Cerca de 10 moléculas estudadas para o combate da doença de Chagas mostraram-se 100% eficazes para tratar células infectadas pelo coronavírus. A conclusão é de um estudo que está sendo conduzido por pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. Em testes realizados em laboratórios onde o vírus está isolado, os cientistas observaram que, além de eliminar integralmente o coronavírus, as substâncias não geraram efeitos adversos para as células. Os resultados obtidos até o momento permitem que a pesquisa avance para a fase pré-clínica, em que os compostos deverão ser testados em animais.
“Em menos de dois anos, já conseguimos criar condições para avançar com essas moléculas para testes in vivo, muito por conta de já termos um longo histórico de trabalho com essas substâncias, o que mostra a importância de valorizar a ciência básica. Além disso, precisamos desenvolver massa crítica e mão-de-obra nacionais para sermos independentes no desenvolvimento de fármacos e de insumos”
Os especialistas acreditam que as moléculas conseguem interromper o ciclo biológico do coronavírus nas células inibindo uma de suas principais enzimas: a Mpro, que atua para facilitar a liberação do RNA do vírus, processo fundamental para que ele se replique pelo organismo. Segundo o coordenador do estudo, o professor Carlos Alberto Montanari, as moléculas foram testadas em células de câncer de pulmão humano infectadas pelo sars-cov-2. Alguns dos compostos conseguiram eliminar totalmente o coronavírus de células que apresentavam carga viral baixa e moderada. Uma das substâncias, em especial, também foi eficaz contra carga viral elevada, apresentando resultados similares ao fármaco que está sendo desenvolvido pela Pfizer, que se encontra na fase clínica de estudos.
Origem
As moléculas do IQSC são estudadas há anos pelo Grupo de Química Medicinal e Biológica (NEQUIMED) na busca por tratamentos efetivos contra a doença de Chagas. No caso da enfermidade tropical, em testes realizados com camundongos, as substâncias utilizadas pelos pesquisadores já apresentaram resultados promissores, com prova de conceito estabelecida, para inibir a função bioquímica da cruzaína, enzima responsável por manter ativo no corpo humano o Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença. Por meio do uso de técnicas de inteligência artificial e aprendizado de máquina, os pesquisadores identificaram que a cruzaína possui semelhanças estruturais com a Mpro, o que levou os especialistas a aplicar as substâncias contra o coronavírus.
Compostos desenvolvidos no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) poderão ser testados em animais infectados pelo coronavírus – Foto: Henrique Fontes/IQSC
De acordo com Montanari, o conhecimento prévio dos compostos trabalhados no grupo agilizou o estudo contra o novo coronavírus: “Em menos de dois anos, já conseguimos criar condições para avançar com essas moléculas para testes in vivo, muito por conta de já termos um longo histórico de trabalho com essas substâncias, o que mostra a importância de valorizar a ciência básica. Além disso, precisamos desenvolver massa crítica e mão-de-obra nacionais para sermos independentes no desenvolvimento de fármacos e de insumos”, afirma o professor.
Agora, os cientistas estão à procura de novas parcerias e investimentos para que o estudo tenha continuidade e comece a etapa de testes com animais. A pesquisa conta atualmente com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio do projeto Planejamento molecular e síntese de inibidores da principal protease do coronavírus sars-cov-2 Mpro.
Moléculas da USP já se mostraram eficazes para eliminar o Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença de Chagas – Foto: Canva
Os ensaios baseados em células infectadas pelo sars-cov-2 estão sendo conduzidos em parceria com as equipes do cientista João Santana da Silva, da Plataforma de Medicina Translacional da Fiocruz de Ribeirão Preto, com a pesquisadora Carolina Moraes, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, enquanto os testes bioquímicos são realizados em conjunto com pesquisadores da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp – São Paulo e Diadema), do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), além do próprio NEQUIMED.