O Brasil é conhecido por sua diversidade cultural, linguística e étnica. Mas o que muitos não sabem é que essa diversidade também está presente no nosso DNA.
Um estudo científico publicado na revista Science, chamado “ Admixture's Impact on Brazilian Population Evolution and Health ” (em português, “O impacto da mistura genética na evolução e saúde da população brasileira”), revelou como essa mistura de origens tem moldado a história, a genética e até a saúde dos brasileiros.
O que é mistura genética?
Antes de tudo, precisamos entender o que é “mistura genética” (ou “ admixture ”, em inglês). Esse termo se refere ao cruzamento entre populações de origens diferentes. No caso do Brasil, ao longo dos últimos 500 anos, pessoas vindas da Europa, da África e dos povos originários das Américas passaram a ter filhos em comum. Com isso, seus genes também se misturaram. Ao longo do tempo, outros povos (e consequentemente, outras culturas) avolumaram esta mistura, trazendo composições genéticas de diferentes pontos do continente europeu (não somente da Península Ibérica), mas da Ásia.
O resultado é um povo com uma das maiores diversidades genéticas do planeta. Isso significa que, mesmo que duas pessoas pareçam fisicamente, seus genes podem contar histórias muito diferentes sobre sua origem.
O que o estudo descobriu?
Os pesquisadores analisaram o DNA de mais de 1.100 brasileiros de diferentes regiões do país. Eles observaram que a composição genética das pessoas muda bastante de uma região para outra. Por exemplo:
No Norte e no Nordeste, há uma forte presença de genes de povos indígenas e africanos.
No Sul e no Sudeste, predominam os genes europeus, principalmente portugueses, espanhóis e italianos.
Mas não se trata de uma divisão rígida: em todo o país, a maioria das pessoas tem algum grau de ancestralidade mista. Mesmo em regiões onde uma origem é mais comum, ainda há contribuições genéticas das outras populações.
O que essa mistura influencia?
Além de contar a história do Brasil, os genes também influenciam nossa saúde. O estudo mostrou que certas variantes genéticas (pequenas diferenças no DNA entre as pessoas) herdadas de diferentes grupos ancestrais podem afetar a forma como nosso corpo responde a doenças, medicamentos e outros fatores.
Por exemplo, algumas variantes que afetam o risco de doenças como diabetes, hipertensão ou certos tipos de câncer podem ser mais comuns em populações com maior ancestralidade africana ou indígena. Isso não significa que uma pessoa com certa ancestralidade vá necessariamente desenvolver uma doença, mas sim que pode ter maior (ou menor) risco, dependendo do conjunto completo de seus genes e de seu estilo de vida.
Saber mais sobre a genética da população brasileira pode ajudar os profissionais de saúde a oferecer tratamentos mais eficazes e personalizados. Também pode ajudar a desenvolver medicamentos que funcionem melhor para a realidade do Brasil, que é bem diferente de países onde a maioria dos estudos genéticos foi feita (como os Estados Unidos e a Europa).
Hoje, muitos testes genéticos usados na medicina foram desenvolvidos com base em dados de populações europeias. Como os brasileiros têm uma mistura de origens, esses testes podem não funcionar corretamente aqui. Por isso, entender melhor a nossa diversidade genética é fundamental para a medicina do futuro — uma medicina que leva em conta as particularidades de cada indivíduo.
O Brasil como modelo mundial
A mistura genética brasileira é tão complexa e única que o país pode servir de modelo para entender como a genética influencia populações diversas em todo o mundo. Além disso, o estudo ajuda a combater ideias racistas ou simplistas sobre “raça” e genética.
A ciência mostra que a genética humana não se divide em “raças” fixas. Em vez disso, há uma enorme continuidade e sobreposição entre os genes de todas as pessoas. A ideia de raça, nesse contexto, é mais social do que biológica. Ou seja, as categorias que usamos para descrever cor ou origem não refletem exatamente o que está nos nossos genes. Na verdade, repito frequentemente nas minhas aulas o mantra de dizer que não existem raças na espécie humana. Os critérios definidores para raças ou subespécies precisariam ir além de uma mudança na cor da pele.
O estudo “ Admixture's impact on Brazilian population evolution and health ” revela que a história do Brasil está escrita no nosso DNA. Cada pessoa carrega em seu corpo traços das grandes jornadas humanas que moldaram o país — da migração dos primeiros povos indígenas, à chegada forçada de milhões de africanos escravizados, passando pelas ondas migratórias da Europa e da Ásia.
Essa herança genética influencia não só quem somos, mas também como cuidamos da nossa saúde. Conhecer mais sobre ela pode trazer avanços importantes para a medicina e para a construção de uma sociedade mais justa e informada.