Proclamação da República, Revolução de 30, golpe de 64... Em momentos cruciais da vida política brasileira, lá estavam os militares, prontos a atender aos "anseios populares". Nunca sozinhos, é verdade: o autoritarismo, os golpes decisivos e mesmo a política econômica adotada pelos generais, almirantes e brigadeiros para conduzir o país sempre contaram com o respaldo de alguma parcela da sociedade, geralmente a mais alta.
Não foi só no Brasil que isso ocorreu, mas aqui há algo inegavelmente particular. "Os militares participaram da formação da identidade nacional", explica o coordenador do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégias (Naipe) da USP, Braz de Araújo.
Desde o princípio, para colonizar o Brasil segundo a estratégia traçada pelos portugueses, era necessário uma estrutura de força. Foi assim até meados do século 19. O Exército era mandado pelo rei e depois pelo imperador às regiões que apresentassem conflitos ameaçadores à unidade brasileira. Não que fosse pouca coisa: cabia ao Exército a "pacificação" do país, evitando que ele se desunificasse, segundo Geraldo Cavagnari, coronel da reserva e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp.
Nas os militares só começaram a atuar diretamente na vida política brasileira pouco antes da Proclamação da República. A Guerra do Paraguai fizera seu efetivo crescer consideravelmente, num processo que trouxe também a profissionalização das Forças Armadas.
Seguindo uma tendência mundial, surgiram instituições militares de ensino aptas a formar um corpo com competência técnica, científica e militar. Daí para o surgimento de uma jovem elite pensante foi um passo.
Adeptos do positivismo e dos ideais republicanos, os jovens tenentes, entre eles Benjamin Constant, juntaram-se a cabeças nem tão pensantes assim, mas que consideravam insuficientes as demonstrações de gratidão de D. Pedro II a seus atos de bravura na Bacia do Prata entre as décadas de I860 e I870. E veio o golpe republicano, capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca.
Quatro décadas mais tarde, o golpe de 30 mostrou a força adquirida pelos militares e afirmou uma característica que se tornaria sempre presente em sua atuação política: as alianças com determinados grupos da sociedade civil.
Sete anos depois de apoiarem a chegada de Getúlio Vargas ao poder os militares validaram sua atuação no cenário político com a instauração do Estado Novo - uma ditadura militar com um chefe civil.
O cientista político René Armand Dreifuss observa que nessa década as Forças Armadas já se viam mais do que politicamente amantes, capazes de agir sozinhas. E decidiram excluir as peças inconvenientes do poder, notadamente as civis. Em IMS, foi-se o presidente, mas ficaram os militares.
Se durante os governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart os militares não ocuparam a cadeira da Presidência, tampouco estiveram longe dela.
No começo da década de 60, o embate sobre quem mapeava o curso da nau e quem mexia o leme intensificou-se, uma vez que as reformas de base de jango incompatibilizavam-se com o lema dos militares, ("segurança e desenvolvimento") e com os interesses da elite civil.
E com os militares em 1964 veio todo o seu histórico de coerção pela corça. Era a única maneira de governar a parte da população brasileira contrária à ditadura, pensaram. Das armas aos Atos Institucionais, uma estrutura gigantesca foi montada para calar oposicionistas. O "milagre econômico" (que tomara o lugar das reformas de base), por sua vez, ajudava a manter os brasileiros simpáticos ao regime.
O "milagre", entretanto, não durou muito. Aliados a outros fatores, como os conflitos pelo poder dentro das Forças Armadas e pressões externas, os problemas econômicos cada vez mais evidentes fizeram crescer a insatisfação de diversos setores da sociedade e levaram os generais a buscarem uma solução antes que fossem a pique. A resposta aos "anseios populares" foi uma abertura lenta e gradual.
A ditadura militar trouxe obstáculos para uma nova ditadura militar. Sob o aspecto da imagem da instituição, os obstáculos são bem maiores porque a sociedade não esquece os casos de censura, tortura e assassinatos.
CÉREBROS BRILHANTES
O Brasil e os brasileiros despertaram para a ciência sem complexos de inferioridade, mas desde cedo aprendeu-se aqui a necessidade de buscar as luzes de outros palcos (e o dinheiro dos pagantes) para as proezas do conhecimento humano.
As grandes invenções e descobertas no país só despontam com mais força no final do século 19 e início do século 20, quando muitas universidades e instituições científicas são criadas. Antes disso, as contribuições são de cérebros que saíram para o exterior, sobretudo Europa, e lá desenvolveram seus projetos.
Assim foi com o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão, que em 1709 demonstra ao rei de Portugal, D. João V, que um engenho- mais-leve-do-que-o-ar podia ergue-se do chão. Seu balão de ar aquecido subiu 20 palmos de altura dentro do palácio. Vale lembrar que o balão de ar aquecido dos irmãos Montgolfier, considerados os pais do balonismo, subiu 2 mil metros nos céus franceses apenas em 1783.
Depois dele, só em I898, o jovem Alberto Santos-Dumont, nascido em Minas Gerais, aventura-se pelo mesmo caminho, iniciando sua carreira de aeronauta com um vôo livre de balão a hidrogénio, em Paris.
Em setembro de I906, na segunda tentativa de levantar vôo com um engenho-mais-pesado-do-que-o-ar, Santos Dumont percorre cerca de 10 metros com seu 14-Bis no ar, melhorando a marca para 60 metros no mês seguinte e 220 metros em novembro.
Na área médica, os avanços começam a surgir em solo brasileiro. O fim do século 19 produz cientistas de grande valor. Em 1891, Vital Brasil Mineiro da Campanha, recém-formado engaja-se nas campanhas contra peste bubônica, febre amarela e cólera, em São Paulo. Em 1898, no Instituto Bacteriológico de São Paulo, consegue produzir os primeiros soros eficazes contra o veneno de duas espécies de cobras. Funda o Instituto Butantã, em 1901, até hoje um dos mais importantes do país na produção de soros e vacinas.
Em 1892, o jovem médico Oswaldo Cruz defende sua tese sobre a, veiculação microbiana das águas e segue para o Instituto Pasteur de Paris. Em 1900 volta para o Brasil em meio a uma violenta epidemia de peste bubônica, que ameaçava espalhar-se a partir do Porto de Santos, em São Paulo, e atingir o Rio de Janeiro.
Começa a trabalhar na produção de soro antipestoso, logo engaja-se nas campanhas sanitárias contra a., febre amarela e contra a epidemia de varíola de 1904. Um pouco mais jovem do que Oswaldo Cruz, Carlos Chagas também brilha como cientista na área médica, por uma vida inteira dedicada à pesquisa sobre o paludismo (malária) e à descoberta do Mal de Chagas. Realizou, em I905, a primeira campanha bem-sucedida antimalária, em São Paulo, trabalho que serviu de base para o combate à doença no mundo inteiro.
Em 1907, descobre num inseto que se a loja nas paredes de casas de barro, o barbeiro, um novo parasita, o Tripanossoma cruzi. Em 1909, comprova ser este parasita o transmissor da doença.
Algumas das tecnologias aqui desenvolvidas - como a produção do álcool combustível a partir da crise do petróleo dos anos 70 ou o plástico biodegradável dos anos 90 - são melhores e mais baratas do que as soluções desenvolvidas nos Estados Unidos e Europa.
O Brasil chega ao final dos anos 80 e início de 90 com produtos científicos inéditos, novos materiais, ciência pura e aplicada. O Brasil ainda encerra o milênio com o seqüenciamento genético completo da bactéria Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho dos citros, doença que impõe prejuízos de 30% à citricultura paulista. 0 projeto Genoma-Fapesp, iniciado em 1997, prossegue com o seqüenciamento do agente causador do cancro cítrico, Xanthomonas axonopodis pv citri, do câncer humano e da cana-de-açúcar.
Notícia
Folha da Região (Araçatuba, SP) online