já tem sido suficiente para provocar efeitos adversos na biota”, acrescenta a autora da tese.

Cassiana observa, ainda, que a situação da contaminação das águas que abastecem a população se torna ainda mais crítica no período de seca. Ela pôde constatar isso em seu trabalho, dado que realizou 13 coletas na Bacia do Atibaia ao longo de um ano (abril de 2010 a abril de 2011). “Os testes químico e biológico apontaram que a presença de compostos e a atividade estrogênica são maiores no período de estiagem”, revela.

Na opinião do professor Jardim, as atuais condições do Rio Atibaia, um dos principais rios da Região Metropolitana de Campinas, são críticas. “Essa manancial talvez seja o pior exemplo regional das consequências que tivemos do crescimento econômico. Se por um lado a população teve o seu poder de compra e consumo ampliados, por outro os investimentos em saneamento não acompanharam essa progressão”, compara.