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Folha da Região (Araçatuba, SP) online

Militares e a democracia (1 notícias)

Publicado em 21 de abril de 2000

Proclamação da República, Revolução de 30, golpe de 64... Em momentos cruciais da vida política brasileira, lá estavam os militares, prontos a atender aos "anseios populares". Nunca sozinhos, é verdade: o autoritarismo, os golpes decisivos e mesmo a política econômica adotada pelos generais, almirantes e brigadeiros para conduzir o país sempre contaram com o respaldo de alguma parcela da sociedade, geralmente a mais alta. Não foi só no Brasil que isso ocorreu, mas aqui há algo inegavelmente particular. "Os militares participaram da formação da identidade nacional", explica o coordenador do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégias (Naipe) da USP, Braz de Araújo. Desde o princípio, para colonizar o Brasil segundo a estratégia traçada pelos portugueses, era necessário uma estrutura de força. Foi assim até meados do século 19. O Exército era mandado pelo rei e depois pelo imperador às regiões que apresentassem conflitos ameaçadores à unidade brasileira. Não que fosse pouca coisa: cabia ao Exército a "pacificação" do país, evitando que ele se desunificasse, segundo Geraldo Cavagnari, coronel da reserva e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp. Nas os militares só começaram a atuar diretamente na vida política brasileira pouco antes da Proclamação da República. A Guerra do Paraguai fizera seu efetivo crescer consideravelmente, num processo que trouxe também a profissionalização das Forças Armadas. Seguindo uma tendência mundial, surgiram instituições militares de ensino aptas a formar um corpo com competência técnica, científica e militar. Daí para o surgimento de uma jovem elite pensante foi um passo. Adeptos do positivismo e dos ideais republicanos, os jovens tenentes, entre eles Benjamin Constant, juntaram-se a cabeças nem tão pensantes assim, mas que consideravam insuficientes as demonstrações de gratidão de D. Pedro II a seus atos de bravura na Bacia do Prata entre as décadas de I860 e I870. E veio o golpe republicano, capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Quatro décadas mais tarde, o golpe de 30 mostrou a força adquirida pelos militares e afirmou uma característica que se tornaria sempre presente em sua atuação política: as alianças com determinados grupos da sociedade civil. Sete anos depois de apoiarem a chegada de Getúlio Vargas ao poder os militares validaram sua atuação no cenário político com a instauração do Estado Novo - uma ditadura militar com um chefe civil. O cientista político René Armand Dreifuss observa que nessa década as Forças Armadas já se viam mais do que politicamente amantes, capazes de agir sozinhas. E decidiram excluir as peças inconvenientes do poder, notadamente as civis. Em IMS, foi-se o presidente, mas ficaram os militares. Se durante os governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart os militares não ocuparam a cadeira da Presidência, tampouco estiveram longe dela. No começo da década de 60, o embate sobre quem mapeava o curso da nau e quem mexia o leme intensificou-se, uma vez que as reformas de base de jango incompatibilizavam-se com o lema dos militares, ("segurança e desenvolvimento") e com os interesses da elite civil. E com os militares em 1964 veio todo o seu histórico de coerção pela corça. Era a única maneira de governar a parte da população brasileira contrária à ditadura, pensaram. Das armas aos Atos Institucionais, uma estrutura gigantesca foi montada para calar oposicionistas. O "milagre econômico" (que tomara o lugar das reformas de base), por sua vez, ajudava a manter os brasileiros simpáticos ao regime. O "milagre", entretanto, não durou muito. Aliados a outros fatores, como os conflitos pelo poder dentro das Forças Armadas e pressões externas, os problemas econômicos cada vez mais evidentes fizeram crescer a insatisfação de diversos setores da sociedade e levaram os generais a buscarem uma solução antes que fossem a pique. A resposta aos "anseios populares" foi uma abertura lenta e gradual. A ditadura militar trouxe obstáculos para uma nova ditadura militar. Sob o aspecto da imagem da instituição, os obstáculos são bem maiores porque a sociedade não esquece os casos de censura, tortura e assassinatos. CÉREBROS BRILHANTES O Brasil e os brasileiros despertaram para a ciência sem complexos de inferioridade, mas desde cedo aprendeu-se aqui a necessidade de buscar as luzes de outros palcos (e o dinheiro dos pagantes) para as proezas do conhecimento humano. As grandes invenções e descobertas no país só despontam com mais força no final do século 19 e início do século 20, quando muitas universidades e instituições científicas são criadas. Antes disso, as contribuições são de cérebros que saíram para o exterior, sobretudo Europa, e lá desenvolveram seus projetos. Assim foi com o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão, que em 1709 demonstra ao rei de Portugal, D. João V, que um engenho- mais-leve-do-que-o-ar podia ergue-se do chão. Seu balão de ar aquecido subiu 20 palmos de altura dentro do palácio. Vale lembrar que o balão de ar aquecido dos irmãos Montgolfier, considerados os pais do balonismo, subiu 2 mil metros nos céus franceses apenas em 1783. Depois dele, só em I898, o jovem Alberto Santos-Dumont, nascido em Minas Gerais, aventura-se pelo mesmo caminho, iniciando sua carreira de aeronauta com um vôo livre de balão a hidrogénio, em Paris. Em setembro de I906, na segunda tentativa de levantar vôo com um engenho-mais-pesado-do-que-o-ar, Santos Dumont percorre cerca de 10 metros com seu 14-Bis no ar, melhorando a marca para 60 metros no mês seguinte e 220 metros em novembro. Na área médica, os avanços começam a surgir em solo brasileiro. O fim do século 19 produz cientistas de grande valor. Em 1891, Vital Brasil Mineiro da Campanha, recém-formado engaja-se nas campanhas contra peste bubônica, febre amarela e cólera, em São Paulo. Em 1898, no Instituto Bacteriológico de São Paulo, consegue produzir os primeiros soros eficazes contra o veneno de duas espécies de cobras. Funda o Instituto Butantã, em 1901, até hoje um dos mais importantes do país na produção de soros e vacinas. Em 1892, o jovem médico Oswaldo Cruz defende sua tese sobre a, veiculação microbiana das águas e segue para o Instituto Pasteur de Paris. Em 1900 volta para o Brasil em meio a uma violenta epidemia de peste bubônica, que ameaçava espalhar-se a partir do Porto de Santos, em São Paulo, e atingir o Rio de Janeiro. Começa a trabalhar na produção de soro antipestoso, logo engaja-se nas campanhas sanitárias contra a., febre amarela e contra a epidemia de varíola de 1904. Um pouco mais jovem do que Oswaldo Cruz, Carlos Chagas também brilha como cientista na área médica, por uma vida inteira dedicada à pesquisa sobre o paludismo (malária) e à descoberta do Mal de Chagas. Realizou, em I905, a primeira campanha bem-sucedida antimalária, em São Paulo, trabalho que serviu de base para o combate à doença no mundo inteiro. Em 1907, descobre num inseto que se a loja nas paredes de casas de barro, o barbeiro, um novo parasita, o Tripanossoma cruzi. Em 1909, comprova ser este parasita o transmissor da doença. Algumas das tecnologias aqui desenvolvidas - como a produção do álcool combustível a partir da crise do petróleo dos anos 70 ou o plástico biodegradável dos anos 90 - são melhores e mais baratas do que as soluções desenvolvidas nos Estados Unidos e Europa. O Brasil chega ao final dos anos 80 e início de 90 com produtos científicos inéditos, novos materiais, ciência pura e aplicada. O Brasil ainda encerra o milênio com o seqüenciamento genético completo da bactéria Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho dos citros, doença que impõe prejuízos de 30% à citricultura paulista. 0 projeto Genoma-Fapesp, iniciado em 1997, prossegue com o seqüenciamento do agente causador do cancro cítrico, Xanthomonas axonopodis pv citri, do câncer humano e da cana-de-açúcar.