Um dos “pais” da internet no Brasil, Aleksandar Mandic morreu nesta quinta-feira, 6, aos 66 anos de idade. Ele foi o responsável por um dos primeiros provedores de internet do País, o Mandic. Deixa três filhos e duas netas.
O Estadão apurou que o empresário estava com leucemia e aguardava um transplante de medula óssea – no ano passado, ele ficou internado e chegou a ser intubado, após contrair e desenvolver um quadro gravíssimo de covid-19. Com residência em Portugal, Mandic havia voltado a morar no Brasil em dezembro de 2020 quando a saúde passou a ficar mais fragilizada. Ele estava internado desde a semana passada no hospital Vila Nova Star, em São Paulo. Atualmente, Mandic era o presidente da WiFi Magic, aplicativo que reúne senhas de Wi-Fis públicos de ruas em todo o mundo.
Segundo apurou a reportagem, Mandic conseguiu doação de medula da irmã e precisava ganhar peso para passar pelo transplante. Antes disso, passou por um ano difícil. Durante a pandemia de covid-19, chegou a ficar 40 dias na UTI e foi forçado a uma rotina de idas e vindas do hospital, quando teve que lidar também com uma infecção fúngica grave, que chegou a afetar visão, audição e fala.
“Meu pai foi em busca do sonho dele. E a minha mãe assumiu a bronca. Quando ele chegava do trabalho, eu já estava dormindo. E quando eu acordava, ele já tinha saído. Como criança era difícil, mas, como adulto, eu acho muito bonito. A história está aí. Ele fez a diferença no mundo”, conta ao Estadão Axel Mandic, 31, um dos filhos do pioneiro.
A Mandic Cloud Solutions, empresa que ele ajudou a fundar em 2002 (ainda com o nome Mandic Mail), emitiu um comunicado no começo da noite de ontem: “É com imenso pesar que recebemos a notícia sobre o falecimento de Aleksandar Mandic na tarde desta quinta-feira. Mandic foi um líder visionário que contribuiu fortemente para o desenvolvimento da internet e de novas tecnologias no Brasil. Ele já não fazia mais parte da composição acionária de nossa empresa, mas seu espírito inovador estará sempre nos acompanhando. Reconhecido como um dos maiores empreendedores do Brasil, ele será carinhosamente lembrado por todos por sua personalidade alegre e por sua inspiradora visão de futuro”.
Pioneiro
Assim como tantos empresários de sucesso nos primórdios da internet, Mandic começou na garagem da sua casa. Sem formação universitária, mas com formação técnica em eletricidade, trabalhava na Siemens (empresa onde começou apertando parafusos) quando teve a ideia de, usando duas linhas telefônicas de casa, começar uma BBS, sigla de Bulletin Board System, antigo sistema de informações eletrônicas por conexões telefônicas. Assim, em 1990, nasceu o Mandic BBS, que conectava usuários em uma rede de correios eletrônicos com tópicos de discussão. Dessa forma, Mandic foi o fundador da primeira empresa brasileira de internet – e o primeiro milionário nacional com esse tipo de negócio.
“Criei o Mandic para usar no trabalho, na Siemens. Mas não deu certo, então eu levei para casa e comecei a convidar alguns amigos. No começo, tinha quase ninguém. Depois passei a oferecer e-mail e, em 1995, eu tinha 10 mil usuários”, contou o empresário ao Estadão em 2015.
“Quando ele soube que a FAPESP estava se ligando à internet, veio falar conosco para saber como conseguiria fazer um gateway ligando os usuários dele com os outros usuários do mundo, para que as coisas fluíssem. Fizemos uma ponte em que havia como os e-mails circularem”, conta ao Estadão Demi Getschko, outro pioneiro da internet brasileira.
“Chegamos na era em que os visionários pioneiros da internet brasileira começam a nos deixar. O legado deles é a imensa criatividade, a inovação e a transformação que os brasileiros criam todos os dias na rede. Mandic acreditava no poder da internet antes da internet ser tudo. Ele foi na frente e criou uma das primeiras histórias de sucesso genuinamente brasileiras na rede. Foi com Mandic que muita gente teve que desligar o telefone para cair na rede global”, lamentou Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio)
Importância no iG
Com a consolidação da internet como meio comercial, Mandic abandonou o sistema BBS para aderir de vez ao formato world wide web (www) em 1995. Em 1999, Aleksandar decidiu vender a empresa, então com 110 mil clientes, para a argentina Impsat quando viu a concorrência no setor crescer – tempo suficiente para escapar do furo da bolha da internet. “Quatro meses depois, estourou a bolha. Se não tivesse vendido o negócio naquele momento, teria perdido meu dinheiro”, contou o empresário ao Estadão em entrevista de 2012. Ainda em 2012, declararia que se arrepende de não ter tornado o seu provedor gratuito. “Nem sempre a gente consegue prever os erros. O bom é que é possível mudar”, disse.
No ano seguinte, em 2000, juntamente com Nizan Guanaes e Matinas Suzuki Jr., Mandic ajudou a fundar o iG, provedor de internet que inovou na rede brasileira ao não exigir que os usuários fossem correntistas de algum banco. À época do lançamento, Mandic elogiava o fato de que a internet começava a se mostrar um empreendimento rentável sem cobrar dos usuários a entrada no serviço: “Anos atrás era impossível porque não havia publicidade nem comércio eletrônico”, declarou ao Estadão à época, quando havia somente 7 milhões de “internautas”.
“No iG, ele mantinha o comportamento único. Havia frases por todas as partes e um martelo na mesa (‘para quem só tem um martelo, todos os problemas são pregos’, dizia). Gostava de frases de efeito e as colecionava”, conta Demi. Entre algumas frases que o amigo lembra estão: “todos cozinham com água”, “Melhor errar depressa que acertar devagar” e “O prego que ressalta é o que acaba sendo martelado”. Mandic ficou no iG até o final de 2001.
Carreira
Em 2002, ele fundou a Mandic Mail, voltada para e-mails corporativos. Em 2004, o empresário disse que a empresa tinha atingido 80 mil clientes. No ano seguinte, a Mandic passou a oferecer duas novidades imensas aos clientes: armazenamento ilimitado na caixa postal e protocolo IMAP, o que permitia que o usuário acessasse as mensagens de qualquer computador.
Na sequência, a Mandic Mail evoluiu até se tornar a Mandic Cloud Solutions, uma empresa de serviço em nuvem. Já nesta versão, foi vendida, em 2012, para o fundo americano Riverwood Capital, por R$ 100 milhões, e Mandic comprou uma parte das ações, tornando-se conselheiro. Posteriormente, acabou deixando a empresa.
Na sequência, ele fundou a Mandic Magic – atual Wi-FI Magic. Com ela, o empresário queria chegar à fortuna, fazendo o aplicativo se tornar tão popular quanto o WhatsApp ou Uber. Nascida como um hobby em 2013, a empresa, que fornecia conexões e senhas de internet de roteadores próximos, atingiu 15 milhões de usuários em apenas um ano.
Em entrevista à revista Exame, Mandic afirmou que Apple e Microsoft entraram em contato com o empresário para comprar a tecnologia. “Queremos ser um WhatsApp brasileiro”, afirmou ele em 2014.
“Ele prosperou e chegou a comprar um avião. Vendeu tudo e andava com um Fusca azul claro. Mudou-se para Portugal depois de criar a Mandic Magic”, lembra Demi.
Política
Além da carreira de empresário, Mandic tentou se aventurar no mundo da política. Nas eleições de 2010, Mandic candidatou-se a deputado federal pelo DEM e prometeu uma campanha respeitando a sua carreira: sem panfletos, apostou em blogs, canais de comunicação, revelou número de celular e lançou um santinho eletrônico – um cartão com foto e número enviado a usuários de iPhone. Chegava a se vender como o “Candidato 2.0”.
Como promessa de campanha, defendeu Wi-Fi gratuito em locais públicos e nas principais estradas do País. “Marechal Rondon fez rodovias, e Mandic fará Infovias”. No total, recebeu 10,9 mil votos e não se elegeu.