A Amazônia chama a atenção do mundo, mas permanece à margem das políticas nacionais. Atrair investimentos em ciência e tecnologia, produzir mais doutores e mais pesquisa, sendo que estes são fundamentais para ajudar a região a se desenvolver, preservando a floresta, mas melhorando as condições sociais.
Essa idéia predominou entre os palestrantes que abriram, neste domingo (8/7) à noite, em Belém, a 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que enfoca o tema Amazônia: Desafio Nacional. A abertura do evento, realizado no Hangar — Centro de Convenções da Amazônia, na capital paraense, recebeu mais de 2 mil pessoas.
Na abertura do evento, o vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Hernan Chaimovich, ressaltou a importância de formar profissionais na região para trabalharem na mesma, assim como o incentivo para tal: "Ciência não se faz com máquinas, se faz com pessoas. Precisamos formar pessoas na Amazônia para atuar na região. No entanto, essa é apenas uma parte da equação, pois se não houver incentivo e investimento, corremos o risco de qualificar pessoas para migrarem e atuarem em outras regiões. A condição de trabalho determina que uma formação seja realmente local".
"A região amazônica é o centro das atenções mundiais, mas continua a periferia das questões nacionais. A Amazônia não deve ser encarada como uma questão regional, e sim um desafio brasileiro", disse Alex Fiúza de Melo, reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e sociólogo. Segundo Fiúza, é preciso criar programas que atraiam doutores para a região, de modo que a Amazônia seja incorporada ao Brasil de forma justa e democrática, e não incorporada ao mundo sem o Brasil. Para o reitor, no entanto, é preciso reverter a tendência da ciência de se servir da Amazônia e passar a produzir ciência na região, que precisa de seus próprios doutores.
"A Amazônia não é só floresta, nem é só natureza. Ela é o lugar de 20 milhões de brasileiros que precisam de renda, desenvolvimento e qualidade de vida. Não pode ser um santuário de ONGs, nem um espaço exótico para turistas. Não se defende a Amazônia com preservação, mas com conhecimento", afirmou.
Ciência e justiça social
Eduardo Braga, governador do Amazonas, afirmou que a ciência é fundamental para o desenvolvimento social. "Fala-se muito sobre a Amazônia, mas muito pouco sobre seu povo. Não vamos dar melhores condições de vida ao povo do interior sem ciência e tecnologia. Não há justiça social sem excelência na universidade", declarou. De acordo com Braga, para cada mestre na região Norte há dez no Sudeste. "Se isso continuar, a desigualdade regional nunca vai acabar. Temos ainda doutores que atuam no interior do Amazonas que se formaram na Bolívia, no Peru e na Colômbia. É preciso investir em pessoal."
Enio Candotti, presidente da SBPC, que passará o cargo ao recém-eleito Marco Antonio Raupp, defendeu que é preciso descriminalizar a atividade do pesquisador na Amazônia. "Precisamos decidir se a pesquisa científica é uma ameaça ao patrimônio público. Uma vez comprovado que a pesquisa não perturba a natureza, mas apenas a estuda — interferindo, sim, mas sem comprometer o equilíbrio ecológico —, então a pesquisa deve ser definitivamente descriminalizada."
Estudar a Amazônia, para Candotti, não pode ser objeto de ações de vigilância e de punição por parte das polícias federal ou ambiental. Ao contrário, a pesquisa precisa ser incentivada. "A biopirataria deve ser combatida, mas é preciso saber distinguir entre quem trabalha para conhecer a natureza e quem faz tráfico de informações e conhecimentos científicos ou tradicionais", disse.
Segundo ele, cerca de 70% das pesquisas e informações científicas consistentes sobre a Amazônia são publicadas em revistas internacionais por pesquisadores estrangeiros. "Seria razoável se fosse o contrário, com 30% da produção feita por estrangeiros."
Candotti destacou que a floresta em pé vale mais que a madeira de suas árvores. "A madeira corresponde a um quarto do valor da árvore. Seus frutos, óleos, sementes e resinas têm valor comercial muito superior ao da madeira", afirmou.
Investimento para o futuro
Ana Júlia Carepa, governadora do Pará, disse ter certeza de que só haverá futuro para a região com investimentos em ciência e tecnologia. "Por isso ampliamos em dez vezes os investimentos no estado e pedimos a criação de uma fundação de amparo à pesquisa. Solicitamos também financiamento ao BNDES para criação de parques tecnológicos. O primeiro será o de Guará e depois virão os de Marabá e Tapajós, em Santarém", anunciou.
Ana Júlia destacou as penosas condições sociais no Pará. "O estado esta em último lugar no país em termos de acesso ao saneamento básico. E em penúltimo no aceso à água potável. Não é fácil convencer a sociedade de que só vamos sair da condição periférica de subdesenvolvimento com o investimento no conhecimento." Para a governadora, o crescimento econômico e o desenvolvimento não são incompatíveis com a preservação ambiental. "Ela é incompatível com o modelo de exclusão que combatemos", disse.
O jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, editor desde 1987 do Jornal Pessoal, afirmou que há um movimento contraditório no Pará, que apóia a ciência para que ela diga como suas ações são erradas. "A ciência vem atrás do suposto desenvolvimento, apenas para recolher o produto da irracionalidade", destacou o jornalista, que foi o homenageado da noite junto com a professora Glaci Zancan, ex-presidente da SBPC, que morreu no dia 29 de junho, aos 72 anos.
De acordo com Pinto, prova dessa irracionalidade pode ser constatada com os índices de desmatamento, ainda que eles tenham diminuído. O jornalista apontou que foram devastados no Pará o equivalente a uma vez e meia o estado de São Paulo. "Houve uma redução do ritmo que não se pode nem comemorar. Desmatava-se 80 mil quilômetros em 1987 e passou-se hoje para 20 mil."
Pinto lembrou que o Pará é o 16º estado no país em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o 17º em Produto Interno Bruto (PIB) e 19º em PIB per capita. "Para que a ciência evite um destino colonial para a Amazônia, é preciso que o cidadão tenha acesso à agenda política. Mas ele só sabe dos estragos quando eles são fatos consumados", disse.
Indústrias como a Vale do Rio Doce, de acordo com o jornalista, comemoram a produção de 1 bilhão de toneladas de minério de ferro em Carajás. "Mas 60% disso vai para a China e Japão. Isso é uma hemorragia de riquezas. Ninguém pensa em produzir aço aqui. É disso que discordamos", disse, provocando aplausos no auditório.
Estiveram também presentes à mesa, entre outros, os presidentes de honra da SBPC e Acadêmicos Warwick Kerr, Crodowaldo Pavan e Sérgio Henrique Ferreira, além de Adalberto Val, diretor do Inpa.
(Fontes: Fábio de Castro e Thiago Romero para Agência Fapesp e JC online, 9/7)