Uma parceria entre o Instituto Butantan e a Universidade São Francisco (USF) resultou no desenvolvimento de um peptídeo que pode se tornar um aliado no tratamento do Alzheimer, conforme estudo publicado na Frontiers in Pharmacology. Modificada em laboratório a partir de uma proteína encontrada na merluza (Merluccius productus), a molécula inibiu a principal enzima que causa a doença, a BACE-1. O Alzheimer representa 70% dos casos de demência no mundo, com 40 milhões pessoas acometidas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A demência é a sétima principal causa de morte.
Um dos diferenciais do peptídeo é que ele foi capaz de chegar ao cérebro de modelos animais. Nos testes in vitro com neurônios afetados pelo Alzheimer, a substância bloqueou a atividade da enzima BACE-1. “Com isso, o peptídeo reduziu a quantidade de beta-amiloides, proteínas tóxicas responsáveis pela doença, mostrando-se um bom candidato para tratamento”, afirma a bióloga Juliana Mozer Sciani, orientadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Toxinologia do Butantan e pesquisadora da Universidade São Francisco.
Juliana, que trabalha com substâncias de animais marinhos há mais de 10 anos, coordenou o trabalho e foi responsável por fazer diversas modificações na sequência do peptídeo e simulações, utilizando ferramentas de bioinformática, até chegar à versão com maior potencial contra a BACE-1. A proteína original do peixe foi descoberta por pesquisadores da Ásia em 2019 e sua sequência foi disponibilizada em banco de dados.
O novo peptídeo desenvolvido demonstrou alta estabilidade e possibilidade de chegar ao alvo. Também se mostrou seguro e sem toxicidade, de acordo com ensaios em animais saudáveis feitos no Butantan pelos pesquisadores Bianca Cestari Zychar, responsável pela plataforma multiusuário de Microscopia Intravital, e Luís Roberto Gonçalves, diretor do Laboratório de Fisiopatologia.
Nos modelos animais, duas horas após sua administração, o composto chegou ao cérebro. Ele passou pelo pulmão, pâncreas, baço e fígado (onde foi metabolizado), mas não se acumulou em nenhum órgão: depois de seis horas, se concentrou no rim para ser eliminado pela urina. Todos os órgãos ficaram intactos e sem sinal de inflamação ou danos nas células.
“Esse estudo, chamado de farmacocinética, mostra como a substância se desloca no organismo. Por que tomamos alguns remédios de 6 em 6 horas, e outros de 12 em 12, por exemplo? Porque foi feita uma análise de como o fármaco se distribui no corpo, para saber quanto tempo leva para ter a ação e quanto tempo ele demora para sair”, explicou Bianca.
Conhecendo o comportamento do peptídeo em um organismo vivo e sua ação nos neurônios, os cientistas agora irão testá-lo como um tratamento em modelos animais com a doença de Alzheimer para avaliar a sua eficácia.