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Moratória da soja precisa ser estendida para o Cerrado, defendem pesquisadores (13 notícias)

Publicado em 18 de julho de 2019

Por Elton Alisson, de São Pedro (SP)  |  Agência FAPESP

A implementação, em 2006, de um acordo entre a sociedade civil, agroindústrias e o governo para coibir a comercialização da soja proveniente de áreas desmatadas na Amazônia brasileira permitiu deter a expansão da produção da commodity naquele bioma sobre a floresta. Em contrapartida, o problema foi transferido para o Cerrado, onde a conversão de vegetação nativa em plantações do grão tem aumentado muito nos últimos anos, apontam especialistas.

Uma das medidas que poderiam contribuir para solucionar essa questão seria estender também para o Cerrado o pacto de desmatamento zero na Amazônia conhecido como a moratória da soja, sugerem pesquisadores do Brasil, da Áustria, França, Bélgica e dos Estados Unidos em estudo publicado nesta quarta-feira (17/07) na revista Science Advances.

Se entrasse em vigor em 2021, a iniciativa permitiria evitar a perda de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa que correm o risco de serem convertidos para produção da soja até 2050, calcula o estudo.

Alguns dos resultados do trabalho foram apresentados durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Cenários e Modelagem em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, que aconteceu entre os dias 1º e 14 de julho em São Pedro, no interior de São Paulo. Realizado com apoio da FAPESP, por meio do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), o evento reuniu 87 alunos, de 20 países.

“Descontando vazamentos – o aumento de perda de vegetação nativa para outras atividades agrícolas devido à expansão da cultura da soja sobre áreas já desmatadas –, estimamos que a extensão da moratória da soja para o Cerrado pouparia 2,3 milhões de hectares de vegetação nativa do bioma”, disse Aline Cristina Soterroni, pesquisadora brasileira do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicada (IIASA), na Áustria, e primeira autora do estudo, à Agência FAPESP.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 50% da soja produzida atualmente no Brasil é proveniente do Cerrado. Quase um quarto da área de cultivo da oleaginosa no bioma está situado no Matopiba – uma região que abrange porções dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, onde alguns dos últimos remanescentes intactos do Cerrado estão localizados. A produção de soja nessa região aumentou 253% entre 2000 e 2014.

Uma vez que a produção brasileira do grão deve continuar a crescer nas próximas décadas para atender a demanda de países como a China, o Cerrado continuará sendo a região onde ocorrerá a maior parte dessa expansão, estimam os pesquisadores.

“O Cerrado é o lugar onde a agricultura brasileira acontece. E, apesar de ser um hotspot de biodiversidade e abranger algumas das maiores bacias hidrográficas do país, corre o risco de desaparecer porque tem recebido menor atenção e é menos protegido do que a Amazônia. Além disso, suas áreas de vegetação remanescentes têm sido convertidas em lavouras ou pastagens mais rapidamente”, disse Soterroni.

Diferentemente da Amazônia, onde quase metade do bioma está sob algum tipo de proteção, apenas 8% do Cerrado – que possui menos de 20% de sua vegetação nativa remanescente não antropizada – está protegido. E enquanto o Código Florestal estabelece a conservação de 80% da vegetação nativa em terras privadas na Amazônia, no Cerrado esse número cai para 20% e para 35% para a porção situada na Amazônia Legal.

Além disso, medidas regulatórias governamentais, juntamente com iniciativas da cadeia de produção, como a moratória da soja, que foram responsáveis por reduzir o desmatamento na Amazônia brasileira, não têm avançado no Cerrado, segundo Soterroni.

“Quando o ambiente de governança é fraco e a vontade política é baixa, como temos observado no Cerrado, políticas surgidas por iniciativa do setor privado para combater o desmatamento e a conversão de vegetação nativa em áreas de pastagem ou lavoura, como a extensão da moratória da soja para o bioma, são fundamentais”, disse.

Código Florestal

A fim de analisar o impacto dessa medida na expansão da produção de soja no Brasil os pesquisadores usaram o Globiom-Brasil – uma versão regional de um modelo econômico global, desenvolvido pelo IIASA, que simula as mudanças no uso da terra com base na dinâmica da economia em intervalos de cinco anos entre 2000 e 2050.

Os resultados das simulações indicaram que a área de expansão da soja entre 2021 e 2050 no Brasil será de 12,4 milhões de hectares. A maior parte dessa expansão deve ocorrer justamente no Cerrado – que ganhará 10,8 milhões de hectares de lavoura contra 1,1 milhão de hectares a serem ocupados com essa cultura na Amazônia.

É provável que 86% dessa conversão de áreas de vegetação nativa em lavouras de soja ocorra na região do Matopiba, na fronteira do Cerrado com a Caatinga, onde a maior parte da vegetação remanescente não perturbada do bioma está localizada.

Em um cenário de extensão da moratória da soja para o Cerrado seria possível evitar a conversão direta de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa em lavoura de soja. Cerca de 2 milhões de hectares de lavouras de soja no Cerrado migrariam para outros biomas, indicaram as simulações.

“Essa migração das lavouras de soja para outros biomas ocorreria em áreas de pastagem ou improdutivas, sem causar desmatamento”, disse Fernando Manoel Ramos, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores do estudo.

Sem a moratória da soja, a aplicação do Código Florestal impediria que apenas 0,9 milhão de hectares de vegetação nativa fosse convertida em lavouras de soja, indicaram as simulações.

“O Código Florestal não é suficiente para preservar as áreas de vegetação remanescentes no Cerrado porque os níveis de proteção que estabeleceu para o bioma são baixos”, disse Soterroni.

Os pesquisadores também avaliaram os impactos no atraso da implementação da extensão da moratória da soja para o Cerrado. De acordo com os cálculos, o adiamento dessa decisão causa uma perda média de 140 mil hectares por ano de vegetação nativa.

“Isso equivale a uma perda anual de, aproximadamente, um Parque Nacional das Emas, que é um patrimônio mundial da humanidade. Se nenhuma ação for tomada, o Cerrado corre o risco de se transformar em uma vegetação fragmentada e empobrecida”, disse Ramos.

O artigo Expanding the soy moratorium to Brazil’s cerrado, de Aline C. Soterroni, Fernando M. Ramos, Aline Mosnier, Joseph Fargione, Pedro R. Andrade, Leandro Baumgarten, Johannes Pirker, Michael Obersteiner, Florian Kraxner, Gilberto Câmara, Alexandre X. Y. Carvalho e Stephen Polasky, pode ser lido na revista Science Advancesem https://advances.sciencemag.org/content/5/7/eaav7336.