Para cumprir adequadamente o papel central que terá no desenvolvimento do Brasil, a universidade precisará contribuir com a melhora do ensino básico, além de repensar seu modelo institucional e criar novas redes de conhecimento.
Essas foram algumas das propostas apresentadas por especialistas no debate “Universidade e desenvolvimento”, nesta quarta-feira (25/6), na Universidade de São Paulo (USP), durante o “Colóquio 2010-2020: Um período promissor para o Brasil”, que homenageia os 60 anos de atuação do físico José Goldemberg.
Participaram do debate Carlos Vogt, secretário do Ensino Superior de São Paulo, e os professores Glauco Arbix, do Departamento de Sociologia, e Wanderley Messias da Costa, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Segundo Arbix, a universidade precisa entrar em sintonia com o esforço do Brasil para se desenvolver. Ele afirma que as mudanças dos processos e fluxos de produção do conhecimento nos últimos 20 anos criaram novos desafios.
“É preciso criar e expandir redes de conhecimento, pois a educação, a ciência e a tecnologia estão no centro da competitividade do país. O conhecimento tem um papel central na produção de novas relações econômicas e sociais”, afirmou.
O professor apresentou uma série de propostas para aumentar a sintonia entre a universidade e o ritmo de desenvolvimento. Para ele, a universidade tem a responsabilidade de fazer mais alianças com o setor produtivo, o governo e a sociedade civil.
“Há também uma grande necessidade de remodelagem institucional: os departamentos prejudicam o desempenho da instituição, porque são foco de resistência às redes interdisciplinares. É preciso minar o sistema departamental alocando a maior parte dos recursos em programas multidisciplinares”, disse.
Outra proposta de Arbix é criar mais programas interinstitucionais. “No Brasil não temos mobilidade entre as universidades, nem de docentes, nem de alunos, mas isso é necessário. Quanto à cooperação entre universidade e empresa, trata-se de uma questão de sobrevivência”, afirmou
Arbix defendeu a adoção de um padrão mundial de pesquisa. “É fundamental definir indicadores para avaliar a produção. Nesse aspecto, estamos no caminho certo: as atividades da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e da FAPESP são fundamentais para a universidade. Seguir um padrão internacional de produtividade, com avaliação rigorosa, é essencial”, destacou.
O sociólogo afirmou que a extrema concentração da pós-graduação em ciências humanas é outro problema a ser combatido. “Temos um grande crescimento da pós-graduação, mas onde estão esses mestres e doutores? Dados da Capes mostram que 40% dos pós-graduandos estão na área de humanas, a única que cresce. Não é com doutores em humanas que o país vai se desenvolver”, disse.
O professor da FFLCH afirmou ainda que é preciso implantar sistemas meritocráticos para remuneração, carreira e promoções nas universidades. Segundo ele, a estrutura de promoção por tempo de casa e de benefícios por antiguidade são avessas à competição saudável.
“Outra proposta é construir uma rede global de pesquisa brasileiras. Não se sabe quantos são, mas temos um enorme número de pesquisadores bem posicionados em centros dinâmicos de produção do conhecimento no exterior”, disse.
Expansão e capacitação
Carlos Vogt apresentou o programa da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), criado pela secretaria para expandir o ensino público superior no Estado com o uso de novas tecnologias de informação e comunicação. O programa agrega as três universidades estaduais paulistas e oferecerá cursos de licenciatura em mais de 70 cidades.
“Na faixa etária dos 18 aos 24 anos, apenas 11% da população tem acesso ao ensino superior. Em países como Chile, México e Argentina, esse percentual está em torno de 30%. O programa terá o objetivo de aumentar esse acesso e, ao mesmo tempo, contribuir com o desenvolvimento ao melhorar o ensino básico por meio da qualificação de professores”, disse.
O primeiro curso a ser oferecido, com certificação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), será o Pedagogia Univesp, com 5 mil vagas para formar professores da 1ª a 4ª séries e gestores de escolas. Cerca de 40% das atividades, assim como as avaliações, serão presenciais. “Esse curso terá turmas de 25 alunos atendidos por um tutor. A seleção será feita por meio de vestibular”, explicou Vogt.
A Univesp, de acordo com o secretário, oferecerá também cursos de pós-graduação, de extensão, de capacitação e de formação continuada. “Teremos também um canal de televisão digital, em parceria com a TV Cultura, com sinal aberto e que apresentará programas relacionados aos cursos 24 horas por dia: a TV Univesp”, disse.
Novo padrão de produtividade
Wanderley Messias da Costa, que também é coordenador de Comunicação Social da USP, destacou no colóquio que, nos últimos dez anos, houve um crescimento vertiginoso da produção científica brasileira, com cerca de 17 mil artigos científicos publicados e formação de 10 mil doutores e 32 mil mestres. Mas que o crescimento trouxe problemas que precisarão ser solucionados.
“Há má distribuição desses recursos humanos: metade dos doutores está no Sudeste. Há também um mau aproveitamento, pois as universidades ainda são o principal mercado para os doutores. Essa qualificação precisa ser expandida para fora da academia”, disse.
Para ele, o crescimento da produção acompanha uma tendência global. “A produção científica mundial se tornou tão grande que escapa à escala humana: a cada ano são publicados cerca de 1,3 milhão de artigos científicos, o que totaliza cerca de 3,6 mil por dia, ou 150 por hora”, disse.
A imensa produtividade, segundo ele, se refletiu em uma mudança do comportamento dos pesquisadores. “Temos uma geração envolvida com um novo padrão de produtividade e competitividade, estimulada sobretudo pelo sistema Capes, que não tem tempo para participar de comissões e reuniões. Não há mais tempo para politização das discussões ou para participação institucional. É uma geração menos engajada e menos institucional”, disse.
Com esse processo, disse Costa, as universidades têm perdido autonomia em relação às políticas de pesquisa. “O pesquisador está submisso a um sistema draconiano de avaliação. Por outro lado, temos que reconhecer que é preciso avaliar.”
O desafio para os próximos anos, de acordo com ele, é harmonizar esse perfil da nova geração de pesquisadores com uma necessidade cada vez maior de participação institucional.
“A USP, por exemplo, tem 2 mil comissões permanentes, 40 organismos superiores e 250 conselhos departamentais, além de inúmeras comissões ad hoc, temporárias. Quanto mais democracia, mais comissões, mais colegiados e mais burocracia. Ao mesmo tempo, o pesquisador tem menos tempo para tudo isso”, afirmou
(Agência Fapesp, 26/6)