Notícia

Propaganda e Marketing

Ministério Público aciona cervejarias

Publicado em 03 novembro 2008

Por Maria Fernanda Malozzi e Suellen Vallini

Ou o cerco está se fechando mesmo para as cervejarias – como aconteceu com as campanhas de cigarro – ou é mania de perseguição contra um “inimigo” que não é tão vilão assim ou, pelo menos, não é o único. O fato é que, depois da Lei Seca e de um Projeto de Lei que tenta restringir o horário de publicidade das cervejas, agora o Ministério Público Federal (MPF), em São José dos Campos, entrou com uma ação civil pública contra Ambev, Schincariol e Femsa pedindo indenização pelo aumento dos danos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas. O pedido, no valor de R$ 2,8 bilhões, abrange os danos causados em todo território nacional.

De acordo com Fernando Lacerda Dias, procurador geral da República, a publicidade aumenta o consumo precoce da bebida alcoólica. “Com esse efeito, os danos causados ficam potencializados e é isso o que peço nessa ação: indenização pelos danos causados pelo álcool à população brasileira”, explicou o procurador.

Nos autos, Dias apurou que as três empresas, que respondem por 90% do mercado cervejeiro nacional, investem muito em publicidade (quase R$ 1 bilhão só em 2007). O MPF considera que a publicidade é usada consciente e deliberadamente pelas empresas como instrumento para alavancar o consumo de álcool, especialmente entre os jovens.

Segundo Dias, a ação não visa proibir a publicidade de cerveja, mas pretende que a Ambev, Schincariol e Femsa paguem a indenização. O cálculo foi baseado nos gastos que o governo teve com o SUS (Sistema Único de Saúde) e com despesas previdenciárias, em razão de doenças ou lesões diretamente relacionadas com o consumo de álcool. A indenização está dividida conforme a participação de mercado de cada empresa, sendo que a Ambev ficou responsável por R$ 2,1 bilhões, a Schincariol por R$ 424 milhões e a Femsa por R$ 244 milhões. De acordo com o procurador, 70% da indenização será destinada ao Fundo Nacional Anti-Drogas e o restante para o SUS e o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O juiz ainda vai convocar os réus a apresentarem suas defesas e, somente após a sentença – e caso percam, é que as empresas poderão recorrer. A ação também determina que, além da indenização, as cervejarias arquem com os custos da ação e que, a partir da finalização do processo, a cada R$ 1 gasto com publicidade, o mesmo valor seja repassado a algum programa de prevenção contra consumo de bebida alcoólica.

Apesar de a ação que está movendo apenas pedir a indenização, Dias apóia a restrição à publicidade de cerveja. “Ao meu modo de ver, a restrição da publicidade é uma questão legislativa e o Congresso deverá tomar essa responsabilidade”, afirmou o procurador, referindo-se ao Projeto de Lei 2733/2008, que amplia a restrição da publicidade de bebidas com teor alcoólico entre 0,5º e 13º graus na escala Gay-Lussac, como cervejas, vinhos, espumantes e “coolers”.

A votação do PL 2733 deveria ter acontecido em junho, mas foi retirada da pauta pelo Congresso. Caso fosse aprovada, a publicidade de cerveja em rádio e TV ficaria restrita ao horário das 21h30 às 6h, como acontece atualmente com as bebidas destiladas e vinhos.

A reportagem entrou em contato com as cervejarias, mas todas afirmaram que não vão falar sobre o assunto.

 

Propaganda não é vilã

De acordo com Fernando Lacerda Dias, procurador que entrou com a representação contra as cervejarias, a ação foi baseada na compilação de estudos sobre dependência alcoólica coordenado por Ilana Pinsky, professora da pós-graduação do departamento de psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A pesquisa, financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), afirmou que com o aumento do investimento na publicidade de cerveja, a precocidade do consumo da bebida também aumentou.

“Os estudos mostram que adolescentes que estão mais expostos à propaganda, que sempre relacionam alegria, humor e mulheres bonitas, são jovens que tendem a consumir mais e cada vez mais cedo. E o abuso de álcool ou consumo nocivo pode se tornar uma dependência quando ligado a outros fatores”, disse Ilana.

De acordo com a pesquisadora, a publicidade não é a única responsável, mas ela não se isenta como dizem alguns publicitários. “A forma como novos produtos são lançados, o local onde estão expostos (perto de salgadinhos e refrigerantes) e o baixo preço também são uma medida de promoção”.

A psicóloga afirmou não ter todas as soluções para reduzir os danos causados pelo consumo precoce da bebida “mas uma delas é uma fiscalização mais efetiva das vendas e um controle mais forte da publicidade, com restrição de horário”. Ilana citou o exemplo da restrição à publicidade de cigarro, que contribuiu para a redução do consumo. “É claro que o consumo não desapareceu, porque cigarro é um produto lícito. Mas para cigarro não existe um consumo que seja ‘ok’, para cerveja sim, e é isso que queremos que aconteça. Hoje, o consumo moderado praticamente não existe. Grande parte da população não bebe, mas entre os que bebem, metade consome álcool de maneira problemática”.

Dalton Pastore, presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade), lamentou que esse tipo de processo esteja envolvendo novamente o investimento publicitário. “É uma situação lamentável. Acho que está na hora dos setores organizados da sociedade e os poderes públicos decidirem definitivamente quais são os produtos legais e ilegais. Atacar a publicidade não combate o consumo de álcool, isso não traz nenhuma contribuição para resolver qualquer tipo de problema”.

Também contrário à restrição publicitária de cervejas, Luiz Fernando, diretor de operações da Fischer América, lembrou que todas as regras do Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária) são cumpridas pela publicidade e não será a proibição que determinará o fim do consumo de álcool. “Enquanto existir o produto haverá consumo. As pessoas não deixaram de fumar porque acabou a publicidade de cigarro. Por isso, não conseguirão zerar as contas de tratamento de alcoolismo com a proibição da publicidade de álcool”, opinou. Para Fernando, a melhor alternativa é a educação da população. “A Lei Seca é um exemplo de atitude corretíssima. E o que tem que haver é uma maior fiscalização, como ocorre em outros países, onde só se vende bebida alcoólica para maior de 18 anos por meio de apresentação de documentos”, disse.

Ainda segundo Pastore, a comunicação não é culpada pelo consumo irresponsável que se faz de bebidas e, se houver uma restrição tão grande como aconteceu com a publicidade de cigarro, isso será algo “inconstitucional”.