No dia 5 de novembro, perdemos uma luz intensa, um farol. Perda para a ciência e o país, para familiares, discípulos e amigos, perdemos um gigante, um ícone, um humanista.
Cientista renomado, autor de artigos e livros prestigiados internacionalmente, comprometido com o ensino de ciência, defensor destemido de cientistas perseguidos e do apoio à ciência, Moysés fará muito falta, nesses tempos desafiadores, em que o retorno da esperança se beneficiaria da luz intensa de sua personalidade iluminada, para ajudar a traçar caminhos seguros rumo a um futuro melhor de um país sofrido.
Em artigo publicado na Folha de São Paulo em 24 de agosto de 1994, com o título “O Exterminador do Futuro”, Moysés escreveu: “O que têm em comum Arnold Schwarznegger com a equipe econômica do governo Collor? Ambos desempenham o papel de 'exterminadores do futuro', embora em sentidos diversos: o ator, representando o cyborg enviado do futuro para eliminar, no presente, ameaças potenciais; a política econômica do governo, exterminando a ciência brasileira — e juntamente com ela, nosso futuro.” Esses comentários, representativos de sua acuidade, aplicam-se perfeitamente ao atual governo. E testemunham a militância de Moysés pela causa da ciência.
Participou de comissões importantes para o planejamento da ciência, foi Presidente da Sociedade Brasileira de Física, criou e dirigiu o Departamento de Física-Matemática da USP, dirigiu o Instituto de Física da USP, participou de vários conselhos científicos e editoriais no Brasil e no exterior, idealizou o Programa de Laboratórios Associados que serviu de inspiração para o Programa de Núcleos de Excelência do MCT (PRONEX). Foi fundador e coordenador da Coordenação de Programas de Estudos Avançados (COPEA) da UFRJ, um programa interdisciplinar com ciclos de palestras para o público geral, dadas por especialistas nacionais e internacionais, que deu origem a livros de divulgação de alta qualidade, um dos quais, sobre Complexidade e Caos, foi agraciado pelo prêmio Jabuti do ano 2000.
A dimensão atemporal está presente em seus trabalhos científicos, que não tratavam de temas momentaneamente na moda e continuam a ser referência obrigatória, muitos anos depois de publicados. Entre eles, menciono três que tiveram e continuam a ter forte impacto, descrevendo a física do arco-íris (“Theory of the Rainbow”) e do efeito auréola (“Theory of the Glory”), e que reinterpretam a difração como um fenômeno de tunelamento (“Diffraction as Tunneling”).
Por que trabalhar nesses temas? Moysés deu a resposta, em entrevista publicada na Revista da FAPESP: “Tive muita sorte: só trabalhei em temas que considero bonitos. Fico feliz de ter contribuído com o entendimento de coisas tão belas como a auréola. O que mais me motiva a estudar um assunto, definitivamente, é que ele seja belo”.
Seus três livros científicos continuam impactantes em diversas áreas de pesquisa, sobre Causalidade e Relações de Dispersão, Ótica Quântica e Efeitos de Difração em Espalhamento Semiclássico. Rigor, clareza na explanação, apresentação guiada pela beleza do tema, são as marcas de seus trabalhos.
Obtuário escrito por Luiz Davidovich, Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro