Programação especial traz documentários sobre o Pantanal, a Amazônia e as semelhanças entre Mussolini e Donald Trump
Com realização estimada para agosto, a Mostra Ecofalante propõe uma programação especial online para marcar a Semana do Meio-ambiente entre 3 e 9 de junho. Serão exibidos cinco filmes produzidos no Brasil, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, com acesso gratuito pela plataforma Videocamp. São eles Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra, assinado por Jorge Bodanzky e pelo fotógrafo João Farkas, Amazônia Sociedade Anônima, de Estêvão Ciavatta, A Grande Muralha Verde, que tem produção executiva de Fernando Meirelles, O Golpe Corporativo, de Fred Peabody, e Ebola: Sobreviventes, de Arthur Pratt.
Os cinco documentários serão o ponto de partida para debates sobre os seguintes temas: conservação ambiental, mudanças climáticas, economia e saúde. Os encontros, que serão transmitidos ao vivo pelo YouTube e pelo Facebook, têm confirmados os cineastas Fernando Meirelles, Jorge Bodanzky e Estêvão Ciavatta; Mariluce Moura (Revista Fapesp) e Claudio Angelo (da rede Observatório do Clima); Adriana Ramos (Instituto Socioambiental – ISA), Silvio Caccia Bava (editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil), entre outros.
Veja a programação no site da mostra.
Tive a oportunidade de ver três dos cinco filmes, que comento a seguir:
Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra leva o cineasta-expedicionário Jorge Bodanzky para o Pantanal mato-grossense. Vai acompanhado do fotógrafo João Farkas, filho de Thomas e irmão de Pedro, que nos últimos tempos tem apontado suas finas lentes para a região. As fotos de João e as filmagens de Jorge, acrescidas de muitas tomadas de drones, desvendam a imensa paisagem pantaneira. A beleza das imagens não disfarça, porém, a devastação que vem ocorrendo na área.
O documentário de média metragem se concentra, primeiro, na região da Bacia do Taquari, rio que vem sendo assoreado e causando a destruição de fazendas, da diversidade ambiental e dos meios de vida da população. Numa segunda instância, focaliza o fazendeiro Ruivaldo Nery de Andrade, que nada contra a corrente e batalha para salvar sua fazenda. Mais do que isso, como bom filho da terra, ele diz querer "o Pantanal de volta".
A invasão do agronegócio, associada ao descaso dos governos, vem transformando os rios do Mato Grosso do Sul em estradas de lama e dando margem a inundações extremamente destrutivas, provocando um dos maiores desastres ecológicos do país. Ao destacar o empenho de Ruivaldo, o filme procura deixar um alerta sobre um dos maiores desastres ecológicos do país e sobre a necessidade de se conciliar produção e preservação. Antes que o Pantanal se converta num enorme pântano, ou seja, numa extensão morta.
Amazônia Sociedade Anônima, que tem Walter Salles como produtor associado, também converge sua atenção para um caso específico a fim de tratar de contexto maior. No caso, o projeto de autodemarcação de uma tribo munduruku do Pará, em parceria com a população ribeirinha. O inimigo aqui são os grileiros que, desde a época do regime militar, invadem florestas públicas e desmatam indiscriminadamente.
Um dos eixos narrativos utilizados por Estêvão Ciavatta são interceptações telefônicas da Polícia Federal em que grileiros conversam sobre seus métodos e combinam os termos de possíveis compras ilegais de terra na Amazônia. Essas ações se baseiam em documentação falsa para "legalizar" madeira ilegal e na expectativa de que o governo, mais cedo ou mais tarde, vai passar a mão na cabeça dos ocupantes.
Amazônia Sociedade Anônima, que tem Walter Salles como produtor associado, também converge sua atenção para um caso específico a fim de tratar de contexto maior. No caso, o projeto de autodemarcação de uma tribo munduruku do Pará, em parceria com a população ribeirinha. O inimigo aqui são os grileiros que, desde a época do regime militar, invadem florestas públicas e desmatam indiscriminadamente.
Um dos eixos narrativos utilizados por Estêvão Ciavatta são interceptações telefônicas da Polícia Federal em que grileiros conversam sobre seus métodos e combinam os termos de possíveis compras ilegais de terra na Amazônia. Essas ações se baseiam em documentação falsa para "legalizar" madeira ilegal e na expectativa de que o governo, mais cedo ou mais tarde, vai passar a mão na cabeça dos ocupantes.
O Golpe Corporativo (The Corporate Coup d'Etat) não é um filme sobre meio-ambiente stricto sensu, a não ser por uma breve menção en passant. Como diz o título, é uma análise histórica sobre o "golpe de estado em câmera lenta" que as corporações deram na democracia estadunidense. A expressão é do filósofo político canadense John Raulton Saul para definir o avanço do neoliberalismo a partir dos anos 1970 nos EUA. O personagem de Ned Beatty em Rede de Intrigas (1976) já explicava ao de Peter Finch que as corporações eram as novas nações.
A partir desse conceito, o documentário de Fred Peabody tenta mostrar como, desde Reagan, os governos – incluindo os democratas – pavimentaram o caminho para a vitória de Donald Trump em 2016. Fechamento de fábricas com transferência da produção para países de salários baixos, desregulação de bancos, desmantelamento de programas sociais, declínio do sindicalismo e quetais elevaram a desigualdade e aprofundaram fissuras étnicas e de classe na sociedade. A associação falaciosa entre democracia e livre mercado é objeto de crítica de gente como o jornalista top Chris Hedges e o filósofo marxista Cornel West.
Outra tese abraçada por Fred Peabody é de que a noção política de corporativismo teria nascido com Mussolini. Para John Raulton Saul, foi Mussolini que venceu a II Guerra Mundial, deixando a semente do fascismo para prosperar mais adiante. O paralelo entre o Duce e Trump, inclusive com memes de montagem, é uma das tacadas mais agudas do filme
Peabody combina depoimentos, material de arquivo e entrevistas dos repórteres investigativos Phillip Martin (WGBH News) e Lee Fang (The Intercept). O trabalho de Martin é impactante ao colher as opiniões de ex-operários metalúrgicos arruinados que, depois de votarem duas vezes em Obama e até em Bernie Sanders, acabaram optando por Trump. O quadro tem semelhanças claras com o do Brasil – um misto de desilusão com a política, confusão de conceitos, sedução pelo autoritarismo espetacular e ignorância pura e simples.
No pano de fundo, lá como aqui, a herança da escravidão e o racismo que agora está sendo confrontado nas ruas dos EUA. Nada muito diferente do que aconteceu no Brasil, onde parte considerável das camadas populares votou no presidopata. Parafraseando uma fala do filme sobre entender mesmo sem saber, o neofascismo em voga é algo que sabemos, mas ainda precisamos saber mais para entender.