Com base na Teoria dos Jogos e em outros modelos matemáticos, pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Hebraica de Jerusalém (HUJ), em Israel, investigaram comportamentos de mercado em que diferentes firmas disputam consumidores sob efeito de rede quando estão suscetíveis às decisões de seus pares.
A pesquisa Externalities and economic behavior, realizada com o apoio da FAPESP e da HUJ, desenvolveu e testou modelos teóricos para compreender o fenômeno.
Os modelos ajudam a entender esses mercados, especialmente tendo em vista o comportamento de diferenciação de produtos que decorre da externalidade de rede, disse Fernando Pigeard de Almeida Prado, da FFCLRP-USP, pesquisador responsável pelo projeto.
Em Economia, uma externalidade ocorre quando uma decisão influencia aqueles que não participaram dela, explicou o pesquisador. As externalidades de rede, por sua vez, ocorrem quando um consumidor é influenciado pelas decisões de um grupo ou pela quantidade de consumidores que já adquiriram determinada mercadoria ou serviço.
Trata-se de um fator decisivo em diversos mercados e os modelos desenvolvidos pela pesquisa podem ser aplicados a diferentes segmentos. É uma relação bastante interessante, que abre a possibilidade de desenhos de mecanismos de mercado mais eficientes, disse Prado.
De acordo com o pesquisador, o conceito de externalidade talvez seja um dos mais importantes nas Ciências Sociais. Diz respeito a situações em que as ações de uma pessoa afetam outras e é difícil pensar em um ambiente social que não tenha externalidades. O interesse do nosso trabalho está nas externalidades que emergem do meio econômico, disse Eyal Winter, responsável pela pesquisa em Israel, à Agência FAPESP.
Os pesquisadores observaram que, no caso de um duopólio sob o efeito de rede, a tendência é que as concorrentes não aceitem dividir o mercado. Por meio da Teoria dos Jogos, podemos prever que as duas empresas produzirão produtos semelhantes e tomarão a decisão racional de competir pela fatia maior porque, mesmo que uma delas sofra com a formação de um monopólio pela outra, o que está em jogo são lucros muito maiores do que os gerados em um eventual mercado compartilhado, explicou Prado.
As empresas estariam, então, no que os matemáticos chamam de Equilíbrio de Nash, conceito proposto pelo matemático norte-americano John Nash que demonstra que nenhum jogador pode melhorar seu resultado em relação ao outro modificando sua decisão unilateralmente.
Aquela que fica com a maior fatia dos consumidores ganha muito mais do que se dividisse um mercado mais pobre, então ambas tendem a jogar por tudo ou nada, disse Prado. A pesquisa conduzida por ele e Winter considerou apenas as competições entre dois jogadores.
Coalizões
Diante de um cenário de forte efeito de rede quando as decisões da maioria têm grande influência e pouca diferenciação entre as características dos produtos, os pesquisadores investigaram o papel das escolhas dos consumidores no comportamento do mercado.
Pode-se concluir que uma empresa que detém a maior parcela do mercado pode aumentar seus preços indiscriminadamente sem grandes consequências, já que o consumidor dado o forte efeito de rede e a baixa diferenciação dos produtos não teria alternativa melhor disponível. Mas não se os consumidores atuarem de forma coletiva e ameaçarem deixar de consumir dessa empresa, obrigando-a a manter seus preços em patamares aceitáveis, considerou Prado.
Para testar o comportamento das empresas diante da formação de coalizões entre os consumidores, os pesquisadores realizaram experimentos em laboratório com voluntários atuando como empresários que precisavam decidir sobre os preços de seus produtos.
Foi desenvolvido um software que simula o comportamento do consumidor diante de vários cenários de aumento e queda de preços. A depender dos preços praticados, os jogadores ganhavam ou perdiam fatias de mercado.
Observamos que os participantes do experimento se comportavam de acordo com os modelos matemáticos que desenvolvemos, jogando os preços para baixo a fim de obter a maior fatia de mercado e aumentando o preço assim que assumiam a liderança.
De acordo com Prado, os próximos testes devem incluir novos elementos, como a localização geográfica das empresas. Segundo nossos resultados teóricos, as empresas tendem a optar pela similaridade de seus produtos. Pretendemos testar o comportamento dos empreendedores também com relação ao nível de diferenciação de seus produtos.
As experiências realizadas em Ribeirão Preto são o início de um projeto de construção de um laboratório de economia experimental na USP, disse o pesquisador. Esses experimentos possibilitam novas visões sobre o comportamento real dos indivíduos diante de desafios de ordem econômica e são um embrião para a implementação do laboratório.
Segregação
A pesquisa de Prado e Winter também investiga como a interação entre externalidades e o mercado pode levar a segregações sociais. A iniciativa surgiu com a observação de bairros na cidade de Jerusalém divididos entre populações de judeus ortodoxos e outros não religiosos.
A maneira como esses bairros se organizam tem relação com as externalidades das decisões de determinadas populações sobre outras. Assim que um grupo de judeus não religiosos passava a povoar determinado bairro, ortodoxos ocupavam outra localidade. Isso porque os grupos valorizam determinadas redes em detrimento de outras por conta de suas afinidades. Mas e se a oferta de serviços fundamentais a esses bairros não fizesse essa distinção entre grupos, como eles se comportariam?, questionou Winter, que vive em Jerusalém.
Nos resultados preliminares dos modelos matemáticos estudados, os pesquisadores observaram que uma situação de monopólio segregaria menos do que uma disputa entre duas empresas semelhantes.
Nossa análise mostra que a estrutura social espacial é muito afetada pela do mercado. Mais especificamente, verificou-se que a estrutura do mercado oligopolista, em que um pequeno número de empresas opera, tende a ser mais segregadora do que uma estrutura monopolista, em que apenas uma empresa está operando, disse Winter.
Isso porque, de acordo com os resultados iniciais da pesquisa, sob monopólio os preços seriam mais elevados, pois não há competição, e consumidores de poder aquisitivo dos dois grupos culturais dividiriam a mesma região.
Já um duopólio poderia levar a preços excessivamente baixos, de forma a selecionar rapidamente consumidores de um grupo e, por conta disso, afastar os demais, que migrariam para a outra empresa e, consequentemente, para outro bairro, já que o primeiro foi dominado pela firma e pelo grupo contrários.
Winter alerta que o resultado não pode ser interpretado como uma justificativa ao monopólio. Os economistas são tipicamente muito contrários a mercados monopolizados, por boas razões. Em certa medida, o monopólio é o pior cenário em termos de bem-estar dos consumidores, mas o que nós mostramos é que, em um mercado com externalidades sociais como as que nós descrevemos, um duopólio pode ter piores consequências sociais, disse.
Segundo Prado, a pesquisa demonstrou que, em um monopólio, todos os bairros teriam frações dos dois grupos. Para o pesquisador, no entanto, há alternativas melhores.
Em vez de um monopólio que não segrega culturalmente e um oligopólio segregador, seria mais aceitável um mercado competitivo no qual muitas empresas estão autorizadas a operar e servir os consumidores de maneira regulada, sugeriu.